Lucilene Moraes, 55 anos, casada, contadora, ex-funcionária pública, há cinco anos preside o REPAIR – Reunião de Pais e Amigos e Irmãos de LGBTs com sede em Niterói, RJ. O REPAIR é fruto da reparação que a própria Lucilene passou, desde que descobriu que seu filho é homossexual (na foto ao lado, ela aparece com seu filho ainda bebê).
Protestante, a descoberta a princípio tirou-a do eixo; trouxe perplexidade e assombramento. Contudo, Lucilene não parou aí. Lutou por amor ao seu filho e pela saúde e união de sua família, para compreender o que estava acontecendo. Buscou informação, estudou o que estava disponível sobre sexualidade – inclusive a Bíblia, profundamente. E o resultado disso tudo foi a cura da homofobia e de todo ópio que a igreja evangélica nela incutiu. Liberta, reparou-se; reparou sua família; curou seus olhos e hoje ajuda outros pais e irmãos de LGBTs a passarem pelo mesmo processo, através do REPAIR.
Essa mulher cheia de garra, coragem, fé em Deus e amor aos seres humanos me concedeu a entrevista que segue abaixo. Que o seu exemplo inspire outros pais de homossexuais na busca pela verdade que nos liberta e que nos cura, tornando-nos seres humanos melhores. Mulheres como ela nos fazem acreditar num mundo melhor, onde a homofobia, fruto de uma religião cristã pervertida, seja superada verdadeiramente! Boa leitura!
Como foi a sua reação ao saber que era mãe de um filho homossexual?
Fiquei completamente confusa e atordoada. No meu entendimento um lar cristão jamais poderia gerar um homossexual! Um "abominável"! Eu quis morrer. Porém, ficou claro para mim que meu filho sofria terrivelmente mais do que eu com sua própria descoberta. Então não era opção! Ele não se aceitava! Mais do que nunca desejei conversar com meu filho, saber dos seus conflitos, perguntar, perguntar… Por fim, decidi enfrentar, de mãos dadas com ele, esse caminho novo e repleto de obstáculos que se abria diante de nós.
E os demais membros da família (nuclear e correlata)?
No meu núcleo familiar a revelação a todos se deu dez anos mais tarde. E a aceitação foi plena e repleta de emoção por parte do meu marido e do meu filho mais velho.
Daniel sempre foi muito amável. Um referencial de bom caráter, de inteligência e de vida com Deus. Orgulho de toda a família. Assim, nem o seu pai, nem seu irmão perderam a admiração por ele. Suas qualidades não foram mudadas.
Quanto aos demais familiares, uma parte desses – não por acaso a parte cristã, logo a que deveria mostrar mais misericórdia e proximidade – agiu com frieza, distância e, alguns desses, com uma certa repulsa. Contudo, hoje, há respeito de todos os familiares e amigos e isso se dá, pois nos impomos como família unida e exigimos dos outros o mesmo respeito que nós damos ao nosso filho.
Enfrentou problemas na igreja que congregava? Como os resolveu?
Com certeza! As igrejas cristãs conservadoras são intolerantes, pois têm uma determinada visão sobre a homossexualidade e não admitem discuti-la. Mistura-se, assim, dogma, tabu e ignorância. Há um profundo anti-intelectualismo em suas doutrinas.
Por defender meu filho, fui perseguida mesmo sendo heterossexual. Eles calam toda e qualquer voz discordante. Se você não adere ao sistema, eles te julgam como não convertido e você é posto arbitrariamente para fora. Esse é o caso dos homossexuais e de quem os defende. Nos desligamos da igreja neopentecostal que pertencíamos, não sem que ela tentasse expor publicamente em assembleia a identidade sexual de meu filho, mas impedi, ameaçando processá-la judicialmente caso cometessem tal abuso.
Eu tenho certeza que o fundamentalismo religioso "cristão" é a raiz da homofobia e a razão de tantos sofrerem discriminações sociais e até mesmo a morte por assassinato ou suicídio. Qual a sua opinião sobre o fundamentalismo religioso?
