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Quem são os sodomitas hoje?

Certamente você já leu ou ouviu a palavra sodomita. Tal palavra é um dos inúmeros adjetivos que os homossexuais são chamados, principalmente pelos religiosos.

 Desde que iniciei esta coluna no "A Capa", recebo muitos, muitos e-mails de todos os lugares do Brasil e até de LGBTs brasileiros que residem no exterior. Um deles chegou há alguns dias e o rapaz que o assinava pedia minha ajuda: ele precisava entender o que se passava naquele momento com ele, pois tinha sido excluído de sua igreja por ser "sodomita". No e-mail, ele me pede explicações em relação à teologia inclusiva: "não creio que Deus me ame, pois sou um sodomita e você, reverendo, diz que Deus me ama e que podemos ser gays e cristãos! Me prove isso, pois quero tirar minha vida, não consigo viver sem Deus, sem a igreja, mas também não consigo deixar de ser um sodomita". Por razões que não preciso explicar, omito o nome do moço que, desesperado, me escreveu. Esta é a minha resposta para ele.

A palavra sodomita entrou para o vocabulário eclesiástico como sinônimo de homossexualidade no século XIII, na Idade Média. De adjetivo pátrio – sodomita era o indivíduo nascido na cidade de Sodoma (e Gomorra, na verdade uma região composta por cinco cidades, uma "pentápolis") – sodomita passou, então, a caracterizar os homens (sim, a palavra não é, ainda hoje, empregada às mulheres homossexuais) que mantinham relações sexuais com homens.

A "ideia" de chamar homens homossexuais de "sodomitas" foi retirada de um texto bíblico muito conhecido e até hoje usado pelos fundamentalistas religiosos como "prova" que a homossexualidade é uma abominação para Deus, pois, segundo eles, Sodoma e Gomorra foram destruídas com fogo e enxofre por conta do pecado da homossexualidade. Isso é verdadeiro?

O texto bíblico que nos relata a história de Sodoma e Gomorra encontra-se no primeiro livro da Bíblia, chamado Gênesis, pois suas primeiras palavras relatam, em chave teológica, a origem de todas as coisas. No capítulo 19 deste livro, que você pode ler aqui, tomamos conhecimento que Lot, sobrinho de Abraão que residia em Sodoma, recebeu a vista de "dois anjos disfarçados" de humanos. Tais anjos vinham de uma vista ao seu tio, que os recebeu de maneira hospitaleira.

Diz o texto que os anjos chegaram tarde a Sodoma. Lot encontrou-se com eles à porta da cidade e os convidou para passar a noite em sua casa. Os anjos recusaram o convite e disseram que passariam a noite na praça da cidade. Lot insistiu com eles, pois era perigoso dois forasteiros passarem a noite em local público numa cidade desconhecida. Eles acabaram aceitando o convite e se abrigaram na casa de Lot.

Somos informados, então, que depois de se lavarem e comerem, a casa de Lot foi rodeada pelos habitantes da cidade de Sodoma, "desde o mais moço até o mais velho", o povo inteiro sem exceção. Disseram a Lot: "Onde estão os homens que vieram à tua casa esta noite? Faze-os sair para nós, para que os conheçamos". Lot rogou que deixassem seus hóspedes em paz, que não lhes fizessem mal algum e ofereceu-lhes as filhas, "que não conheceram homem, posso fazê-las sair para vós; façais com elas o que vos parecer bom. Mas não façais nada a estes homens, que vieram à sombra do meu teto".

Os homens de Sodoma enfrentaram Lot e já iam arrombando a porta quando os anjos "os cegaram" e, trazendo Lot para dentro de casa, fecharam a porta. Rogaram os anjos a Lot que saísse com sua família dali, pois a ordem que eles tinham da parte de Deus era para destruir a cidade e seus habitantes, "pois é grande diante do Senhor o clamor que ela provoca". E assim aconteceu. Sodoma e Gomorra foram destruídas pelo fogo e enxofre que "desciam do céu".

