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Persone, mais um conto de Maria Carolina Gesuele

Ângela desligou o celular e se jogou no sofá da sala, como se tivesse corrido quilômetros. Estava cansada, física e psicologicamente. Cansada das promessas de Alice, cansada da mesmice do casamento, cansada do trabalho. Queria fugir,viajar sem rumo. Com Alice.

Em sua cabeça, um turbilhão de pensamentos, dúvidas e questionamentos. Em seu coração: paixão, mágoa, remorso…

Mas ainda assim, sentia na pele o arrepio ao lembrar do momento que,na noite em que jantou com Jana e Alice no restaurante, foi surpreendida no banheiro. Alice entrou, trancou a porta e a empurrou contra a parede. Ali, se beijaram com avidez e Alice pressionando seu corpo, cada vez mais forte, percorria suas pernas, com as mãos, sob a saia.

No início, zonza, Ângela se rendeu ao prazer, mas num ímpeto, empurrou Alice:

– Chega, Alice! Isso não está certo! Jana pode vir, não quero mais isso pra mim.

Saiu do banheiro, atordoada, tentando se recompor. Alice veio um pouco depois, com o semblante tranquilo, como se nada tivesse acontecido. “Como Alice consegue?” – pensou Ângela,ainda trêmula.

Deitada no sofá, naquela tarde, seu pensamento viajou: lembrou de Danilo, seu marido. Pensou nos 13 anos de casamento, na casa planejada e mobiliada pelos dois, no sonho de ter um filho…

Danilo e Ângela se conheceram numa balada gay. Ela estava lá com as amigas e ele, fotógrafo, cobrindo o evento daquela noite.

Ele se encantou de imediato com a beleza exótica de Ângela: a pele negra,num tom tão uniforme,sem nuances…olhos grandes e expressivos, lábios carnudos, o nariz afilado e arrebitado. Era linda.

Mas se conteve, afinal, estava numa balada gay e trabalhando. Só que passou a noite tirando muitas fotos dela, em várias situações e ângulos. Ela percebeu, e com seu jeito irreverente e bem humorado, foi falar com ele:

– Ei, moreno bonitão dos olhos verdes! Vai fazer um book só com fotos minhas?

– Se eu pudesse, faria sim! Você é linda. Mas sua namorada não vai gostar disso…

– Não tenho namorada e nem namorado, mas bem que gostaria!

– Nem namorada e nem namorado…mas como poderia ter namorado?

– Da mesma forma que poderia… Ah, olha menino, não precisamos falar sobre isso.Você está trabalhando e eu já tomei mais vinho do que deveria, certo? Teremos um evento na empresa onde trabalho e preciso de um fotógrafo. Você poderia fazer esse trabalho, ou indicar alguém?

Cartas lançadas. Danilo entregou seu cartão à Ângela e a partir daí, depois do evento da empresa, começaram a se falar por telefone e se encontrar. Antes de começarem a namorar, Ângela jogou limpo e disse que gostava de mulheres e homens, mas que naquele momento estava apaixonada por ele. Danilo não se importou, não viu nada de errado e assim, deram sequência ao namoro, que depois virou casamento.

Foram felizes durante os primeiros anos de casamento, mas Ângela começou a sentir um vazio inexplicável. Tentou suprir com trabalho, com a decoração da casa, com as tentativas frustradas de engravidar, com cursos diversos, mas nada aplacava aquilo, aquela angústia.

Resolveu, então, retomar suas antigas amizades. Aquelas dos tempos de balada. No começo, Danilo não gostou muito da idéia, mas depois relaxou e se enturmou com as meninas e meninos. Ângela passava segurança, mostrando que não se envolveria com ninguém. E ele, vendo que sua esposa estava mais feliz, ficou satisfeito.

E começaram a marcar jantares e reuniões, ora na casa deles, ora na casa de outros amigos.Virou uma compulsão, não faziam outra coisa nos finais de semana.

Surgiu então a idéia de fazerem uma viagem. Reuniriam todo o grupo e passariam o feriado prolongado numa cidadezinha do interior de São Paulo, no sítio aconchegante de Alice e Jana.
Jana não gostou da idéia e se invocou. Não gostava de ir ao sítio e já ficou imaginando o trabalho que teria depois, por conta da bagunça que fariam.

– Jan, a gente chama a Cleide, oras…ela faz a faxina antes e depois. – argumentou Alice.

– Ah, não, Li! Poxa, tenho que estudar pra monografia, estou cansada e não curto muito o papo desse pessoal. Falam muita besteira, não conseguem manter uma conversa séria, com conteúdo! Eu não vou. Você que curte esse pessoal, vá e se divirta, eu não me importo. Assim fico em paz aqui em casa e estudo.

– Tem certeza? Estou me acostumando ao fato de você nunca me acompanhar. Quem não nos conhece, pensa que sou solteira, sabia? – Jana não ouviu, já tinha adormecido.

Danilo também não poderia ir, tinha trabalho. Mas não se importou que Ângela fosse, até incentivou, pois não queria ouvi-la reclamar que passou o feriado em casa, sozinha.

Ângela ligou para Alice e se ofereceu para ir com elas, antes, para ajudar nos preparativos e esperar chegar o resto da turma.

– Jana não vai, Ângela.

– Ai! De novo? Então vou com você e te ajudo, porque Danilo também não vai. Aí podemos fofocar e falar mal de nossos amores o caminho todo! – Gargalhou – Levo uns cds para ouvirmos durante a viagem!

– Fechado! Pego você amanhã,as 10:00hs.

Na manhã seguinte, Alice chegou pontualmente as 10:00hs. Ângela, sempre brincalhona e atrapalhada,com pacotes,bolsas e cds nas mãos,ficou fazendo caretas para Alice abrir a porta do carro. Alice abriu e sentiu, junto com a brisa fria da manhã, o perfume inebriante de Ângela, que tomou conta do ambiente.

Animadas, se abraçaram. Um abraço demorado, como se quisessem se confortar por estarem indo sozinhas.

Durante o caminho, Ângela notou detalhes em Alice que nunca havia percebido: Uma pinta sexy, do lado direito, logo acima do lábio superior. Mãos delicadas, com dedos longos, como os de uma pianista. Quando sorria, formavam-se covinhas em seu rosto. E os cabelos longos, tão pretos e lisos, que brilhavam na luz do sol. Sol e frio. Percepções e surpresas.

No carro, os cds costumeiros: Ana Carolina, Zélia Duncan, Céu, Isabella Taviani, tocavam inutilmente, porque as duas não prestavam atenção em uma só música. Estavam animadas com tantos assuntos. Ângela, ansiosa por saber mais e mais sobre Alice,não tirava os olhos dela.

Alice, atordoada com aquele perfume e com a voz rouca de Ângela, se deu conta que algo diferente estava começando a acontecer ali, no carro, naquela estrada. Algo delicioso e perigoso…

Se você perdeu, veja AQUI a primeira parte da história…

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