O fundamentalismo religioso tem sido o centro de reprodução e de perpetuação da homofobia e mesmo de diversas outras formas de intolerância. Ele teoriza o irracional, oferece estrutura doutrinária ao absurdo, ele dá um porto seguro aos indivíduos de coração inflexível e egoísta. Lamentavelmente, são setores da Igreja que estão levando a sociedade à divisão, ao desamor e até mesmo à morte. Pesquisas nos Estudos nos Estados Unidos mostram que homossexuais cristãos, especialmente os jovens, têm altíssimo risco de tirarem suas próprias vidas. Sei de perto que essa realidade não é diferente no Brasil. Meu filho planejou seu suicídio por abominar sua sexualidade. Ora, o que esses religiosos estão fazendo com nossos filhos?
Como foi o processo de aceitar que tinha um filho homossexual?
Lento e doloroso. Porém, repleto de novidades, da ciência e de Deus! Imergi num fluxo de emocionantes e inesgotáveis informações sobre a sexualidade humana. E descortinou-se diante de mim o verdadeiro Deus!
Desintoxicar-se do ópio que as igrejas evangélicas fundamentalistas oferecem aos seus integrantes, não é coisa fácil. Como você se recuperou disso?
A cura se deu por meio do amor, mas também do intelecto. Ou seja, aprendi a questionar, a ter fé, sim, mas sem abrir mão da razão, do bom senso. Quebrei o que meu filho, que é sociólogo, chama de "paradigma da cegueira", ou seja, quando somos incapazes de enxergar o que está à nossa frente. Apenas vi o óbvio: a homofobia, mesmo maquiada de doutrina, é racionalmente insustentável, e profundamente inconsistente. Também é impossível de ser justificada teologicamente. É insano demais pensar que Deus irá excluir pessoas por razões morfológicas ou anatômicas. Pois é desse despautério que se trata a homofobia teológica.
O REPAIR é fruto desse novo nascimento? Como foi que nasceu o REPAIR e qual é o objetivo deste trabalho?
Sem dúvida antes de fundar o REPAIR, precisei primeiro ser eu reparada para, então, poder levar reparação (repair, em inglês, significa reparar, restaurar, renovar). Somos uma organização social laica que reúne amigos e famílias de pessoas LGBTs para a fomentação da restauração de laços fraternos abalados pela homofobia, e também para a reparação no imaginário social dos conceitos negativos e excludentes relacionados a essas minorias.
Quantas famílias são hoje assistidas pelo REPAIR e como acontece essa assistência?
É difícil numerar, são muitas dezenas. Mas grande parte dos acolhidos pelo REPAIR é flutuante. Mesmo virtualmente, pela internet, há os que buscam ajuda de forma velada, e após serem acolhidos e fortalecidos, se afastam. A coassistência se dá de modo intuitivo, porém pragmático. Não sigo um único método específico. A forma como acolho os que me procuram varia de acordo com a necessidade que se apresenta.
Você concorda comigo que o discurso fundamentalista religioso de defesa das famílias é falacioso? Eles dizem defender as famílias, mas as destroem promovendo separação, dor, angústia, separação de pais e filhos. No seu trabalho no REPAIR isso fica muito claro?
Absolutamente. Temos dito que família é onde há amor, respeito, dignidade, e não onde há heterossexuais. Todos os dados comprovam que a maior parte dos assassinatos e da violência física e sexual contra as crianças se dá dentro da família. Não são os homossexuais que destroem a família. É o desrespeito, o abuso, a intolerância e o desamor que o fazem. Esses pais que advogam o banimento da homossexualidade são pais egoístas que querem decidir a vida afetiva e amorosa dos seus filhos. Querem impor de que maneira seus filhos poderão ser felizes. O REPAIR busca reparar esse equívoco.
Desde o início do trabalho do REPAIR, muitas famílias foram restauradas?
Certamente. E são esses