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“Questões LGBT são colocadas como moeda de troca”, diz candidato gay Marco Trajano

Marco Trajano é conhecido em sua cidade, Juiz de Fora (MG), pela sua atuação no Movimento Gay de Minas (MGM). Este ano ele concorre a uma vaga de vereador pelo PCdoB (Partido Comunista do Brasil). Além de sua atuação através do MGM, ele também já trabalhou no Programa DST-AIDS, foi e é um dos idealizadores/organizador do Rainbow Fest, evento, que hoje faz parte do calendário de Juiz de Fora.

Na sua militância Marco já possui algumas vitórias importantes em prol da comunidade LGBT mineira. Uma delas foi a "Lei Rosa", que penaliza a discriminação por orientação sexual no município. Caso eleito, Trajano quer dar um salto em sua atuação política e se fazer presente entre os vereadores. Sobre a questão de ter um candidato de fato gay e não apenas um apoio ele diz que, "não possuímos uma bancada gay equivalente, ou seja, possuímos apenas voz enquanto eles [fundamentalistas] possuem voz e voto".
Confira a entrevista. 

Gostaria que você se apresentasse e falasse um pouco da sua trajetória política.
Sou funcionário público municipal, concursado, e sempre estive ligado a áreas da Prefeitura que tratam, de uma forma ou de outra, de políticas sociais: na saúde mental, depois no programa de DST-AIDS, depois na promoção de políticas sociais e finalmente, na coordenação do Programa de AIDS.

Qual a importância do Rainbow Fest para a cidadania LGBT?
Em 1998 realizamos o primeiro Rainbow Fest, na tentativa de incluir a defesa dos direitos humanos – saúde, inclusive – na pauta de um dos mais tradicionais eventos voltados para a comunidade LGBT do país que é o Miss Brasil Gay, que já acontecia há vários anos em Juiz de Fora. A partir do Rainbow Fest, fundamos o Movimento Gay de Minas, articulamos a Lei Rosa que penaliza a discriminação por orientação sexual em nosso município e as conquistas não pararam mais. Conseguimos nos posicionar na liderança dos movimentos sociais em nossa cidade e passamos a  influenciar efetivamente na construção das políticas públicas municipais, seja diretamente, seja nas representações que conquistamos nos Conselhos.

Você é do Partido Comunista do Brasil. Como você entende os partidos conservadores abordando, nos dias de hoje, questões como a homossexualidade, que sempre foram ligadas aos partidos ditos de vanguardas?
Muitas vezes percebemos coligações que, se analisadas pelo viés ideológico, seriam impossíveis de acontecer. Precisamos de uma reforma política urgente. Eliminar partidos de aluguel, impedir essa enxurrada de coligações que muitas vezes são espúrias. Tanto os Partidos Conservadores, quanto os Partidos de Esquerda sempre foram homofóbicos. A diferença hoje é que a comunidade LGBT pode significar uma quantidade significativa de votos. Somos uma comunidade percebida, vista e, sobretudo após as Paradas Gays pelo Brasil afora. Diante da possibilidade de angariar votos nesse filão todos os partidos começam a abordar a questão seja de forma favorável ou desfavorável. A diferença fundamental que percebo é que a bancada dos desfavoráveis – as questões LGBT – possuem mandatos e nós, LGBT, possuímos apenas voz enquanto eles possuem voz e voto.

Como um candidato gay pode fazer diferença na Câmara?
Essa possibilidade de voto em plenário em todas as questões tratadas faz a diferença no avanço ou não de nossos direitos. Apesar dos Partidos de vanguarda serem favoráveis a nossa causa, sem uma representação política efetiva, esse apoio não sai do papel. O PT, por exemplo, apesar da I Conferencia Nacional LGBT, apesar do documento tirado, apesar de reconhecer nossa comunidade não transforma o Programa Brasil Sem Homofobia numa Política de Estado. Esse Programa hoje é uma Política de Governo. Nada garante sua continuidade no próximo mandato federal. Isso se deve basicamente ao fato de não possuirmos uma bancada gay militante, uma bancada gay que venha do movimento social.

