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Qual a fronteira?

Michael Moore, em seu programa de TV no canal Sony, “The Awful Truth”, disse que “a igualdade dos direitos para homossexuais é a última fronteira dos direitos civis nos Estados Unidos”. A referência à frase do cineasta é do ativista Julian Rodrigues do Instituto Edson Néris-SP, em artigo publicado em 2006.

Hoje, passados quase dois anos do comentário, sabemos que a questão dos direitos da população GLBT é ainda uma fronteira, não apenas para o movimento de direitos civis nos Estados Unidos, mas para o Brasil e sua construção como país soberano, democrático e socialmente justo. Essa meta deve ser a norteadora das ações do movimento GLBT no próximo período. E acreditamos que atingir esse objetivo passa necessariamente pela superação de outras fronteiras, que são as velhas noções, práticas, critérios e verdades que hoje, mofados, servem mais como entulho a atrapalhar nosso percurso.

A realização da I Conferência Nacional de Políticas para GLBT vem nesse sentido. O Estado Brasileiro, através da convocação da mesma, reconhece de fato e de direito a discriminação a que vem sendo submetida uma parcela considerável da população, e chama a responsabilidade de debater juntamente com o movimento social (com destaque para a ABLGT) diretrizes para uma política nacional que venha enfrentar essa situação.

Felizmente, visões despolitizadas e equivocadas sobre o papel da Conferência foram superadas. O bom senso prevaleceu, e a totalidade das entidades e organizações GLBT se debruçaram sobre essa tarefa, realizaram pré-conferências municipais e/ou regionais, participaram das conferências estaduais, discutiram o texto base e elegeram seus delegados. Em alguns casos a realização das etapas estaduais não foi causa de transtornos para o movimento (caso de Rio de Janeiro, Bahia etc), em outros, o enfrentamento foi condição sine qua non para que a conferência saísse (caso de São Paulo). A I CNGLBT é um marco na história do movimento GLBT brasileiro, e o alça a um novo patamar. O desafio da nossa organização nacional, a ABGLT, está agora em compreender, juntamente com suas organizações de base, qual a nova realidade e a dinâmica que a acompanha.

Outra fronteira que ainda limita nossa atuação é o apego à “sopa de letrinhas” e fragmentações correlatas. Precisamos corresponder às tarefas e desafios colocados. Se o desafio é superar a homofobia e conseguimos entender que a homofobia é fruto do machismo e da opressão de gênero fundantes da nossa sociedade, não temos porque continuar insistindo em conceitos fragmentários e de afirmação de identidades. A Conferência ao regulamentar o mínimo de 50% de gênero feminino na delegação nacional aproxima o movimento GLBT do movimento feminista e de outros movimentos sociais, porque entende assim que os instrumentos de exclusão são mais profundos que os abordados pelas “letrinhas”, sejam as atuais ou as novas que surgem aqui e acolá.

A Conferência também contribui com a desbiologização do debate, ao compreender que transexuais e travestis femininos são mulheres, e que o feminino não é uma construção natural, mas social, como já dizia Simone de Beauvoir. Assim, avançamos ao entender que masculinidades e feminilidades não se resumem a sexo biológico, e que como construções sociais podem ser reconfiguradas de diversas formas, e que é justamente essa reconfiguração, essa negação dos modelos dominantes tão necessária para a existência do machismo e da heteronormatividade.

Ao reivindicar as tais “especificidades”, certos setores ignoram que mesmo essas estão submetidas dentro de mecanismos mais complexos, que em essência não fazem distinção entre a travesti, a lésbica e o gay. O nível da discriminação sofrida corresponde à intensidade com que a pessoa desafia o modelo binário e biologizante de gênero, que vem acompanhado, obviamente, da heteronormatividade. É por isso que gays são chamados de “bichas” e “mariquinhas”, e travestis de “joão” e “aberração”. A desqualificação do feminino é gritante. Ao fazer esse balanço de gênero o movimento avança. Vale ressaltar que esse critério também foi utilizado pelo Fórum Paulista GLBT na eleição de sua executiva.

Se a igualdade de direitos para a população GLBT é uma última fronteira na luta pelos direitos civis, a superação de conceitos atrasados como o “segmentismo” é uma das primeiras a ser ultrapassadas pelo movimento brasileiro, para dar conta dos novos desafios colocados. Para construirmos esse “outro Brasil possível”, sem opressão de classe, raça, gênero ou orientação sexual precisamos de projetos globais e não de discursos fragmentários.

*Alessandro Melchior, do grupo GADA, é da Comissão Executiva do Fórum Paulista GLBT e delegado da I Conferência Nacional de Políticas para GLBT

*Brunna Valin, presidente da Associação Rio-pretense de Travestis, Transexuais e Simpatizantes é delegada da I Conferência Nacional de Políticas para GLBT

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