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Relacionamentos gays entre jovens e coroas superam preconceito e rompem barreiras

Ele era um príncipe, em todos os sentidos da palavra. Lindo, gostoso e na flor da idade, era um lolito irresistível. Diziam que era a pessoa mais bonita que já existiu e que mesmo a inteligência divina o admirava por tamanha formosura.

Um dia, o rapaz quis, digamos, “fazer trilha” – e resolveu subir um monte afastado de casa. Bom, essa é a minha versão, porque alguns disseram que ele estava cuidando das ovelhas (!) do pai, outros que estava relaxando em uma espécie de exílio e outros, ainda, mais venenosos, que estava… “Brincando” com companheiros…

 O fato é que, depois desse dia, Ganimedes nunca mais foi visto. Diz a lenda que o todo-poderoso Zeus transformou-se numa águia gigante e o raptou pra morar com ele. Foi amor à primeira vista! Zeus era famoso por ser infiel a sua esposa, a deusa Hera – mas parece que, além de mulheres e outras deusas, também curtia um menininho…

Olho na pressão, tá fervendoClaro que não dá pra especular demais sobre a diferença de idade entre Zeus e Ganimedes. Zeus era um deus grego, imortal. “Gâni”, príncipe de Tróia, era pouco mais que um adolescente – e mortalzinho, como eu e você. A diferença de idade se estenderia para, digamos, milhões de vidas humanas… Jogando por baixo.

 No entanto, as representações mais comuns de Zeus (Júpiter, para os romanos) são de um cara fortão, mas barbudo e de meia-idade – uma imagem bem adequada para o “pai dos deuses”.

 Assim, o mito de Zeus e Ganimedes pode nos levar a outra direção: o fato de que, na Grécia Antiga, era comum, socialmente aceito e esperado, que homens mais velhos mantivessem relações homoeróticas com rapazolas. O mais velho era o ativo da história e o mestre, professor; o mais novo, o passivo, aprendia com o primeiro a ser cidadão e homem de respeito entre uma pegação e outra.

 Nos dias de hoje, as relações afetivas entre homens com grande diferença de idade continuam a causar “frisson”, mas por outro motivo: o preconceito. Começa já pelo fato de ser uma relação gay. “O preconceito que sinto parte dos héteros e é contra gays em geral, e não somente contra coroas que preferem mais jovens”, diz Júlio Batista, 62 anos, eletricista aposentado e casado com mulher, mas que costuma recorrer a garotos de programa.

Outros vão mais longe e dizem que o preconceito também vem dos gays, às vezes, até com mais intensidade. “Por incrível que pareça, onde mais sinto preconceito é no próprio ‘meio’. O culto ao corpo jovem, pelo próprio jovem, inibe a aceitação de casais intergeracionais”, diz o jornalista Renato Borges, 64 anos. “Acho que atualmente os gays estão obcecados com a imagem que a mídia vende de corpos jovens, lisos e sarados. A maioria dos meus amigos acha absurdo eu curtir caras mais velhos”, conta Alex Andrade, 35 anos, técnico em eletrônica.

Para B.G., 43 anos, psiquiatra e psicoterapeuta junguiano, essa pressão é exercida igualmente sobre o coroa e sobre o mais jovem, embora de formas diferentes: “Sobre o cônjuge mais velho, ela vem com frases como ‘você está sendo enganado’, ‘você está sendo usado’, ‘você vai acabar sendo traído’, ‘você vai acabar se dando mal’; enquanto sobre o mais novo, a pressão é mais do tipo ‘ele não vai agüentar o seu pique’, ‘não dá pra agüentar esse velho implicante’, ‘transar com esse coroa deve ser horrível’ e, igualmente, mas com outro sentido, ‘você está sendo usado'”.

 “A discriminação recai sobre o mais velho”, diverge o psicólogo clínico e analista do comportamento João Pedrosa, 49 anos, autor do Guia de Orientação para Pai e Mãe de Homossexual. “Existe um mito”, diz ele, “de que a vida sexual de pessoas mais velhas termina ou deve terminar com o aumento da idade ou terceira idade. Um homem ou mulher pode ter uma vida sexual ativa além dos 60 anos.”