Mas o governo Federal não apóia a questão LGBT?
Para governar, o Presidente Lula necessita de uma base de apoio no Congresso Nacional. Ora, essa base de apoio conta com a bancada evangélica. Então o que fazer? Apoiar os gays e perder os votos da bancada no legislativo? Não. Então temos que fazer uma analise mais profunda do jogo político, da estrutura política, dos mecanismos que levam grupos ou segmentos ao empoderamento. Portanto essa abordagem trata-se muito mais de um jogo de cena que propriamente de uma vontade política de sanar a questão dos direitos gays no Brasil.

Há setores da militância LGBT que não acreditam muito na política do PCdoB no que diz respeito às questões da comunidade homossexual por se tratar de um partido, com forte viés stalinista. O que tem a dizer a respeito?
Penso que esses setores devem se informar melhor sobre a trajetória recente do PCdoB. O partido teve em seus estatutos durante muito tempo referência a Stalin, mas essas referências faziam sentido em um determinado contexto em que o mundo vivia a guerra fria e o movimento comunista a divisão entre marxistas-leninistas e revisionistas. Desde o oitavo congresso, em 1992, o PCdoB retirou dos seus estatutos as referências a Stalin. Esse congresso inclusive reformulou o seu programa socialista. Nesse, existem referências diretas à construção de uma sociedade sem preconceitos. Fruto dessa renovação, o partido começou a investir no movimento LGBT e – o mais interessante – tem aberto espaço para que os próprios homossexuais elaborem a política do partido sobre essa questão, realizando encontros com os militantes comunistas que atuam no movimento. Demonstrando que nos respeita e que deseja que tenhamos protagonismo dentro do partido, o PCdoB tem aberto espaço e investido em candidaturas LGBT, como a minha, por exemplo.

De que maneira a sua experiência com o MGM será um ponto positivo a um eventual mandato?
Sem duvida que administrar uma ONG que tem sido referência na luta por direitos em todo o país traz uma bagagem política que me credencia a buscar esse lugar na Câmara Municipal de Juiz de Fora. O MGM, nesses 10 anos de existência, acabou se tornando uma experiência de mobilização e de educação política que poucos puderam desfrutar. Assumimos a tarefa de dotar a nossa comunidade de uma consciência política que no começo não conseguíamos detectar. Percebemos que, se não conseguíssemos incutir no nosso grupo uma noção de identidade coletiva e revertermos a solidão que caracteriza o processo de construção da personalidade do homossexual, não iríamos a parte alguma. São 10 anos a frente dessa luta, construindo uma imagem positiva da homossexualidade, fazendo com que se orgulhem de sua própria (homo)sexualidade. Trabalhamos pelo desenvolvimento do pensamento critico da comunidade LGBT de nossa cidade. Esse modelo deve ser levado para a Câmara. Minha proposta é dar continuidade ao processo de construção coletiva que sempre pautou as ações do MGM e que funcionam tão bem.

De que maneira o seu mandato irá atuar no combate a homofobia?
Na verdade defendendo as bandeiras que fizeram com que chegássemos até aqui. A partir de uma eleição, ganhamos uma nova dimensão na luta contra o preconceito. Entramos como homossexuais numa arena de disputa, num território onde sempre estivemos como os que pedem favores e onde os machistas predominam. Vamos precisar buscar aliados nos partidos de vanguarda e, principalmente, na força dos movimentos sociais como elementos de pressão junto ao legislativo. Mas estou seguro de que poderemos defender leis e direcionar a administração pública para uma gestão menos desequilibrada no que tange a influencia dos evangélicos, por exemplo. Porque agora teremos voz e voto no Plenário da Câmara de Juiz de Fora. Isso fará a grande diferença.

