Um jovem casal finalmente fica sozinho em casa. Os dois se beijam. Minutos depois, a pegada fica mais forte e o clima esquenta. No calor do momento, a mão do rapaz insinua um movimento mais atrevido na perna da moça. Mas ela se esquiva rapidamente, interrompe tudo e cada um vai para um canto do sofá. Essa é a rotina de casais ouvidos pela BBC Brasil que disseram já ter perdido a virgindade, mas fizeram um voto de castidade com o novo parceiro e agora só farão sexo depois do casamento. O principal motivo, segundo eles, é seguir uma doutrina religiosa. Mas também há relatos de que a intenção é apenas tornar o momento mais especial. A adesão ao movimento que prega a castidade é tão significativa que há sites, páginas em redes sociais e até livro com mais de 100 mil cópias vendidas dedicados ao assunto. Com 3,2 milhões de seguidores no Facebook, a página Eu Escolhi Esperar é uma referência para quem pretende fazer sexo só após o casamento. Seus administradores publicam relatos e frases de apoio à decisão, além de divulgar palestras e vender produtos com o símbolo da espera: uma mão em sinal de pare. O casal Carla Cristina Allegretti Ramos, de 28 anos, e Felipe Godoi de Araújo, de 26, moradores de Campinas, no interior paulista, está junto há 5 anos e meio e só vai transar quando completarem mais um ano juntos. Os dois perderam a virgindade em relacionamentos anteriores, mas fizeram um voto de castidade até o casamento, marcado para setembro de 2018. O casal conta que o fato de já ter tido experiências sexuais torna a castidade um desafio ainda maior. Ambos são evangélicos e se conheceram na igreja, mas a iniciativa de esperar foi de Felipe Araújo, que frequentava a igreja há mais tempo e começou a comentar o assunto logo no início do namoro. “Com certeza é mais difícil para a gente, mas é uma escolha. Já pensamos em desistir, claro, mas a gente viu que não vale a pena. Temos uma vida inteira pela frente. Tememos a palavra de Deus e esse (sexo) não é o principal motivo de a gente estar junto. O que nos une é o amor e o carinho que temos um pelo outro”, afirmou Araújo. Já o relacionamento da estudante Renata Cristina de Castro Pereira, de 22 anos, e seu namorado, Douglas, tem uma virgindade unilateral. Evangélica, ela nunca transou e diz que só vai fazer sexo depois do casamento. Seu namorado, entretanto, já não é mais virgem e não concordava com a decisão, mas passou a frequentar a igreja e não teve outra escolha a não ser esperar também se quisesse continuar namorando a garota. “No começo, foi muito difícil porque ele veio de outros relacionamentos e não era evangélico. Nunca tinha pisado numa igreja. Ele insistia diversas vezes (para fazer sexo), mas depois me entendeu e concordou”, conta Pereira. A jovem terminou dois relacionamentos anteriores porque os parceiros não aceitavam a castidade dela. Pereira e seu atual namorado estão há dois anos e meio juntos e vão casar no dia 9 de dezembro deste ano. Pereira diz que já recebeu muitas críticas por namorar sem fazer sexo, inclusive de amigos evangélicos. “Mesmo na igreja, é a minoria que escolhe esperar. Ninguém acredita em mim e pergunta o porquê disso. Eu só falo que é uma questão de Deus e levo as críticas na brincadeira”. Famosos que aderiram à castidade, como o jogador de futebol Kaká, a pastora Sarah Sheeva e o maior medalhista paralímpico brasileiro, o nadador Daniel Dias, são usados como exemplo para incentivar os seguidores do movimento. O multi-campeão paralímpico até tocou a música tema do Eu Escolhi Esperar e distribuiu lembrancinhas com o símbolo do movimento no seu casamento em 2012. A empresária e ex-modelo Joana Prado, conhecida como Feiticeira e casada com o lutador de MMA Vitor Belfort, não se casou virgem, mas hoje também é uma das referências de apoio à causa. O jogador de futebol David Luiz precisou dar entrevistas para esclarecer que não era mais virgem depois de defender o Eu Escolhi Esperar nas redes sociais. “As pessoas estão dizendo em todos os lugares se eu sou virgem ou não. Eu não sou virgem. Eu tive mais de uma namorada na minha vida”, disse o jogador em entrevista à BBC na época. MASTURBAÇÃO PODE? Fazer voto de castidade até o casamento tem suas regras e há um limite bem definido até onde pode ir o casal sem quebrar a promessa. Casais e especialistas ouvidos pela BBC Brasil disseram que qualquer modalidade de sexo é vetada, inclusive aquelas que não envolvem penetração, como o oral e o virtual. A masturbação também é proibida. Com tantas restrições, escolher esperar não é uma tarefa nada simples, admitem os casais. Com a intenção de ajudá-los, o pastor Nelson Junior, de 41 anos, lançou há dois anos o livro “Eu escolhi esperar” – inspirado no sucesso da página de mesmo nome nas redes sociais, criada também por ele. A publicação, que vendeu mais de 105 mil cópias desde seu lançamento, dá dicas de como os casais devem se comportar para evitar cair na tentação sexual. “O melhor conselho que eu dou é evitar carícias, que são aqueles carinhos com intenções sexuais. Isso inclui evitar ficar sozinhos, namorar no escuro, beijos muito prolongados e ter conversas íntimas”, diz ele. Para o pastor – que diz ter se casado virgem – essas restrições não atrapalham o relacionamento. Carla e