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Rainha(s) – Duas atrizes em busca de um coração

Georgette Fadel e Cibele Forjaz estão entre as mais promissoras artistas da atualidade. Múltiplas, inquietas, impulsivas e criativas, parceiras ideais para a atriz Isabel Teixeira. Mary Stuart, de F. Schiller, foi o alvo de Isabel para que junto das amigas artistas pudesse reverenciar, questionar e trazer à tona questões do universo feminino.

Num ato antropofágico, elas deglutiram a obra de Schiller e trazem para a arena duas mulheres inquietas, intensas e conectadas com seu tempo. Que no caso do universo feminino é o tempo do coração. Elizabeth (Georgette Fadel) e Maria (Isabel Teixeira) buscam o tempo todo justificativa que as absorva do mal, que como uma sombra nefasta se aproxima de suas cabeças. Ambas acuadas, encurraladas e encarceradas pelo mundo machista dos homens e sua imperativas leis.

Georgette, Isabel e Cibele subverteram o clássico alemão e tentaram – em vão – salvar a história das primas que disputaram a mesma coroa, num reino distante há muito tempo atrás. Mas como havia uma coroa para duas cabeças, uma havia de rolar.

E por mais que as artistas/mulheres quisessem reescrever a história de suas rainhas – cada uma com seu trono e seus objetos preferidos na borda da arena – acabaram por condená-las à lei dos homens. Por que não só as mulheres-público podem ter direito ao voto? Por que condená-las à mão pesada dos homens presente na arena, a observar a degladiação de subjetividades tão contundentes?

Talvez o “direito” não se conte pelo número de votos – reforça Elizabeth em dado momento -, e talvez seja essa a opção estética e textual que torne redundante o discurso das Rainhas. Talvez Mary Stuart não pedisse para morrer. Ela lutou até o fim contra si mesmo e contra seus fantasmas. Assim como Elizabeth, que apesar do tormento de se ver subjugada a leis estadistas, talvez não oferecesse sua cabeça virgem ao facão alheio. “Deus não pôs no coração das mulheres severidade”, mas Isabel, Georgette e Cibele se tornam cruéis na cena final. Por que elas não ousaram até o fim e não subverteram o final? Se o público pudesse escolher, elas morreriam?

Se o mundo é regido pela energia feminina, “Rainha(s) – duas atrizes em busca de um coração” é uma ode ao universo feminino e ao trabalho de atriz. Um convite à reflexão ao combustível que move as mulheres, não importando sua origem e localidade, tanto para semear o seu redor quanto para explodir a si mesma e os que a rodeiam.

Numa montagem arrebatadora e contundente, Cibele se utiliza de recursos já utilizados em “Arena Conta Danton”; Georgette, de toda sua verborragia e racionalidade, é uma atriz em círculos “vomitando” – o termo aqui não é pejorativo – angústias, aflições, sonhos, desejos, como uma Joana condenada à loucura, uma burocrata, uma artista inquieta, uma rainha de si mesmo, uma simples mulher que trocaria seu reino por um arco-íris, por uma prainha qualquer, que não lhe imponha caminhos na estrada, que não a uniformize.

Isabel está no auge, é o seu melhor desempenho nos palcos. Não a toa foi merecedora do Prêmio Shell de Melhor Atriz de 2008. Sua Maria é intensa, visceral e emotiva. Seus dois solos no meio da arena em momentos importantes da encenação são arrebatadores, poéticos e metafóricos. Seja o anel que surge de um coração sangrando, ou dos cabelos que ela arranca nos momentos de loucura. A atriz tornou honesto o discurso de Maria e a sinceridade com que a retratou em cena tornou mais emotivo seu retrato. “Eu errei, o poder me perturbou, mas errei à vista de todos”, diz Maria em dado momento, enclausurada, louca para que a prima desaperte o seu coração e a deixe sobreviver novamente.

Como a paz dos inimigos se faz com guerra, a dramaturgia de Schiller colocou duas rainhas num encontro que nunca ocorreu. O discurso não é maniqueísta, embora cobre do público – que se vê complacente com ambas – uma postura, uma opinião que as jogue no reino do certo e do errado, dos vivos e dos mortos, dos que merecem salvação, dos que não.

A referência a “Esperando Godot” de Samuel Beckett é uma trágica e bela referência do universo cênico, a mais contundente metáfora para o homem do século 20. Para onde vamos? O que fazemos agora? E se a gente se matasse? Essa licença poética em toda a concepção de “Rainha(s)” é que torna a encenação interessante e revela ainda mais o talento da equipe. Será que Elizabeth/Georgette trocaria seu reino por um arco-íris? Não importa! O que importa é vermos artistas conectadas com seu tempo e sua verdade indo contra o mar de mediocridade que assola os palcos, retratando sem falseamentos os anseios do público.

Numa época onde as feministas não se faziam notar, Elizabeth e Maria amargaram suas questões e tomaram para si a aparência alheia para (sobre)viverem. “Rainha(s)” joga luz no poço escuro do universo delas e redime a personagem Elizabeth da culpa que possivelmente carregou. Alguma coisa na vida delas deu errado, como na minha, na sua.

A Mostra Oficial do Festival de Teatro de Curitiba deu sua largada com o melhor embate da temporada paulistana. O público presente no Teatro Paiol não viu a iluminação de Cibele Forjaz e nem a direção de arte de Simone Mina, na íntegra. A produção teve que fazer adaptações para o espaço, inferior ao da temporada paulista. Mesmo assim, “Rainha(s)” é imperdível. O melhor embate do festival.

O espetáculo participa da Viagem Teatral 2009, confira aqui todas as informações.

* Rodolfo Lima é ator e jornalista.

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