Quais projetos você pensa em aplicar assim que eleito?
Pretendo, em primeiro lugar, movimentar o debate, a discussão sobre os direitos dos homossexuais junto aos outros vereadores e Prefeitura de Juiz de Fora. Pretendo que Projetos já existentes que, pouco ou nada implementados sejam, efetivamente, abraçados pela Prefeitura como o Programa Afetivo Sexual que aborda a questão da homossexualidade; Programa Prevenção nas Escolas e vários outros. Alem disso queremos que a Prefeitura reconheça a União Estável Homossexual na cidade através de um Registro, na PJF, dos casais homossexuais, a exemplo do que acontece em cidades americanas como São Francisco. Vamos criar a Frente Parlamentar da Saúde para garantir uma sustentabilidade Política ao SUS/JF garantindo que as pactuações, que os recursos dos diversos Programas sejam efetivamente utilizados no cumprimento das metas previstas. Notadamente os Programas de Aids. Estaremos imediatamente colocando em votação o Projeto de inclusão da Parada Gay no calendário oficial de eventos de Juiz de Fora que hoje está engavetado pela bancada evangélica da Câmara.

Como você vê as questões LGBT no cenário político atual?
Vejo como troca de moeda. As questões LGBT são sempre colocadas como moeda de troca e invocadas como jogo de cena no cenário político atual. Isso, repito, deve-se ao fato de que temos voz, mas não temos voto no Legislativo. Para que as questões LGBT sejam, de fato, consideradas sérias, necessitamos antes da formação de uma representação política, respaldada pelo Movimento Homossexual Brasileiro.

Em sua opinião, qual é a maior necessidade da comunidade LGBT hoje?
Acho que a questão da violência contra gays deve ser encarada como prioridade. Estamos morrendo em função da homofobia, estamos sendo mortos sem que essa violência seja considerada homofobia. Infelizmente por se tratar de Direito Penal, como vereador, não podemos criar uma legislação que criminalize a homofobia. Mas podemos, como Vereador do PCdoB, partido da base aliada da futura Prefeita Margarida Salomão do PT, fazermos um trabalho de advocacy considerando a importância política de Juiz de Fora nas eleições de 2010 para que o PL 122 avance no Congresso Nacional. Além disso estaremos articulando com a bancada comunista, junto com outros camaradas, um posicionamento a favor do PL 122. Outra prioridade será local. Priorizar o turismo LGBT em nossa cidade, fomentar a geração de emprego e renda para toda a população de Juiz de Fora, o reconhecimento, por parte da Prefeitura das uniões estáveis homoafetivas.

Além de projetos voltados aos LGBT, você pretende atuar em outras áreas?
Pretendo atuar nas áreas de saúde, educação, cultura e juventude principalmente. Mas não esquecendo do turismo, do planejamento da cidade, do transito e da segurança publica. Em qualquer área de atuação, no entanto, a questão homossexual estará sempre presente.

Qual a sua opinião a respeito da I Conferência Nacional GLBT?
A primeira experiência a gente nunca esquece. A Conferencia tirou propostas importantíssimas sem que as discussões fossem profundas o suficiente. Marinheiros de primeira viagem, o movimento LGBT organizado não esteve a vontade na dinâmica das conferências, o que não acontecia com os representantes governamentais. Apesar de tudo, foi construído um documento  com nossas necessidades e as pactuações possíveis ali. Até agora nada do que foi produzido saiu do papel. Espero que saia e, como parte do legislativo, espero poder colaborar.

Se ganhar, já tem um discurso para o dia da posse?
Ainda não. Mas, não deixarei de reconhecer o grande passo que a cidade estará dando. A história de Juiz de Fora poderá mudar a partir da eleição do primeiro ativista gay. Cada dia mais os evangélicos se colocam no pólo oposto aos homossexuais e insistem em negar os nossos direitos. Pela primeira vez, nossa voz poderá ser ouvida sem que fiquemos devendo favores a ninguém e nosso voto terá peso. A única promessa direta que farei na minha posse será talvez no meu discurso: prometo honrar o voto daqueles que acreditaram em mim.

Pra finalizar, deixe uma mensagem para o seu eleitor.
Aqueles que acreditaram em mim sabem o tanto que temos nos colocado na linha de frente na defesa da nossa comunidade. Não só a comunidade LGBT da cidade passou a ter um referencial de defesa de seus direitos no nosso trabalho, mas também outros setores que sempre encontraram apoio no MGM sentem-se representados pelas propostas que apresentamos. Caso consiga ser eleito, damos um passo adiante no trabalho de advocacy que vimos executando há tantos anos e que tem conseguido tão bons resultados.

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