A história do "homosexual mais temido da Lapa", tradicional bairro boêmio no centro do Rio, virou espetáculo. Estreou nesta terça-feira (25/08) "Madame Satã", no Teatro Sesi, a poucos quilômetros do local onde o próprio costumava perambular. A peça, montada na Universidade de Nice, em Paris, pela Companhia Teatro Arte Dramática, tem texto e direção de Marcelo de Barros.
A ausência de cenário e os figurinos simples são compensados por jogos de luzes e uma interpretação convincente e emocionante do malandro mais conhecido da primeira metade do século XX. Segundo os organizadores, o espetáculo já foi visto por mais de 50 mil pessoas nas 300 vezes em que foi apresentado. No hall do teatro, o público confere ainda uma singela exposição com alguns objetos pessoais de Madame Satã.
O fio condutor da história são dois amigos imaginários de Satã, que vão narrando a sua vida desde o nascimento até momentos antes de sua morte, em 1976. João Francisco dos Santos nasceu em Pernambuco no ano de 1900. É filho de uma ex-escrava com um humilde pernambucano do interior. Ainda na infância, foi trocado por um jumento pela mãe e chegou a ser escravizado. Mais tarde, em busca de uma vida melhor, mudou-se para a Lapa, no Rio de Janeiro. É neste período que está o foco da história de João que, antes de adotar o famoso codinome Madame Satã (retirado de filme homônimo de Cecil Demille), era mais conhecido como "Caranguejo".
Apesar de considerado marginal e perigoso, vemos o lado humano de João, que, no fundo, era uma pessoa frágil. Seu jeito agressivo e contundente era a única maneira que tinha de lutar contra um preconceito tripo: o fato de ser pobre (além de analfabeto e nordestino), negro e homossexual. Entre uma confusão e outra, geralmente causada por pessoas que insistiam em zombar de sua condição, ele acabava sendo preso. Isto se tornou uma constante em sua vida. "A polícia me adora", diz em tom de deboche um dos diálogos. Em alguns momentos, o público ainda se diverte com a interpretação caricata do personagem, mas nem por isso menos autêntica. Já de início, nosso protagonista aparece dançando "Tico-tico no fubá", de Carmem Miranda.
É um enredo que fala sobre sonho e superação. João queria ser artista e, por isso, decide abandonar a malandragem para fazer shows na esperança de se tornar uma figura conhecida. A fama veio, ironicamente, de outra maneira: na imagem de "vagabundo" que já conhecemos com mais de 5 assassinatos e 3 mil brigas no currículo. O texto é bastante enxuto e em muitos momentos apresenta tiradas filosóficas, como "A justiça é injusta" ou "Ninguém muda nesse mundo, as pessoas são o que são". Apesar dos pesares, Satã é considerado hoje um dos ícones da cultura marginal do século XX. E como diz o espetáculo: "não haverá Lapa depois de mim…". De fato, a boemia carioca nunca mais foi a mesma.
Serviço:
Peça: Madame Satã
Teatro Sesi – Av. Graça Aranha, 1 – Centro
Telefone: 2563-4163
Preço: R$ 20 (inteira)
Terças e quartas, às 19h30. Até 30 de setembro.