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Por que punir Levy Fidelix? Advogado especializado em direito LGBT responde

O pronunciamento homofóbico de Levy Fidelix no debate presidencial promovido pela Record no último domingo foi assustador. Com naturalidade e a convicção de quem luta por uma causa "de bem", Fidelix conclamou a maioria heterossexual da população a enfrentar LGBT, sob o risco de extinção da população brasileira.

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A mensagem é tão absurda para pessoas com o mínimo de informação e senso crítico que torna difícil acreditar que pessoas levariam a sério a mensagem de Levy Fidelix contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Até amigos me questionarem: "Mas será que precisamos criminalizar a fala de uma pessoa claramente ignorante como o tal Fidelix? Será que medidas educativas não seriam mais adequadas para a situação?".

Como nesta semana pipocaram muitos textos sobre o ocorrido e eu não queria ser apenas mais um texto criticando o sujeito, resolvi escrever um texto na coluna de direitos desta semana para defender porque Levy Fidelix deve, sim, ser punido em razão do discurso de ódio proferido no fatídico debate.

Afinal, por que punir ao invés de educar?

O primeiro argumento é o da ignorância. Levy Fidelix não é um sujeito do mau. Ele é aquele velhinho barbudo que parece o Seu Barriga, do Chaves, e que se limita a falar do Aerotrem. Seguindo essa lógica, se ele soubesse da gravidade do seu discurso, não o teria feito. Ele, portanto, não é um criminoso e mandá-lo para a cadeia seria uma reação desproporcional ao que ele disse.

Parece fazer sentido, não é? Mas não faz. Ignorância, dentro do atual sistema jurídico, não é aceito como desculpa para não cumprir a lei (art. 3 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Quer dizer, da mesma forma que você será punido caso, dirigindo do Rio a São Paulo, desrespeite o rodízio municipal de veículos, independente de saber ou não da medida, Levy Fidelix não pode ser eximido de obedecer a lei, que proíbe toda forma de discriminação (art. 3, CF/1988).

O discurso de Levy Fidelix inferiorizou a população LGBT, tratando-nos como doentes que precisam de tratamento médico para serem curados. E isso configura espécie de violência moral, isto é, que atinge a dignidade e o respeito que lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais gozam em suas relações com a sociedade geral. Com essa espécie de discurso, Levy Fidelix legitimou o desrespeito diário que sofremos, seja em situações banais da injúria verbal na rua, seja em situações de grave violência física dentro de casa.

Como se isso não bastasse, Levy Fidelix convocou a sociedade geral a entrentar a população LGBT. Este talvez tenha sido o mais assustador de sua fala. Afinal, o que ele quis dizer com "temos que enfrentar essa minoria"? Ele pode ter se referido a atos de violência moral, como a negativa do respeito; de violência psicológica, como a chacota e as piadas homofóbicas; e mesmo a atos de violência física, como as agressões que temos visto todos os dias nas últimas semanas. Talvez nunca venhamos a saber o que ele quis dizer. E, pra dizer a verdade, não acho que importe muito. O que ele disse já foi disseminado amplamente em rede nacional da rádio e tevê. E agora cada pessoa está livre para interpretar como quiser o discurso do candidato, que serviu como autorização para legitimar as atrocidades que praticam contra nossa gente todos os dias.

O discurso, apesar de não parecer, configura ameaça para a integridade moral e psíquica de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. É ele que nos faz internalizar a repulsa que muitos de nós sentem por si próprios, que é a homofobia internalizada; é ele que nos faz recriminar a amiga pintosa, que estaria "pedindo pra levar lâmpadada"; é ele que nos faz pensar duas vezes antes de expressarmos livremente nossa sexualidade e nossa identidade de gênero.

E é por inviabilizar o pleno gozo de direitos civis que o discurso de ódio deve ser objeto de repressão estatal. Não me importa se o discurso foi expressado de forma incendiária, como o faz Silas Malafaia, ou se foi por uma voz suave e aveludada, como o faz Ana Paula Valadão. Se ele prega uma mensagem de inferiorização e de silenciamento de um grupo minoritário historicamente vulnerável, existe um risco para a democracia. O discurso de ódio está configurado e é tão pernicioso que, ao naturalizar o heterossexismo, nos faz relativizar até mesmo o perigo que a intolerância representa.

Não punir, portanto, o candidato Levy Fidelix significa ser conivente com o discurso de ódio homotransfóbico, o mesmo discurso que cria um caldo de cultura que legitima as violações de direitos de LGBT. Não apenas seremos omissos frente a discriminação, mas, ainda pior, institucionalizaremos um sistema jurídico que hierarquiza as opressões, reprimindo ofensas racistas, mas permitindo ofensas homotransfóbicas. Paralelamente, ações educativas podem ser adotadas enquanto o candidato reflete sobre sua homofobia em reclusão.

Thales Coimbra é advogado especialista em direito LGBT (OAB/SP 346.804); graduou-se na Faculdade de Direito da USP, onde cursa hoje mestrado na área de filosofia do direito sobre discurso de ódio homofóbico; também fundou e atualmente coordena o Geds – Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade da Faculdade de Direito da USP; e escreve quinzenalmente sobre Direitos nos portais A Capa e Gay Brasil. www.rosancoimbra.com.br/direitolgbt

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