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Peça gay “Mambo Italiano” está em cartaz em SP; Confira bate-papo com ator protagonista

"Mambo Italiano" é um texto teatral escrito em 2000 por Stevie Galluccio, autor e roteirista canadense. A peça conta a história de Ângelo, roteirista de TV, que resolve se assumir como gay em plena família italiana, revelando que tem um relacionamento com Nino, seu amigo de infância. Com tintas autobiográficas, o texto mostra essa situação tão típica, usando doses de humor, mas também com passagens dramáticas.

A peça virou filme em 2003, rodado no Canadá, e traduzido no Brasil com o mesmo título. A montagem brasileira ganhou direção de Clarisse Abujamra, e o elenco conta com atores veteranos e craques em comédia, como Antônio Petrin e Claudia Mello. No papel de Nino, o namorado de Ângelo, o ator Jarbas Homem de Mello.

Interpretando Ângelo, está o ator Luciano Andrey (foto). Aos 31 anos, ele já atuou em super-produções musicais como "My Fair Lady" (2007), "West Side Story" (2008) e "O Rei e Eu" (2009), todas sob a direção de Jorge Takla. E se prepara para atuar em mais uma, "Evita", também de Takla, que estreia em março. Enquanto o musical sobre a diva argentina não chega, ele continua encarnando o jovem Ângelo e seus dilemas familiares.

"É uma comédia deliciosa com um elenco incrível, afinadíssimo", diz Luciano. "Qualquer público vai se divertir, mas também as pessoas vão sair de lá pensando, é um espetáculo que propõe a reflexão e não só o entretenimento", afirma ele, ressaltando que o público gay ainda não descobriu o espetáculo.

Confira a seguir entrevista exclusiva com o ator.

Como foi o seu primeiro contato com o texto de "Mambo Italiano"?
A primeira vez que me falaram do texto, eu tinha um certo receio de que tratasse o tema de uma maneira muito rasa. Mas quando eu li o texto achei muito bacana, porque além de ser uma comédia, principalmente por causa da família italiana, tem também a parte do casal, que é da aceitação, dessa vontade do Ângelo de ser livre. Ele tem essa necessidade de dizer, mais do que para provar alguma coisa, mas de dizer para as pessoas que ele ama, quem ele é. Quem ele é de verdade. Então pra mim é um personagem que tá sendo extremamente rico. É uma comédia que numa primeira olhada, pode parecer uma comediona, de costumes, uma sátira. Por outro lado, a peça termina de uma forma boa. Dá margem para todo mundo pensar o que quer pensar. Mas tá tudo ali contido. Tem um momento em que tudo fica exposto, onde o Ângelo conta como foi sua infância, e é um momento que tenho certeza que todo mundo se identifica, mesmo não sendo gay. Tem alguma coisa ali naquele contexto que vai provocar a identificação. É o momento em que a plateia pára e pensa, ‘peraí, tem alguma outra coisa acontecendo’.

Você já interpretou outros personagens gays. Fale um pouco deles e das diferenças em relação ao Ângelo.
Fiz quatro coisas completamente diferentes. Fiz "A Ópera do Malandro", onde eu fazia a Geni, que era um personagem completamente assumido, escrachado, com uma função de mostrar um lado de minoria, de uma maneira mais… quase um arquétipo. Ela fala de todas as minorias, mulheres, negros, meio que carrega isso. Mas era uma comédia, tinha trejeitos… apesar da minha preocupação ser não fazer só a bichinha afetada, porque a Geni tem um lado homem, de ser uma sobrevivente, que se precisa ela bota o pau na mesa, literalmente.

Depois eu fiz "Amor e Restos Humanos", que era um personagem que se descobre homossexual, apaixonado pelo amigo, ele era um serial killer, tinha essa coisa enrustida. E ele entra numa loucura tão grande de não conseguir entender o sentimento dele, que acaba morrendo por causa disso. Tinha um cuidado de fazer as pessoas pensarem. Até onde a gente consegue ser verdadeiro com nossos sentimentos e ter coragem de bancar as coisas?

Depois fiz o curta-metragem "Fumaça em Formatos Bizarros", em que o personagem, a princípio, não tinha nada, quer dizer, num momento ele tinha uma possibilidade de relação com um menino, mas não ficava claro. Então eu não pensei se ele era gay, se não era, acho que ele estava buscando o amor de uma maneira sem bloqueios, buscando viver e ser feliz.

Agora, no "Mambo", é completamente diferente. E é um personagem que quando a gente tava criando, teve uma vontade de não fazer o estereótipo. Porque isso a gente já tem, já conhece, já sabe como é. Então as pessoas não estão acostumadas a ver dois homens, com características de homens, se beijando. Era muito fácil cair naquela coisa da bichinha, e não quisemos cair nisso. O Ângelo é um cara que tá tentando se entender e tendo coragem pra bancar suas opções. Ele enfrenta a família, enfrenta a sociedade.

Como é a reação do público?
As mais diversas possíveis. Tem gay que vai assistir e que se sente muito agredido no começo da peça, porque é mesmo, é agressivo, tem essa coisa de retratar o preconceito. Mas depois chega a hora em que você escuta os narizinhos fungando, direto… Outro dia tinha duas senhorinhas na plateia, e o pessoal da produção escutou elas comentando. Na primeira cena do beijo, uma delas falou ‘ah não, eles vão se beijar, ah não, eles não podem, não, ahhhhhh…’ ( risos ). E depois uma falou pra outra ‘é estranho ver isso, né?’. Elas saíram meio chocadas, mas ficaram até o final. Tem de tudo.


Luciano Andrey e Jarbas Homem de Mello em cena de "Mambo Italiano"

 
Você falou na cena do beijo gay na peça, que ainda causa polêmica. Você acha que a TV devia exibir beijo gay nas novelas?
Eu acho que a gente tá um pouco atrasado. Se você pega todas essas séries e filmes americanos, tipo "Brothers and Sisters", já é uma realidade, não dá pras pessoas taparem o sol com a peneira e dizer ‘ah é gay, não pode, eu aceito mas longe de mim’. Eu acho que todos deveriam ter o direito de ser o que são. Então eu acho sim que a TV deveria ter essa função, não especificamente falando do beijo gay, mas de romper preconceitos de uma maneira geral. Porque às vezes fica muito fácil, ‘ah, a gente fala do negro….’ O negro tá na moda nesse momento, não é mais um tabu, não é nenhum esforço, tá na moda ter uma negra protagonista, já tá lugar comum. Então a TV tem essa função. Acho que talvez em algum momento isso aconteça. A TV transforma, os caras conseguem vender uma pulseira horrorosa, com um desenho feio, porque tá na TV. Então por que não fazer uma coisa interessante? A TV poderia sim dar uma ajuda nesse sentido, eles fazem tanta coisa que não precisava (risos), enfim, isso é uma opinião particular.

E o teatro, você acha que ele ainda tem o poder de derrubar preconceitos, de transformar?
Eu acho que sim. O teatro se transformou muito, e hoje em dia você tem muita mídia, a gente tem internet, TV, YouTube, Big Brother, tudo misturado, o que é arte e o que não é, quem é artista e quem não é, mas a gente tem o poder de transformar. Não que uma pessoa extremamente preconceituosa e radical vá sair transformada do teatro, isso não. Mas acredito que se plantou uma semente ali.

Serviço:
Mambo Italiano
Teatro Nair Bello – Shopping Frei Caneca
R. Frei Caneca, 569 – Consolação
Sextas 21h30 / Sábados 21h / Domingos 19h
Até 27/03
R$ 60 e R$ 70

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