Pois é, e o preconceito é mesmo uma pena, especialmente se levarmos em conta que esse tipo de relacionamento é, segundo o próprio Pedrosa em seu Guia, “um fenômeno interessante entre os gays que é pouco comum entre as lésbicas e os heterossexuais”.

Por que você não cola em mim?
Outro fator que se torna relevante nesta relação é a solidão. Afinal, ser gay é estar praticamente “condenado” a passar “sozinho” pela maturidade ou terceira idade? Seria mais fácil para o hétero mais velho arranjar um “cobertor de orelha”?

 Para Fabrício Torres, 62 anos, gay e solteiro, “os héteros têm uma vantagem imensa. Não que seria difícil achar alguém pra compartilhar os pés frios, mas o preconceito social e a pressão são muito fortes, o que inibe relacionamentos homos duradouros”.

“A tendência da maioria dos coroas é ficar sozinha. No meu caso, sou casado, tenho um filho. Às vezes, penso em chutar tudo e começar com alguém, mas cadê essa pessoa?”, diz o advogado Marcus Cardoso, 47 anos. Essa é a mesma opinião do casado Júlio. “Eles ficarão mesmo sozinhos. Não vai acontecer comigo porque me casei e tenho filhos”, afirmou taxativo.

Uau. Falando assim, parece que a “solução” passa pelo casamento hétero, não? De fato, entre nossos entrevistados, foi muito comum encontrar coroas casados com mulheres. No entanto, os motivos apresentados não incluíram a “velhice solitária”. “Amei profundamente minha esposa, mas, ficando viúvo, não me vi mais capaz de amar outra mulher”, diz Renato, que declara nunca ter tido relações extraconjugais.

“Casei mais por pressão da família”, conta o administrador de empresas Tiago Helly, 47 anos, que foi casado por quatro, em uma história com desfecho interessante: “No final do terceiro ano, descobri que ela já tinha tido uns lances lésbicos”. Helly diz que sempre se considerou gay.

O fator casamento, no entanto, pode complicar o namoro gay. “Com 15 anos, me envolvi com o pai de uma colega de escola. Ele tinha 52 anos, casado. Ficamos juntos três anos e terminamos porque eu já estava cansado de ser a segunda opção”, conta Yago Mota, 33 anos.

“No meu primeiro relaciona-mento com coroa, ele era casado. Geralmente, coroas não se assumem. Eles são mais travados para ter um relaciona-mento aberto com um rapaz”, opina Vitor Maciel, funcionário público de 20 anos, recém-ingresso em um namoro com um homem de 48.

Solidão, dá um tempo e vai saindo
Nem todos, porém, concordam com tudo isso. A questão afetiva pode até ser complicada na terceira idade, por exemplo – mas não quer dizer que seja exclusividade dos gays. No artigo “A invenção da terceira idade e a rearticulação de formas de consumo e demandas políticas”, Guita Grin Debert, citando Anne-Marie Guillemard, nos diz que a expressão “terceira idade” surge como resultado “do processo crescente de socialização da gestão da velhice”. Ela teria sido originada nos anos 70, quando, com a universalização do direito à aposentadoria, os idosos não podiam mais ser considerados um dos setores mais desfavorecidos da sociedade européia. Por isso, a expressão “não adquiriu ainda uma conotação depreciativa”.

 Apesar disso, diz B.G., a sociedade como um todo ainda “rejeita o idoso, não reconhece sua experiência adquirida ao longo da vida, classifica como ‘feiúra’ qualquer sinal da idade”. Assim, a terceira idade permanece um tabu –  “tanto para héteros quanto para homossexuais”.

 Ora, se é um problema que afeta a todos e, digamos, os héteros conseguem “driblar” aqui e ali, os gays também podem. “A solidão não me preocupa. Gosto de ler e escrever. Portanto, estou sempre acompanhado”, dispara Peter Lima, jornalista, 55 anos. “Nem todo coroa é sozinho. Acho que a ‘síndrome do gay solitário’ é coisa do passado”, completa Renato.

“A vida está aí, as oportunidades estão aí. Basta a gente ser menos exigente, deixar um pouco as fantasias de lado”, diz Kiko Lemos, empresário, para quem a dificuldade, às vezes, está nos próprios coroas: “Pessoas mais maduras já sofreram desamores e têm medo do sofrimento”.

Ciúmes

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