A travesti Stu Rasmussen é uma unanimidade na pequena Silverton, cidade com um pouco menos de 10 mil habitantes situada no estado norte-americano de Oregon.
A respeitada e ilustre cidadã desse vilarejo no interior dos Estados Unidos poderia ser considerada uma pessoa comum, se não fosse por um único detalhe: ela ocupa o cargo público mais cobiçado, o de prefeita do município.
Na semana passada, a história de Stu virou manchete em todo o mundo, quando a Câmara de Vereadores de Silverton puniu a prefeita por usar um vestido "muito curto". Não ficou muito claro para ninguém o quão curto era o vestido, mas Stu parece não ter se incomodado: humilde, pediu desculpas e seguiu a vida normalmente, com toda a maturidade que carrega ao longo de seus 61 anos.
Em entrevista exclusiva ao site A Capa, Stu fala sobre seu dia a dia como prefeita, revelando semelhanças com a realidade das travestis e transexuais no Brasil. Também critica o governo Barack Obama, dizendo que ele "está tomando passos muito largos, sem se preocupar com as consequências." Uma preocupação legítima para quem conhece como poucos os meandros da política em seu país.
Esta é a terceira vez que você é eleita prefeita de Silverton. O que há de melhor e pior em ocupar um cargo tão importante?
Esta é minha terceira vez como prefeita, mas a primeira como transgênero. Em 1984, assumi um posto no Conselho da cidade [que funciona mais ou menos como nossa Câmara de Vereadores], mais tarde, em 1988, fui eleita prefeita, depois reeleita em 1990 e reeleita para o Conselho em 1992. Em 1996 entrei para o quadro da Biblioteca Municipal, e depois de tirar dois anos de férias (e me assumir travesti publicamente) concorri e fui reeleita para uma vaga no Conselho em 2004. As eleições de 2008 não chamaram a atenção aqui em Silverton, mas o restante do mundo ficou surpreso (risos).
Acredito que ser prefeita é, ao mesmo tempo, estimulante, desafiador e frustrante. Nossa cidade é comandada por uma espécie de "diretor", que fica responsável pelas rotinas diárias, ao lado do prefeito e do Conselho, que integram o "Quadro de Diretores", estabelecendo regras e atuando nas questões globais.
A autoridade do prefeito é limitada – você precisa ter o consenso da maioria para tomar qualquer decisão. Diversos outros membros do Conselho têm preguiça de olhar para algumas questões da comunidade, então é bastante difícil instituir qualquer política significante que possa mudar os rumos da cidade. Meu trabalho é persuadir os outros para que atuem, e eu acredito que aos poucos venho tendo algum sucesso.
A melhor coisa é esse sentimento de conquista e progresso quando vejo a cidade ir para frente, a pior é o tempo que as coisas levam para acontecer.
Que tipo de preconceito você teve que enfrentar antes de se tornar prefeita?
A comunidade, de forma em geral, apoiou minha candidatura e defende minha administração. Sempre tem alguns que deixam seus preconceitos aflorarem e não olham para a melhoria da nossa cidade, mas esse grupo é minoria. Estou acostumada em lidar com preconceito – seja ele relacionado à questão de gênero ou outras questões – e me aproximo dele com inteligência e muito bom humor.
Você foi punida pelo Conselho por usar um vestido "muito curto". O que achou dessa punição? Por causa disso, pretende mudar o jeito de se vestir?
Não há muito o que comentar sobre isso. Mas, se uma mulher escolhesse se vestir assim, ninguém discutiria essa questão publicamente. O incidente serviu de lição para mim e para nossa comunidade. O que aprendi com isso tudo é que a cidade respeitou meu estilo pessoal, mas em consideração a todas as pessoas de Silverton, quando estiver representando a comunidade, prometo me vestir de forma mais comportada. Agora, analogamente, comparo esse incidente ao presidente quando ele se dirige à nação. Se ele estivesse usando shorts e uma camiseta, sua mensagem se perderia no meio de toda essa discussão vazia sobre guarda-roupas…
Além de prefeita, a senhora é uma mulher de negócios. Que tipo de estabelecimentos administra?
Não ganho para trabalhar como prefeita, é um trabalho voluntário. Eu tenho um cinema e também um centro de artes numa cidade próxima. Além disso, desenvolvo softwares para diversas empresas. Forneço assistência técnica e know how para desenvolvedores de produtos e inventores. No meu tempo livre tenho um estúdio de fotografia e faço pequenos projetos em casa.
Qual é a situação de transexuais e travestis em sua cidade e nos EUA?
As pessoas trans deste país estão na mesma situação que os negros estavam na década de 50 e os gays nos anos 70. Percorremos alguns passos, mas vai demorar um pouco para que sejamos de fato aceitas. Espero que os outros percebam o que estou fazendo e levem esse sentimento para suas próprias vidas. Se eu posso me assumir numa cidade tão pequena quanto Silverton e ainda ser aceita, então outros também podem. É uma questão de tempo!
Nunca houve um fato desagradável de discriminação envolvendo um morador da sua cidade?
Não, na verdade, há sempre uma pequena parcela de indivíduos que, por uma razão ou por outra, mostram desrespeito a outros. A "razão" pode ser gênero, religião, situação econômica, emprego, orientação sexual, política, enfim, outras causas que não merecem atenção.
A senhora é casada. Como sua vida pessoal influi em sua vida profissional?
Apesar de estarmos juntas há mais de 35 anos, eu e minha amada e talentosa Victoria nunca nos casamos. Ela é minha confidente e conselheira para ideias e projetos que eu possa sugerir. Apesar de acreditar em minha própria força para tomar decisões, é sempre benéfico ter outras pessoas inteligentes e espirituosas ao seu redor para discutir. Além disso, tenho um círculo de amigos e consultores que eu procuro quando preciso.
O que a senhora sabe sobre a situação das transexuais no Brasil?
Infelizmente, não sei nada sobre a condição das transexuais no Brasil, e prefiro não opinar.
Já sonhou em se tornar um dia presidente dos EUA?
Acho que todo menino ou menina já sonhou em ser presidente deste país, mas a situação atual me deixa relutante em assumir tamanha responsabilidade. Fico triste que o clima político atual, do menor ao maior nível, degringolou em falsas disputas entre partidos.
O que está achando do governo de Barack Obama?
Estou muita preocupada com o fato de nosso grande país estar tomando os rumos que está. Percebo que elegemos um governo que ignora o bem-estar da maioria em benefício da minoria. Eu votei em Obama como a melhor opção entre os dois candidatos, mas estou de fato desconfiada com a sua administração, que está tomando passos muito largos, sem se preocupar com as consequências.
A senhora disse que não se submeteria a uma cirurgia de readequação genital. Por quê?
Sou feliz desse jeito. Cheguei ao balanço perfeito entre masculino e feminino, e isso me faz aproveitar ao máximo o meio em que vivo. Como disse – sou uma pessoa feliz – o que mais eu preciso?
Há algo que a senhora gostaria de realizar que ainda não realizou como política?
Tenho uma listinha de coisas que eu gostaria de ver acontecendo aqui em Silverton – alguns itens básicos que ajudariam a comunidade – mas não tenho muitas pretensões como política, além de querer ser uma boa prefeita.