São Paulo recebe no próximo domingo um convidado muito especial. Ken Koolen, presidente da Parada Gay de Vancouver, no Canadá, estará pela terceira vez na cidade para acompanhar a maior manifestação do gênero no mundo.
Com larga experiência no gerenciamento de grandes eventos, Ken falou com exclusividade ao site A Capa. Nesta entrevista, o ativista, que também organiza atividades em prol da luta contra o HIV/Aids, conta um pouco sobre o crescimento e importância da Parada Gay de Vancouver, que no ano passado reuniu cerca de 500 mil pessoas.
Apesar de menor, a manifestação em Vancouver serviu para alertar a população para os direitos humanos no Canadá, onde os homossexuais já têm garantidos direitos como a adoção e o casamento. Ken, no entanto, lembra que essa conquista se deu ao longo de quatro décadas e que ainda não é hora de contar vitória.
À reportagem, o ativista, que participou de um documentário sobre as paradas, opinou também sobre como tem se dado a transformação dos direitos gays e por que a religião pode ser considerada uma das principais inimigas da comunidade LGBT ao redor do globo. Leia a seguir.
Esta é a sua segunda vez no Brasil? O que você pensa sobre o país e a comunidade LGBT?
Esta na verdade será minha terceira vez no Brasil, a segunda para participar da Parada Gay em São Paulo. Estou feliz de voltar a esse país lindíssimo, com uma gente maravilhosa. Conheci muitas pessoas da comunidade LGBT e todos foram muito amigáveis, a maioria delas é muito orgulhosa de sua homossexualidade. No entanto, fiquei surpreso com o número de pessoas que ainda vivem no armário. Encontrei com gente que simplesmente não fala sobre sua sexualidade.
Você preside a Parada Gay de Vancouver. Ela é a maior do Canadá?
Temos crescido bastante nos últimos 5 anos. Em 2004, participaram da Parada 150 mil pessoas e, no ano passado, 500 mil. Considerando que a população de Vancouver é de apenas 2 milhões de habitantes, é um número expressivo. Estamos entre as maiores Paradas do Canadá e, na região nordeste do país, é com certeza o maior evento do gênero.
Como as Paradas são recebidas pelos canadenses e autoridades?
A marcha em Vancouver começou como um protesto a favor dos direitos humanos e para ser um espaço onde a comunidade LGBT poderia se reunir. Isso foi em 1979 e a primeira Parada ocorreu um pouco depois, em 1981. O crescimento foi lento, já que as autoridades não a apoiavam. Tivemos que lutar para conseguir chegar aonde chegamos. Hoje ela é reconhecida como o principal evento do verão em Vancouver e tem o apoio da Prefeitura e de empresas.
E vocês contam com patrocínio dessas empresas?
Sim, temos diversos patrocínios de empresas na área de alimentação, bebida, mídia, lojas de departamentos etc.
Quais são seus planos aqui em São Paulo? Que tipo de parceria pretende fazer com a Parada da cidade?
Fui convidado para apresentar a Parada a partir de uma perspectiva global. Estive envolvido em um documentário que será lançado no final do ano chamado "Beyond Gay – The Politics of Pride" (Além do Gay – A Política da Parada). O projeto explora as várias facetas da Parada em todo o mundo, de São Paulo a Moscou.
Quanto a possíveis parcerias, a Parada de São Paulo é muito diferente das outras na América do Norte. Nossas Paradas variam muito em tamanho, por exemplo. Lá, funcionam como um desfile, com a população vendo as pessoas caminharem pelas ruas.
Pode nos contar um pouco como funciona a cena gay no Canadá?
Somos orgulhosos do país em que vivemos, que é um dos mais progressistas do mundo. Somos protegidos por lei, podemos adotar, servir as Forças Armadas e, principalmente, nos casar. Mas ainda assim enfrentamos desafios. Em cidades menores, a homossexualidade ainda não é completamente aceita. Ainda existem incidentes envolvendo a homofobia, mas, no geral, o Canadá e Vancouver especificamente, são lugares tolerantes e abertos para a nossa comunidade.
Na sua opinião, qual é o futuro dos direitos LGBT no mundo, principalmente em países em desenvolvimento, como o Brasil?
Essa é uma questão complicada. Eu acredito que os direitos LGBT continuarão a se fortalecer. Uma das definições de "direitos" é justamente aquela em que as pessoas têm garantidos seus direitos legais. Mas, infelizmente, a homossexualidade é ilegal em mais de 70 países, sendo que em 7 ela é punida com a pena de morte. Há alguns meses, o Burundi, na África, aprovou uma lei que pune com 3 meses a 2 anos de cadeia e ainda aplica uma multa a quem for pego praticando "atos homossexuais". Em outras partes do mundo, há outras questões envolvidas, como emprego e moradia. E há ainda questões como a adoção e o casamento.
Outro problema são as religiões, que influenciam diretamente os governos e a sociedade. Vejamos por exemplo o caso do papa Bento XVI. Ele já declarou que "salvar" a humanidade do comportamento homossexual ou transexual é tão importante quanto salvar as florestas tropicais. Comentários como esse de líderes globais apenas reforçam o preconceito e o ódio contra a população LGBT.
E, finalmente, a mudança não irá ocorrer se não reivindicarmos. A comunidade LGBT deve se juntar e lutar por seus direitos. As Paradas são apenas uma das maneiras de mostrar unidade e brigar por direitos iguais.
Agora, voltando à Parada de Vancouver, como está sendo pensada a programação para este ano?
O evento este ano acontece em 2 de agosto. Este é o primeiro ano de um tema que estamos desenvolvendo há três, "Educar, Liberalizar, Celebrar". Como entramos em nossa quarta década, a pergunta que cabe agora é: aonde queremos chegar? Quando a Parada começou em Vancouver nos anos 70, servia para alertar. Era mais um movimento para educar as pessoas e para mostrar que fazíamos parte daquilo tudo. Conforme os anos foram passando, as Paradas serviram para mostrar os assuntos que afetavam a comunidade LGBT. Por isso, o "liberalizar" do tema. Mais tarde, após algumas batalhas ganhas, passamos a celebrar as conquistas e o evento se tornou um lugar onde as pessoas podem se expressar sem medo de serem reprimidas.
Em 2009, vamos educar. No Canadá, a homossexualidade foi retirada do Código Penal há 40 anos. Isso para nós foi nosso Stonewall. Em nosso país, a luta por direitos começou a tomar forma dois anos antes, em 1967, quando um homem chamado Everett Klippert admitiu à polícia que era homossexual. Ele não foi pego em flagrante, mas foi detido e condenado à prisão perpétua. Devido às mudanças na lei, Everett foi solto em 1971. Esse foi o início de nossa jornada à igualdade.
A necessidade de continuar ensinando a comunidade sobre nossa história é um dos principais objetivos da Parada.
Em junho, o movimento gay celebra os 40 anos do levante de Stonewall. De que forma ele contribuiu para que os governos lidassem com os direitos LGBTs?
Acredito que o levante ocorrido naquele 27 de junho de 1969, em Nova York, mudou a forma como governo e sociedade civil passaram a olhar para os direitos gays. O fato de que não podíamos ser mais considerados invisíveis significou que precisaríamos ser aceitos. Visibilidade é a chave para iniciar a mudança e quando os LGBTs se unem e protestam, dizendo que não serão mais ignorados, os governos passam a ouvi-los.