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Peça que estreia em SP questiona as relações efêmeras entre gays

Rodolfo Lima é um ator corajoso. Não apenas por causa das escolhas que faz em cena, mas também por suas opiniões contundentes a respeito de tudo que cerca o teatro necessário, mais preocupado em questionar do que simplesmente entreter.

Nesta quarta-feira (12/08), Lima sobe ao palco para mais um desafio: o monólogo "Bicha Oca", que estreia no Casarão do Belvedere, em São Paulo. Na peça, pela qual também ficou responsável pela adaptação e produção, o ator vive um homossexual retrógrado e solitário que discute os hábitos atuais dos gays e a importância de manifestações como a Parada.

Livremente inspirado em contos do autor pernambucano Marcelino Freire, "Bicha Oca" funciona como uma espécie de vitrine das relações humanas e desnuda, com propriedade, as várias facetas do universo gay.

O site A Capa não se ateve apenas à nova peça de Rodolfo Lima e, nesta entrevista, procurou descobrir um pouco mais sobre o ator, para quem o teatro, em sua essência, tem o dever de expor nossas "dualidades, idiossincrasias e ambiguidades". Confira a seguir.

O título da peça já faz por si só uma crítica ao universo gay. O que pretende com isso?
O título da peça é um reforço ao pensamento do autor. Sei que é um nome de impacto. Mas quis reforçar a ideia primordial citada num dos textos do autor: "Bicha, devia nascer vazia. É, devia. Oca. É, feito uma porta. Bicha devia nascer sem coração". Numa época onde cada vez mais as relações são volúveis e efêmeras, me parece bem contundente a necessidade de algum ser humano desejar ser vazio, não sofrer.

Esta não é a primeira vez que você encena um monólogo. O que há de mais desafiador em encarar sozinho a plateia?
Já me acostumei. Talvez o difícil será o dia em que eu tiver que dividir a cena com alguém (risos). Não me incomoda o fato de estar sozinho, até gosto. Pois o espetáculo está todo na minha mão, se esqueço o texto ou uma marcação, eu mesmo me resolvo. Gosto muito do diálogo com outros artistas, mas é sempre muito difícil fazer teatro – sem apoio financeiro – com muitas pessoas. Em "Bicha Oca" divido o final da peça com o ator Herbert Didone, ou seja, já estou abrindo concessões (risos).

O que este monólogo difere dos outros?
"Réquiem para um rapaz triste" falava do feminino, "Todas as horas do fim" sobre soropositivos e "Bicha Oca" fala sobre o fracasso das relações amorosas. Todos recaem sobre personagens solitários, que vivem à margem. Seu Alceu – o personagem que interpreto -, é um gay envelhecido, que fracassou nas suas relações amorosas, ou foi enganado, ou perdeu para a morte, ou não quis viver algo. O texto do Marcelino mostra esta inquietude dos homossexuais, essa espécie de falha trágica que é não conseguir se relacionar pra valer e profundamente. Ao todo, Seu Alceu cita 13 homens. Todos com suas peculiaridades preservadas. Porém, no mundo gay sabemos que 13 homens  – para uma vida – é bem pouco.

Na peça, você discute temas atuais, como a Parada Gay. Qual é a sua opinião sobre ela? 
Eu aprovo a Parada, mesmo com os problemas de excesso dos gays. Acho que a militância não cabe para aquele povo todo. São poucos os que lutam em prol de muitos. É assim para qualquer grupo segmentado e que sofra preconceito. É cobrar demais querer que as pessoas militem num dia que é propício à festa, onde a libido aflora, onde há turistas, um sol lindo, onde tudo corrobora para que você se entregue às "comemorações". Então esse papo de militância é utópico. E somos mesmo tudo aquilo que está exposto na avenida. Somos ambíguos, inconsequentes, passíveis de erros, cometemos excessos e queremos ser respeitados, mesmo quando afrontamos o outro – de forma estúpida. E concordo com as autoridades: a avenida Paulista não comporta mais tanta gente. Mas como tudo é politicagem e nem sempre militante… Uma dica? Por que não fazem na avenida Marquês de São Vicente?   