                

Uma das "regras de ouro" que aplicamos quando estudamos textos bíblicos diz que "texto fora de contexto é pretexto" e é verdade! O texto de Gênesis 19 é usado ainda hoje como pretexto pela ala fundamentalista do cristianismo para condenarem homossexuais, excluí-los, chamando-os sodomitas. Uma análise profunda do texto e do contexto nos prova que o pecado de Sodoma não era a homossexualidade e que chamar homossexuais de sodomita é erro crasso e desonestidade intelectual.

Em primeiro lugar, o contexto nos informa que antes mesmo de Lot habitar Sodoma, os habitantes desta cidade eram conhecidos por serem criminosos, portanto, pecadores diante de Deus (Gn 13.13). Portanto, Deus não destruiu a cidade por aquele episódio somente. Sodoma era "pecadora e criminosa" antes mesmo de ser visitada pelos anjos disfarçados de humanos. Em segundo lugar, vale observar um pormenor: o verbo empregado pelo autor (ou autores) do relato e traduzido para o português como "conhecer" ("yadhta", no original), aparece 943 vezes nas Escrituras Hebraicas ("Antigo" Testamento), mas somente dez vezes tem a conotação sexual.

Sabemos não apenas pelos relatos bíblicos e extra-bíblicos que guerras entre cidades eram comuns na Antiguidade. Espiões eram enviados para sondarem a terra, as fortificações, enfim, a defesa das cidades. Forasteiros eram vistos com muita desconfiança pelos habitantes locais e se suas atitudes fossem suspeitas, tais espiões eram "dominados" pelos da terra e era comum o estupro como forma de humilhação e subjugo. Lembremos que Lot habitava recentemente em Sodoma quando ocorreu este episódio e que tais homens eram desconhecidos dos habitantes. O fato de dois forasteiros se abrigarem sob o teto de outra família forasteira, gerou suspeição.

Em terceiro lugar, prestemos atenção à atitude de Lot, que ofereceu suas filhas para que os habitantes as estuprassem ao invés de fazerem "mal" aos seus hóspedes! A Bíblia Tradução Ecumênica (TEB) traz a seguinte nota de rodapé em relação ao texto: "O autor enfatiza a conduta dos habitantes de Sodoma para com os hóspedes, contrária à hospitalidade de Abraão". A Bíblia Anotada "New Oxford" afirma: "… a questão principal aqui é a hospitalidade aos visitantes divinos. Nesta passagem a sacralidade da hospitalidade é ameaçada pelos homens da cidade que queriam violentar (conhecer, yadhta) os hóspedes". Naquela época, a "Lei da Hospitalidade" era sagrada, pois muitos eram os nômades, os viajantes, os comerciantes etc. Num contexto onde usavam espiãos para relatórios sobre o terreno, a fim de saque, era preciso proteger os que sem nenhuma má intenção passavam pelas cidades.

Contudo, pode ser que pelo uso milenar do texto pelos líderes religiosos como exemplo cabal da condenação divina aos homossexuais e à prática homossexual, você ainda não está certo de que o pecado de Sodoma não tem nada a ver com homossexualidade. Será mesmo que o verdadeiro pecado foi o desrespeito à Lei da Hospitalidade? Jesus tinha certeza que sim! Em dois textos dos Evangelhos (Mateus 10.15 e Lucas 10.12) Jesus usa Sodoma e Gomorra como exemplos de cidades pecaminosas, ou seja, não hospitaleiras quando Ele enviou seus discípulos para a missão, dando ordem de sacudirem o pó das cidades que não os recebessem.

Mas está no livro do profeta Ezequiel a prova cabal de que o pecado de Sodoma e Gomorra não foi o sexo entre homens (aliás, em todo o relato, não encontramos intercurso sexual, mas somente a intenção de estupro, conforme vimos). Diz Ezequiel contra Jerusalém, tomando como exemplo a cidade de Sodoma: "Eis que esta foi a iniquidade

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