A Cidade do México aprovou uma lei que garante igualdades de direitos dos seus cidadãos homossexuais aos heterossexuais, inclusive o direito à adoção. A Igreja Católica do México, através de seus representantes, se manifestou contrária à lei, alegando que homossexuais querem adotar crianças para abusar sexualmente delas, usando-as também para pornografia infantil e prostituição. Seria cômico, se não fosse trágico!
Eu recomendaria aos representantes da Igreja Católica do México, que lavassem a boca ou a calasse ao falar de homossexuais dessa maneira! Recomendaria, também, a leitura do livro "Fallen Order", de Karen Liebreich, doutora em História pela Universidade de Cambridge. O estudo é uma longa pesquisa historiográfica sobre os abusos pedófilos cometidos pelo clero europeu. Remontando ao século XI, Karen nos revela, entre outras coisas, que no ano de 1050, Pedro Damian, hoje santo, escrevera um relatório ao Papa Leão IX sobre os abusos sexuais infantis, acusando os superiores hierárquicos dos padres abusadores de crianças de conivência e parceria na culpa. Resultado: o Papa Leão IX abafou o relatório de São Pedro Damian.
"Abafar o caso" quando se trata deles, para depois, dedos em riste, acusarem homossexuais de perpetradores de pedofilia é, desde o século XI, o que fazem alguns prelados romanos.
Karen também nos relata outro caso: no século XVII, o abuso sexual infantil era cotidianamente praticado por sacerdotes da "Ordem Religiosa das Escolas Pias", também conhecida como "Padres Escolápios", dedicada à educação de crianças de pais pobres. José de Calazans, o fundador da Ordem e hoje santo, sabia dos abusos sexuais contra as crianças e tentou "abafar o caso". O Papa Inocêncio X nomeou Stefano Cherubini, inveterado pedófilo, para dirigir uma escola da Ordem em Nápoles. Quando soube que estava ameaçado de demissão por conta dos abusos, o pedófilo padre Cherubini ameaçou destruir a Ordem contando tudo o que sabia, ou seja, ele não era o único. O santo fundador dos Padres Escolápios, José Calazans, escreveu a um amigo: "acoberte esta grande vergonha a fim de que não chegue ao conhecimento dos nossos superiores".
João Paulo II, em seu longo pontificado, enfrentou sua maior crise no caso dos escândalos dos abusos sexuais dos padres pedófilos americanos e europeus, tentando "abafar o caso" até onde conseguiu. Não demorou muito para que a imprensa do mundo inteiro relatasse o que acontecia dentro das paredes de algumas, na verdade, muitas, paróquias católicas.
O escândalo tomou proporções agudas em fevereiro de 2004, quando o Colégio de Justiça Criminal da Universidade John Jay, de Nova Iorque, publicou um relatório dando conta ao mundo de que 4% do clero americano, na segunda metade do século 20, tinham sido acusados de abuso sexual com menores. Isso equivale a 4 mil e quatrocentos padres que abusaram de cerca de 11 mil menores de idade nos Estados Unidos, metade deles sob o pontificado de João Paulo II.
Dois anos antes dessa bomba cair na Cidade do Vaticano, o mundo soube o que acontecia na Arquidiocese de Boston: os padres John Geoghan, Shanley e Birmingham estavam sendo expostos na mídia como pedófilos. O primeiro foi condenado pela Justiça do Estado de Boston por ter abusado de mais de 130 menores. Nessa época, o então Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, encontrava-se semanalmente com João Paulo II. Nesses encontros, ele assegurava ao então Papa que menos de 1% do clero católico nos Estados Unidos eram "alvos" de denúncias, o que o relatório da Universidade John Jay mostrou ser uma mentira.
Era responsável pela Arquidiocese de Boston nesta época, o Cardeal Bernard Law, um "abafador de caso" de primeira! Law ao invés de agir corretamente no caso dos padres pedófilos, entregando-os à polícia, denunciando-os, simplesmente transferia-os de paróquias e eles ficavam assim, livres, para cometerem mais abusos contra menores. Em 2002, pressionado pela imprensa à renúncia, Law balançou… Mas João Paulo II não permitiu que ele renunciasse. Isso só veio acontecer quando a situação era insustentável, no ano de 2003. Mas em 2004, João Paulo II o presenteou como arcipreste da Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, um alto posto na Igreja. Além disso, e até o dia de hoje, o Cardeal Law, cúmplice de muitos abusos sexuais contra menores, é membro de sete congregações e dois conselhos da Cúria Romana.
O Boston Globe, em artigo contundente na época, perguntou: "Tinha o Vaticano que escolher a mesma semana para dar posse numa Basílica romana ao principal arquiteto do desastre que as atingira (as paróquias da Arquidiocese, 357 delas fechadas pelo novo Arcebispo de Boston)? Deixemos de lado a fundamental depravação de recompensar com uma sinecura de luxo na Cidade Eterna um conivente no estupro em série de crianças. Que sinal mais claro poderia a Igreja Católica Romana enviar aos seus fiéis de que ela administra a justiça em dois níveis, um para os leigos e um outro para os clérigos?"
Basta uma rápida pesquisa no Google para saber: cerca de dois bilhões de dólares é o montante pago pela Igreja Católica Romana às vítimas infantis de abusos sexuais. Somente em 2007, a Arquidiocese de Los Angeles pagou a 508 vítimas o equivalente a 1,2 bilhão de reais (660 milhões de dólares). A Diocese de Detroit foi à falência e no último mês de dezembro, o mundo soube que durante 40 longos anos, a Igreja acobertou abusos sexuais infantis cometidos por padres na católica Irlanda. O fato ficou conhecido através de um relatório de mais de 700 páginas, cobrindo somente a Arquidiocese de Dublin, resultado de uma ampla pesquisa comandada pela juíza, Dra. Yvonne Murphy. No dia de Natal, 25 de dezembro de 2009, dois bispos irlandeses, Eamonn Walsh e Raymond Field, renunciaram devido ao escândalo.
Joaquin Navarro-Valls, numerário da Opus Dei, que durante mais de vinte anos foi o porta-voz do Vaticano na "Era João Paulo II", foi o primeiro com posto na Igreja Católica a relacionar homossexualidade e pedofilia, publicamente. Ele sempre foi taxativo em dizer à imprensa que "padres gays" são os responsáveis por tais abusos. Ora, sabemos que isso não é verdade! Sabemos, porque as pesquisas sérias sobre este nefasto tema nos informam que a maioria dos abusadores sexuais de menores são heterossexuais, 75% deles do sexo masculino, que mantém uma relação próxima e simbólica de poder sobre a vítima (pais, avôs, padrastos, tios, irmãos mais velhos, padres, pastores evangélicos…).
Estou certo que existem na Igreja Católica padres decentes, sinceros e fiéis aos ministérios ordenados, verdadeiros trabalhadores e construtores de uma sociedade mais igualitária e justa, inclusive, para homossexuais! Tenho alguns amigos padres católicos e alguns deles são homossexuais. São pessoas amorosas, sérias e que vivem em verdade o celibato imposto pelas leis da Igreja. Sei que eles também sofrem quando escutam declarações como as da semana passada, vindas do México. No entanto, contra fatos não existem argumentos e eles estão ai, claros e limpos como água mineral, para todos ficarem sabendo, de uma vez por todas, quem são os pedófilos de fato!
Aos representantes da Igreja do México e a todos os que acusam homossexuais sinceros e decentes, cujo desejo nobre é o de constituir uma família, digo em alto e bom som: calem a boc