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Passivo no troca-troca tem mais chance de ser gay, diz guia de saúde da Prefeitura de SP

Nos postos de saúde da cidade de São Paulo é possível ter acesso ao ‘Manual de atenção a Saúde dos adolescentes’, editado em 2006. O seu conteúdo trata de diversos temas: jovens com deficiência, vida na escola, sexualidade… E é aí neste último, que mora o problema. No artigo ‘Desenvolvimento da sexualidade’, escrito pela pediatra Lígia de Fátima Nóbrega Reato, que trata do desenvolvimento da orientação sexual, a autora faz a seguinte afirmação:

"Um dos jogos sexuais praticados pelos meninos é o vulgarmente conhecido como "troca-troca" que, quando descoberto pelos adultos, costuma gerar dúvidas e preocupações quanto a uma possível identificação homossexual na vida adulta… entre os participantes ou quando, por pressão do grupo ou por vontade própria, o jovem passa a ser sempre o passivo; a permanência nessa passividade pode tornar o púbere um homossexual".  

Murilo Sarno, vice-presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo (APOGLBT), disse que tomou conhecimento do material recentemente e aponta as medidas que tomadas tanto pelas organizações gays de São Paulo. "O Fórum Paulista LGBT, com o apoio da APOGLBT, fez uma notificação à secretaria da Saúde. Se vão tirar de circulação, eu não sei".
 
Murilo define como "altamente infeliz e nem um pouco técnica" a afirmação da autora, ao dizer que quem for o passivo nos "trocas- trocas" será homossexual.

Sobre as providências a serem tomadas frente ao material, Ferdinando Martins, da Rede de Comunicadores GLS diz que "o primeiro passo é a Secretaria Municipal de Saúde reconhecer os erros contidos na publicação. Depois, é preciso recolher o material". Ferdinando acredita que para a secretaria demonstrar seriedade e ética em seu trabalho deve "enviar comunicado para os profissionais de saúde esclarecendo o que houve e fornecer novos materiais".

Grupos de ativismo LGBT de São Paulo encaminharam ontem à Secretaria Municipal de Saúde um ofício no qual alegam que o "referido manual tem como data de publicação o ano de 2006. No entanto, foi distribuído nesta semana em algumas unidades de saúde da cidade". No documento, ressaltam que "é sabido que a orientação sexual não é resultado de uma escolha", como afirma o polêmico material.

No final, os grupos pedem revisão imediata do ‘Manual…’ e que as publicações com tal afirmação sejam retiradas de circulação. Assinam o documento o Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Transexuais e Ttravestis (ABGLT), E- Jovem, Fórum Paulista LGBT e Rede de Comunicadores GLS.

A reportagem do site A Capa tentou contato  na tarde de hoje com a Secretaria Municipal de Saúde e com o secretário Januário Montone, mas não obteve sucesso. Até o fechamento desta nota a Secretaria não se manifestou a respeito do caso.

Confira a seguir a carta na integra:

São Paulo, 03 de Fevereiro de 2009

Ofício n. 013/09

Exmo.Sr. Januário Montone
DD. Secretário Municipal de Saúde
Prefeitura Municipal de São Paulo

Considerando que uma das diretrizes da atual gestão municipal é "melhorar as políticas voltadas à promoção e prevenção da saúde do público LGBT", causa espanto e indignação ler no recém distribuído "Manual de Atenção à Saúde do Adolescente", elaborado pela Coordenação de Desenvolvimento de Programas e Políticas de Saúde da SMS/SP, passagens de conteúdo preconceituoso e que de maneira alguma se encontram em concordância com a recente literatura médica, psicológica e pedagógica. O referido manual tem como data de publicação o ano de 2006, no entanto foi distribuído nesta semana em algumas unidades de saúde da cidade.

Nas páginas 112-3, diz o Manual: Um dos jogos sexuais praticados pelos meninos é o vulgarmente conhecido como "troca-troca" que, quando descoberto pelos adultos, costuma gerar dúvidas e preocupações quanto a uma possível identificação homossexual na vida adulta. Segundo Tiba, este tipo de prática está mais relacionada ao treino do papel do que à busca da satisfação sexual; nestas situações, o adolescente visualiza o outro como um espelho. A possibilidade de dano só é real quando existe diferença de idade ou de fase de desenvolvimento entre os participantes ou quando, por pressão do grupo ou por vontade própria, o jovem passa a ser sempre o passivo; a permanência nessa passividade pode tornar o púbere um homossexual.

 É sabido que a orientação sexual não é resultado de uma escolha, muito menos decorrente de uma prática isolada conforme se refere o texto acima na passagem sobre a "permanência na passividade". Outrossim, o trecho acima citado associa "preocupação" a "homossexualidade", o que conduz à interpretação de que a homossexualidade é algo "negativo". Afinal, ninguém se preocupa com a possível heterossexualidade de um/a adolescente.

Cabe lembrar que em 1973 a American Psychiatric Association retirou a homossexualidade da lista dos distúrbios mentais. Em 1990, a Assembléia Geral da Organização Mundial da Saúde aprovou a retirada do código 302.0 (Homossexualidade) da Classificação Internacional de Doenças. Em sua última revisão, em 1995, a CID declarou oficialmente que a homossexualidade não constitui doença alguma. Por isso, o sufixo "ismo" (que remete a "doença") foi substituído por "dade" (que remete a "modo de ser"). Em 1999, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) nomeou uma comissão de especialistas para deliberarem sobre o assunto. Foi formulada a Resolução 001/99, considerando que "a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão", que "há, na sociedade, uma inquietação em torno das práticas sexuais desviantes da norma estabelecida sócio-culturalmente" (qual seja, a heterossexualidade), e, especialmente, que "a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações".

Tendo em vista o referido manual constituir-se em importante peça de comunicação da SMS para os profissionais de saúde que trabalham com adolescentes, o Fórum Paulista de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, a ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, o grupo E-Jovem de Adolescentes Gays, Lésbicas e Aliados e o Grupo de Pais de Homossexuais, vêm pedir que o manual seja revisto e que seja enviado para todos/as profissionais de saúde do município uma nota explicativa a respeito do tema, a ser elaborada pela Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual, da Secretaria Municipal de Participação e Parceria.
 

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