Você teme o rótulo de "peça gay"? Acredita que a temática pode afastar o público?
A peça é uma provocação. É uma peça gay, sou gay e não tenho o menor temor disso. É aquela velha ladainha que afirma que gay discrimina gay. Para reforçar o clima gay, no final da peça, sorteio VIPs para lugares como Clube 269, Gladiators, Wild Thermas, quem for ver a peça pode entrar no bar O Gato toda sexta-feira (com o canhoto da peça). Além de distribuir revistas Junior e Via G. Ou seja… brindes para o público masculino. Quer mais segmentação? Mas tudo é uma forma de instigar. Quem vai ver uma peça intitulada "Bicha Oca"? É a resposta que quero ter.

Como aconteceu essa parceria com o autor Marcelino Freire?
Já conhecia o autor, pois já tinha lido "Angu de Sangue", um de seus primeiros livros. No ano passado fazia parte de um grupo que pesquisava a sexualidade na literatura e sugeri três textos do autor para compor o trabalho final. "Sexo Verbal" estreou em dezembro e eu interpretava um dos textos que está na "Bicha Oca". Chamei o autor para assistir, ele aprovou a minha interpretação, a forma como trabalhei sua literatura e quando expus o meu desejo de trabalhar outros textos seus, ele deu carta branca. Só fiz correr atrás da oportunidade que havia se desnudado na minha frente. 

De que forma os contos de Marcelino Freire foram costurados para dar origem à peça?
São ao todo cinco contos: "Os Atores", "A volta da Carmen Miranda", "Coração", "Para meus amigos coloridos" e o inédito "Seu Alceu", cedido para a montagem. Alguns textos estão na íntegra, outros fragmentados e com a ordem invertida. O personagem da peça rememora seu passado. Então tudo se passa no plano das recordações. Mantive esta ideia que está presente num dos contos e fui costurando de forma a dar continuidade a este pensamento, sem desprezar as formas peculiares como o autor alinhava melancolia e um cotidiano cruel e seco que poucos afirmam possuir. O autor me deu liberdade para retrabalhar seus textos e aprova a adaptação final. Ele é um parceiro na montagem.

Você tem uma pesquisa abrangente sobre Caio Fernando Abreu. De que forma ele te inspira em seu processo artístico? É possível encontrar semelhanças e diferenças entre ele e Marcelino Freire?
Caio Fernando é hoje o autor que me traduz, que leio como se lesse as palavras de um conselheiro. Me identifico e acho que o Caio era gente como a gente, ou melhor como eu. Ele me inspira a usar da arte para expurgar meus demônios. Para que eu possa elevar meus dilemas à décima potência e assim poder vê-los por outro ângulo. O texto do Marcelino me provoca, como artista e como pessoa. Dizer seus textos é desafiador, pois eles não vêm com a carga melodramática das palavras do Caio. Suas palavras me remetem a um universo que não é o meu, mas que poderia ser, ou ainda vai ser. Então ao dizer seu texto, estou de certa forma me preparando para. Ambos em se tratando de questões homossexuais desnudam com muita propriedade um caminho bem arenoso do universo gay. Eles são diferentes sim. Na escrita, nos pensamentos, nas propostas estilísticas, Freire é mais caótico, fragmentado e debochado. Caio era irônico, emocional e "enfrentativo".

Qual é a sua opinião sobre a crescente produção dramatúrgica com a temática homossexual? O que há para se aproveitar desse "fenômeno"?
Acho importante a visibilidade, porém, a qualidade eu questiono. Há muita coisa que serve apenas para entreter. Não há nada de errado nisso, claro. Mas é uma pena que boa parte da plateia preconceituosa consuma justamente este tipo de trabalho. Pois eles têm mais apelo de mídia. Trabalhos mais honestos e com alguma propo

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