"Você ligou e não me encontrou. Que pena!". A mensagem na secretária eletrônica de Velani (foto), ex-performer, é bastante simbólica. Realmente é uma pena que muitas personalidades que marcaram época na noite paulistana estejam ausentes nos dias atuais.
Em tempos de ecletismo e quantidade, são inúmeros os profissionais da noite, sejam drags, transformistas, transexuais, que se apresentam nos palcos das casas noturnas. Mas houve um tempo, "o tempo dos pioneiros", em que eram poucas as que botavam a cara literalmente a tapa na noite.
Velani, justamente, é uma delas. Estrela da lendária boate gay Corintho, que reinou entre 1986 e 1992, ela foi uma das mais famosas transformistas da época. Sua especialidade era dublar musas da MPB como Gal Costa e Maria Bethânia. Hoje, Velani é especializada em perucas. Faz modelitos capilares para inúmeras drags e travestis e cuida de clientes top como… Joelma, vocalista da banda Calypso.
Já nos anos 90, com a ascensão do movimento clubber, aconteceu o boom das drag queens. A paixão mundial pela categoria foi atestada por filmes como "Priscilla, a Rainha do Deserto" e "Para Wong Foo, Obrigado por Tudo", e no Brasil a febre foi geral.
Juliana Mattos foi uma das que marcaram. Criada pelo maquiador Júlio Mattos Pedroso e inspirada na personagem Júlia Mattos (interpretada por Sônia Braga na novela "Dancin’ Days", de 1978), a drag foi destaque em clubes como o Massivo e o Sra. Krawitz, e depois A Lôca – que estava nascendo.
"Foi uma época muito boa da minha vida", diz Júlio, que hoje vive no Rio Grande do Sul, onde tem um estúdio de cabelo e maquiagem. "No começo ninguém entendia o que era aquilo, porque não éramos nem gay e nem travesti".
Juliana Mattos, porém, não fazia shows. "Era mais uma presença", conta Júlio. "As drags que foram para o lado do show continuaram". Ele optou por curtir o personagem e depois foi deixando a drag de lado. "Mas de vez em quando ela ressuscita!", diverte-se.
Alessandra Hefner, por sua vez, estreou em 1996. Especializou-se em dublar a diva negra norte-americana Patti LaBelle, e fez sucesso em casas gays do final dos anos 90 e começo de 2000. Apresentou-se na extinta Sky e ganhou concursos de dublagem na Nostro Mondo.
Hoje, Alessandra trabalha como cabeleireira e maquiadora – atividades que ela já exercia na época das dublagens – e afirma ter sido sempre seu principal sustento. Decidiu deixar os palcos porque "já estava na hora", e diz ter feito "tudo o que queria" no gênero.
O último show de Hefner foi no bar Queen’s em 2007, mas ela não abandonou o glamour: faz maquiagem para estrelas como a modelo Isabella Fiorentino e grande parte dos performers do mundo gay, incluindo Silvetty Montilla.
Já Márcia Pantera nunca sumiu de fato. Surgida em 1990, consagrou-se ao desfilar para estilistas na época emergentes, como Alexandre Herchcovitch e o designer de sapatos Fernando Pires. Fazendo shows na linha radical, com direito a pulos nas paredes, Márcia deixou sua marca nos anos 90.
Após uma pequena pausa, a musa está de volta. Atualmente, Márcia faz shows na maioria das casas gays de SP, como Bubu Lounge, Danger e Planet G, e durante o dia trabalha no Casarão Brasil, como auxiliar geral.
Hoje os tempos são outros, e tudo mudou – incluindo o estilo dos shows, que tornaram-se mais high tech e talvez mais bem acabados. Mas o charme das estrelas "bandeirantes" da noite continua irresistível.
* Matéria originalmente publicada na edição nº 34 da revista A Capa.