Meu nome é Justo Favaretto Neto. Sou autor do processo em que culminou na aplicação da primeira multa contra homofobia, utilizando-se a lei Paulista 10.948. Na ocasião, o agressor me chamou de “VIADO”. Lutei muito para me defender da ofensa. Não posso conceber que se refira a mim pelo termo pejorativo que foi usado, mas poderia ser “BICHONA, BOIOLA, BAITOLA, BAMBI” ou qualquer outro que seria igualmente pejorativo, pois sempre são utilizados com a intenção de denegrir, excluir e humilhar o cidadão homossexual, mesmo quando proferidos de maneira “inocente”. Nunca são utilizados com o intuito de valorizar ou respeitar de forma igualitária.
Após a situação homofóbica que passei, comecei a me engajar na militância, pesquisando, investigando e tentando me interagir com pessoas e organizações com a intenção de me defender das agressões e procurar ajudar outros homossexuais a fazerem o mesmo, pensando que encontraria em TODO homossexual um guerreiro (mesmo que em potencial) disposto a lutar pela sua auto-estima e psicológica.
Tenho me decepcionado muitas vezes…
Infelizmente neste meu caminhar estou encontrando muitos homossexuais que acham normal, correto e justo serem tratados de forma discriminatória e jocosa. Estes homossexuais se manifestam contra a tentativa de determinadas organizações e de alguns membros (como eu) de se fazerem respeitar ao procurar a justiça.
Há algum tempo, o senador Tasso Jereissati chamou outro parlamentar pelo termo “Boneca”. A ABGLT pediu uma retratação do senador, pois o termo é uma forma de utilizar uma denotação homossexual para denegrir. O senador foi bastante íntegro e se retratou.
Há alguns meses, o Sr. Rodrigo Hilbert, ao se vestir com uma roupa típica na “dança dos famosos”, disse: “Estou parecendo uma bichona”. Ora! O que é uma “BICHONA” senão uma forma de extrema deselegância para se referir a quem? Ao homossexual, naturalmente. A ABGLT, igualmente no caso do senador, pediu uma retratação do Sr. Rodrigo que, apesar das justificativas, atendeu o pedido e se retratou, porém, desta vez, alguns homossexuais acharam que houve exagero da parte da ABGLT. Ora! Porque desta vez se manifestaram contra? Porque o rapaz tem um rostinho bonito?
Penso que não podemos aceitar este tipo de tratamento nem do Sr. Rodrigo e nem da Globo e nem de pessoas do nosso dia a dia, tanto assim penso que entrei com um processo contra alguém que me chamou de viado e a justiça entendeu que eu tenho razão em me sentir ofendido e penalizou o agressor ao aplicar-lhe uma multa de $15.000,00.
Como podemos pleitear que a justiça e a sociedade reconheça nossos direitos ( de casamento, adoção , doação de sangue, de uma legislação específica de proteção e etc) se nós mesmos somos contra o nosso direito básico , o de ser respeitado?
Poder-se-ia aceitar que a mãe de alguém fosse chamada de bichona? É obvio que não, então pergunto: porque a mãe de alguém deve ser respeitada e o homossexual não? Poder-se ia aceitar que o Sr. Rodrigo dissesse: “estou parecendo uma NEGRONA”? É obvio que não, então pergunto: porque uma negra deve ser respeitada e um homossexual não? Eu acredito que o Sr.Hilbert não teve a intenção de ofender, porém ofendeu e deve obviamente pedir desculpas por isso. Da mesma forma que uma pessoa quando mata sem a intenção de matar também deve responder por isto, de forma mais branda, certamente. Por conta disto, penso que o sr.Hilbert não deve ser processado já que sua atitude foi "culposa" e não "dolosa". Assim sendo, uma retratação me parece estar na justa medida, diferentemente da pessoa que me agrediu de forma "dolosa" e pagou a multa e esta sendo processado na esfera criminal.
Veja que o Sr. Hilbert se apóia no quadro humorístico que é de igual teor para justificar suas palavras, isto é, utiliza em exemplo preconceituoso para dizer que não houve preconceito. É justamente contra o que já ocorre na mídia que precisamos lutar. Este é um exemplo clássico de que a mídia ao ser preconceituosa, corrobora para que o preconceito continue existindo e sendo multiplicado. A Globo erra, Paulo Silvino erra e Hilbert foi na mesma direção, talvez de forma inocente, mas foi.
Fazendo um paralelo , quando ele diz que homossexuais se tratam pelo termo "bi" de "bicha", oras! Eu tenho amigos negros que, entre eles, brincam e chamam-se uns aos outros por nomes de animais e se referem a casa do outro pela palavra "senzala". Porém, eu tenho que ter a sensibilidade para entender que estes termos são aceitos entre eles e não me dá o direito de usar as mesmas palavras, pois como sou branco, poderia ser ofensivo, então me abstenho deste tipo de brincadeira.
Certamente, a ABGLT não pediu a retratação com o intuito de "atacar" o Sr.Hilbert, mas sim, com a intenção de eliminar a aceitabilidade de termos jocosos que juntamente com as piadinhas "inocentes", quando potencializados, podem chegar a casos desastrosos como ocorre no Brasil, um assassinato de homossexual a cada dois dias.
Observem que a pessoa que me agrediu com o termo viado, nada mais fez do que copiar o que a mídia faz. As pessoas ao ouvirem um formador de opinião utilizando um termo, "Bichona", por exemplo, saí por aí reproduzindo isto. A pessoa que me agrediu também se apóia na "suposta" aceitabilidade destes termos para ofender. Quando vocês dizem que no meu caso foi pessoal, penso que isto seja um agravante para o Sr. Hilbert, pois, a pessoa que me ofendeu, dirigiu-se especificamente a mim, enquanto o Sr. Rodrigo usou uma referência abrangente, isto é, abrangeu todos homossexuais. "Bichona" é um termo (extremamente deselegante) de se referir a quem? AO HOMOSSEXUAL, ou não?
Fico profundamente entristecido ao me deparar com homossexuais que acham normal ser chamado de bichona, boila, baitola!Penso que uma pessoa com amor próprio não aceita e quer ser tratado com dignidade.
Apesar de muitos agredidos serem coniventes com a agressão, quero crer que um dia todos tenhamos a auto estima elevada a ponto de acharmos natural SERMOS RESPEITADOS .
Justo Favaretto Neto é empresário e foi o primeiro homossexual a ser indenizado, desde a criação da lei estadual nº 10.948 em 2001, no valor de R$ 14.880 pela Secretaria da Justiça do Estado por ter sido chamado de “veado” em um posto de gasolina.