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“Programa Nacional de Aids do Brasil é referência mundial”, diz diretor da Unaids

O maliano Michel Sidibé, de 56 anos, está desde janeiro à frente da diretoria da Unaids, o programa das Nações Unidas para o combate à Aids, criado em 1995. Sua entrada no órgão ocorreu em 2001 quando era então diretor de suporte regional. Mas seu histórico na luta mundial contra o HIV começou muito antes, na Unicef, onde trabalhou durante 14 anos, gerenciando um programa de imunização para mais de 30 milhões de pessoas no Congo.

Ao anunciá-lo para o cargo recentemente, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, enfatizou sua alta qualificação e também suas origens africanas. Apesar de recente, o programa tem desempenhado um papel fundamental na luta contra a Aids, principalmente nos países como Botswana e Moçambique, até então condenados a se tornarem cemitérios de soropositivos.

Sidibé esteve recentemente no Brasil, visitando a sede do Grupo Arco-Íris, para conhecer as iniciativas brasileiras no combate ao HIV. Nesta entrevista especial concedida por e-mail, ele fala sobre as declarações do papa contra a camisinha, o programa nacional de HIV e a dificuldade que homossexuais enfrentam na luta diária contra o vírus. Sobre a falta de uma lei que equipare gays e héteros, ele afirma: "esta é uma das áreas-chave de atuação no meu mandato".

As declarações do papa contrárias ao uso da camisinha dificultam o combate ao HIV?
Com mais de 7400 infecções todos os dias, o mundo não pode parar a epidemia de Aids sem parar as novas infecções pelo HIV. Os preservativos são uma parte essencial na prevenção, que combina elementos como: acesso à informação sobre o HIV, acesso ao tratamento, medidas de redução dos danos físicos, esperar mais para se tornar sexualmente ativo, ter fé, reduzir a quantidade de parceiros e relações simultâneas, circuncisão, assegurar os direitos humanos e a redução de estigma. Os países precisam usar todas as estratégias e métodos conhecidos pelas evidências e estabelecidas nos direitos humanos.

Qual a sua opinião sobre o Programa Nacional para Aids? Você tem acompanhado as conquistas?
O Programa Nacional de Aids do Brasil tem sido referência mundial por muitas razões. No tratamento e nos cuidados, foi o primeiro entre os países em desenvolvimento a estabelecer uma política nacional para o acesso ao tratamento com o antiretroviral. E também a participação da sociedade civil na formulação e implementação de políticas tem sido uma peça permanente no programa nacional.  O comprometimento do Brasil com a Aids, o qual observei novamente durante minha recente visita, claramente demonstrou os anos de trabalho, a mobilização política e a implementação de medidas apropriadas para direcionar a epidemia no país.

Como você encara a quebra de patente do Efavirenz pelo governo brasileiro?
Isto é, mais uma vez, resultado de uma decisão política clara para promover acesso livre para o cuidado e tratamento sustentáveis e acessíveis. Esta decisão é resultado de um processo político e técnico no qual a sociedade civil tem desempenhado um papel muito importante. A licença obrigatória questionada pelo governo brasileiro está alinhada com as leis internacionais e com os TRIPS Agreement (acordos relacionados a direitos de propriedade intelectual).

Menos de 1% do orçamento mundial é destinado à prevenção entre homens gays. Qual a sua opinião sobre isso?
Homens que fazem sexo com homens permanecem seriamente na carência a respeito dos serviços de prevenção ao HIV. Por exemplo, muitos sabem que os preservativos podem prevenir a transmissão do HIV, mas não têm acesso a eles. Os países devem prover recursos adequados para apoiar a prevenção ao HIV, o tratamento e o cuidado, e o programa de apoio aos homens que têm sexo com homens. No Brasil, eu soube das atividades do grupo Arco-Íris em promover uma grande prevenção e conscientização nos homens gays, em particular os jovens entre 16 e 22 anos. O programa "Entre Garotos" costura mensagens de prevenção para que eles possam se identificar e obter informações nos lugares onde frequentam, como bares e até redes sociais online. Este é o modelo a ser seguido.

Você acha que há interesse da indústria farmacêutica em não descobrir a cura?
Não. Investimentos substanciais estão sendo feitos na pesquisa de vacinas, manifestados pelo engajamento contínuo dos setores público e privado em trabalhar juntos para achar a vacina.

O número de infectados em todo o planeta tem diminuído, embora a epidemia esteja longe do fim. Quais avanços o programa de prevenção global tem atingido?
Desde 2001, há um progresso substancial na prestação de serviços de HIV a milhões de pessoas, especialmente nos países com baixa e média rendas. Embora o número de novos infectados tenha caído em diversos países, de 3 milhões em 2005 para 2,7 milhões em 2007, a epidemia de Aids não acabou. A cada duas pessoas novas que iniciam o tratamento, outras cinco são infectadas pelo HIV. Os países devem escolher uma combinação eficaz que aproxime a prevenção ao HIV ao entendimento de como as infecções mais recentes foram transmitidas e por que ocorreram. Essa aproximação não só ajuda na prevenção das próximas mil infecções, como também fará com que o dinheiro destinado à Aids seja usado de maneira mais eficiente e ajude no avanço de uma resposta sustentável e de longo prazo ao HIV.

A falta de uma lei que coloque no mesmo patamar homossexuais e héteros dificulta a luta contra o HIV?
Definitivamente, nós temos que parar as leis que bloqueiam as respostas à Aids. Esta é uma das áreas-chave de atuação no meu mandato. A experiência nos tem mostrado que respostas efetivas ao HIV são aquelas baseadas no respeito dos direitos humanos e no acesso fácil aos serviços de HIV. A Unaids apoia os esforços para alterar leis que proíbam atos sexuais consentidos entre adultos em privacidade, reforçar a legislação anti-discriminatória, provendo serviços legais de ajuda e campanhas que direcionem a homofobia. Estas proteções, junto com acesso universal à prevenção do HIV, tratamento e cuidado e apoio aos homens que fazem sexo com homens, percorrerão um longo caminho até virar a maré contra a epidemia em muitas partes do mundo.

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