Menu

Conteúdo, informação e notícias LGBTQIA+

in

“Queria remédio para me transformar em hétero”, diz ex-evangélico gay

O processo de se descobrir homossexual não é fácil.

+"Homens gays são mais másculos que os héteros", afirma ator Ian McKellen

Samuel de Paula Gomes, 28, encontrou ainda mais barreiras por ser negro, evangélico e da periferia. O ativista das causas LGBTIs (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais) e designer gráfico, de Americanópolis, bairro da zona sul de São Paulo, passou a infância e a adolescência com medo e achando que Deus o castigaria por sua orientação sexual.
 
Após lançar o livro “Guardei no Armário” (editora Pragmatha), Gomes fala sobre como foi se assumir homossexual e os projetos para que a juventude gay e negra se sinta representada na sociedade:
 
"Quando comecei a questionar minha sexualidade, ainda tocava violino na igreja evangélica. Depois que me formei na faculdade com a ajuda do Prouni [Programa Universidade para Todos], fui contratado em uma empresa e passei a ter convênio médico. Marquei um psiquiatra e disse que queria um remédio para me transformar em hétero.
 
Tinha uma menina da minha igreja que gostava de mim, mas eu não conseguia sentir o mesmo por ela. O médico disse que a homossexualidade não era uma doença e me encaminhou para uma psicóloga.
 
Como o plano só cobria dez sessões, comecei a escrever um blog, chamado 'Vida Dupla', para conseguir desabafar e registrar o processo de aceitação e aprendizado. Comecei a conversar com outras pessoas on-line, fiz alguns amigos e conheci o projeto Purpurina, que ajuda jovens gays a se aceitarem. Lá fui inserido na cultura LGBT e vi vários exemplos positivos de casais homoafetivos felizes, que adotaram crianças.
 
Com seis anos já tinha noção que me apaixonava por amiguinhos, era algo inocente. Só que frequentava uma igreja evangélica desde que nasci, portanto, sempre ouvi que aquilo era errado, um pecado. Achava que Deus ia me castigar. Quanto mais tempo ficava dentro desse núcleo religioso, menos eu pensava. Só deixava os outros felizes e não a mim. Até os 23 anos, não tinha beijado ninguém.
 
O processo de aceitação da minha sexualidade veio junto da saída da Igreja e foi doloroso e solitário. A igreja evangélica na periferia tem uma função mais social do que de fé. Você frequenta aquele espaço para se sentir incluído em algum grupo, respeitado. Eu tinha construído uma família que achava que era minha, mesmo o pessoal da Igreja não sabendo das minhas particularidades.
 
Fui um jovem sem autoestima. A maioria dos líderes religiosos da igreja eram brancos e eu não conseguia me enxergar, não sabia nada sobre questões africanas. Eu me olhava no espelho e não me achava bonito. Não tinha referencial nem na igreja nem na mídia. Tinha medo dos meus pais saberem, de ser expulso de casa, perder minhas amizades.
 
Minha adolescência foi cercada por medos. Queria que Deus me matasse ou acordar hétero, pois não dava para viver naquela situação. Via as pessoas casando e eu condenado a ficar sozinho. Comecei a me afastar e me envolvi com uma pessoa que conheci na internet. Nesse momento, o maior peso saiu das minhas costas, foi o primeiro passo para ficar mais aberto para as coisas.
 
Não tem como escolher entre ser ou não gay, mas há a opção de estar ou não no armário. Sair é algo totalmente individual, não é uma obrigação. Só me assumi quando estava estruturado financeiramente, pois, se algo acontecesse, sabia que conseguiria me sustentar sozinho. Muita gente conta e os pais ficam sem falar, humilhando os filhos e isso vai matando por dentro.
 
Muitos LGBTs estão sendo mortos fisica e psicologicamente todos os dias. Quando o filho sai do armário, são os pais que entram. Eles precisam passar por um processo de aprendizado, mas isso não é desculpa para humilharem, baterem e expulsarem o filho de casa. Isso é homofobia.
 
De toda essa experiência nasceu o livro. Tudo de forma independente. Juntei a grana que tinha separado para uma viagem de intercâmbio e fiz a publicação. Ele pode ser comprado no site Guardei no Armário.
 
Enquanto estava escrevendo, encontrei uma pesquisa que mostra que 56% dos romances nacionais sequer têm um personagem não branco e isso me deu mais força para contar minha história de amor próprio e enfrentamento de preconceito.
 
Percebi que minha trajetória não era única e quis dar voz para quem sai do armário contar a própria história. Foi aí que surgiu a ideia de criar o canal no Youtube, hoje com quase 5.000 inscritos. Lá converso com as minorias dentro das minorias –gordinhas, bissexuais, homens trans, drags– sobre como foi o processo de aceitação.
O mais legal de toda essa jornada é que recebo um retorno muito legal tanto de quem leu o livro quanto de quem acompanha o canal. Tem quem me escreva contando o quanto o livro ou o canal ajuda a não se sentir mais sozinho. As pessoas se sentem aliviadas de ver que passei por isso e venci."
Sair da versão mobile