A ascensão fulminante do fundamentalismo religioso na esfera pública e de sua influência crescente sobre as políticas públicas constituem uma ataque à democracia.
Geralmente julgamos os discursos cristãos obscurantistas apenas como mera obsessão contra direitos LGBT ou das mulheres. Infelizmente, é muito mais do que isso.
Os evangélicos neopentecostais há tempos se consolidaram como força eleitoral e partidária, principalmente a partir de sua presença massiva na televisão, ocupando concessões públicas. Sua pauta reacionária prioriza impor aos governos o ensino religioso obrigatório, o veto às políticas de promoção da cidadania LGBT e também aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Atuam sem timidez, elegendo cada vez mais vereadores, deputados estaduais , federais e senadores.
Os católicos, liderados por Ratzinger, assistem há anos sua igreja guinar à direita incessantemente. Hoje a hegemonia na cúpula da CNBB é de bispos hiper-conservadores. O prestígio está com os galãs padres midiáticos, que mimetizam os métodos dos pastores televisivos.
A campanha eleitoral de 2010 abriu um novo período. A influência cristã fundamentalista ganhou espaço e se instituiu como espécie de “consciência” do Estado, principalmente do governo federal.
O debate sobre o direito das mulheres decidirem sobre seu próprio corpo foi estigmatizado, totalmente interditado. As conquistas crescentes que o movimento LGBT vinha consolidando foram colocadas sob fogo cruzado.
Serra cavalgou, em 2010, a ideologia cristã mais reacionária: usou e abusou do tema do aborto. Dilma ficou refém desses setores e fez compromissos públicos que, hoje vimos claramente, bloqueiam a agenda feminista e LGBT.
Bancada evangélica
E o obscurantismo mostra mais suas garras, porque se sente mais forte. Do projeto de lei João Campos (PSDB-GO), que visa revogar a proibição de terapias que visem “curar gays”, até o ataque ao ministro Gilberto Carvalho, que em atitude patética se viu obrigado a pedir perdão à bancada evangélica – a desenvoltura do fundamentalismo é crescente.
Digna de nota é a posição conservadora da presidenta Dilma. Além de não receber o movimento LGBT e não comparecer à Conferência Nacional que discutiu as políticas para a população, ela vetou propaganda do Ministério da Saúde, que mostrava dois jovens gays se abraçando. Isso para não mencionar o já conhecido veto ao projeto “Escola sem Homofobia”, que continua nas catacumbas.
É fácil apedrejar a presidenta – uma reação natural e compreensível. Mais complexo é refletir sobre o “estado geral da arte” e articular estratégias para garantir a laicidade estatal. Afinal, política é correlação de forças. Um processo objetivo.
2012 é momento de eleger prefeitos/as e vereadores/as. Os religiosos homofóbicos já estão em campo a chantagear candidatos e bloquear a direitos LGBT.
E nós? Vamos assistir a tudo sem nada fazer?
Articular um movimento nacional – amplo, enraizado, plural – em defesa do ESTADO LAICO é o desafio colocado. A discussão é supra-partidária. Modernidade ou idade média?
Não se trata somente dos direitos LGBT. Trata-se da democracia, do pluralismo, dos direitos humanos. Trata-se da possibilidade de construir um país que seja, de fato, de todos e todas.
(Antes que seja tarde).
*Julian Rodrigues é ativista do grupo Corsa, da Aliança Paulista LGBT e da ABGLT