Felipe seguem dicas semelhantes e dizem que nunca viajaram sozinhos. Eles só saem de Campinas acompanhados de amigos ou familiares. Na hora de dormir fora da casa, cada um fica em um quarto ou barraca – em caso de acampamentos ou alojamentos religiosos. “A gente não deixa de viajar, só não vai sozinho. Fazemos isso para evitar comentários porque eu zelo muito pela minha imagem na igreja. Sou líder de música e faço minha parte ao rejeitar algumas coisas e me privar. Já fiz isso diversas vezes, como recusar convites de churrascos de amigos”, conta Felipe Araújo. O músico diz que o casal evita até mesmo assistir a cenas de beijos em filmes e novelas para não sucumbir ao desejo sexual. “A gente muda de canal, avança a cena. Às vezes, a iniciativa parte de mim ou dela, mas nunca brigamos por isso. Pessoas que não professam a mesma fé geralmente não concordam com isso, mas a gente acaba vendo que muitas delas são infelizes. Elas têm o sexo, mas não tem o companheirismo, alguém que te ama de verdade”, afirmou. Pode parecer contraditório, mas o pastor Nelson Junior aponta os beijos como os maiores inimigos dos casais que querem manter a promessa de fazer sexo só depois do casamento. “O beijo é o maior afrodisíaco do mundo. Se o casal percebe que beijar desperta um desejo que os levará ao ato sexual, recomendo que não se beije. Como dizia minha vó: beijo na boca é igual forno elétrico. Você acende em cima e esquenta embaixo. O maior inimigo de quem escolhe esperar”, afirma. Mas Junior faz questão de dizer que o livro “não busca convencer ninguém a se guardar, apenas encorajar quem quer tomar essa decisão”. O pastor diz que, segundo os princípios religiosos, o sexo é mais importante que a cerimônia na igreja dentro do rito do casamento. “A cerimônia religiosa e no cartório são simbólicas. O casamento ocorre através da conjunção carnal. E quando eu pratico isso com outras pessoas, estou banalizando o casamento. Essa prática sexual fora da aliança do casamento traz consequências sobre o indivíduo e sobre o futuro casamento dele, inclusive. Não é necessariamente um castigo, mas o resultado de ter se quebrado a vontade de Deus”. Por mais que o pastor siga a doutrina evangélica, ele conta que seu livro atinge um grande público católico e até mesmo ateu e que sua intenção foi criar uma obra neutra. RENASCIMENTO RELIGIOSO A adoção de uma religião já na idade adulta é um dos principais fatores que levam pessoas a escolherem interromper a vida sexual. O teólogo e professor da universidade Mackenzie Gerson Leite de Moraes explica que as pessoas que se convertem a uma religião sentem-se como se estivessem nascendo de novo religiosamente. Isso, segundo ele, faz com que os recém-convertidos sigam valores e hábitos geralmente mais conservadores quando comparados aos que já nasceram inseridos na religião. “Isso acontece porque a experiência de conversão é impactante. Algumas vezes acontece justamente por causa de um casamento falido e essa pessoa quer tentar algo novo, que seja semelhante com a promessa de uma aliança de pureza com Deus”, afirmou. A professora Gizelia Angelica Borges, de 36 anos, já teve relacionamentos anteriores e é mãe de uma jovem de 19 anos. Há cinco anos, no entanto, ela se tornou evangélica e deixou de fazer sexo. Sua próxima relação sexual será após seu o casamento em dezembro com o motorista Cláudio Lúcio Alves da Silva, de 44 anos, com quem namora há dois anos e nove meses. Ela conta que “precisa ser muito forte para aguentar” tanto tempo sem transar, mas revela um fator que ajuda na tarefa. “Somos de Estados diferentes e nos vemos apenas uma vez por mês. Quando estamos juntos, as luzes ficam sempre acesas para a gente aguentar. A gente conversa muito sobre isso e eu fico me perguntando se ainda sei fazer as coisas”, conta, aos risos. O casal se conheceu em um grupo de WhatsApp com evangélicos que decidiram esperar, e o namoro começou antes mesmo do primeiro encontro pessoal. Borges conta que ler a Bíblia foi decisivo para decidir transar só depois do casamento com seu novo parceiro. “Antes, eu desconhecia as escrituras e não sabia que eu estava errando. A partir do momento que eu sei sobre os pecados, eu peço perdão pelo meu passado e me renovo espiritualmente sem cometer novamente os mesmos tropeços”, afirmou a professora. Seu futuro marido, Cláudio Silva diz ser alvo frequente de piadas por escolher esperar o casamento para fazer sexo. “O pessoal trata a gente como se fosse uma pessoa retardada, que não sabe o que está fazendo. Endeusam tanto o sexo que acham que você está perdendo algo sobrenatural. As pessoas exigem que você pratique algumas coisas para que você participe do grupo social delas e isso é um claro sinal que ela não te respeitam”, afirma. Para o teólogo Gerson de Moraes, o voto de castidade é incentivado hoje pela igreja para reforçar seu discurso conservador e atrair os jovens que discordam do liberalismo sexual. “As mudanças sexuais que vivemos nas últimas décadas acabam sendo vistas como muito perigosas pela Igreja. Você tem hoje uma situação onde paradoxalmente há o sexo mais fácil, mas a igreja vê isso como algo que precisa ser preservado, ao lado da família e dos valores”, conclui o teólogo. Reportagem produzida e publicada na BBC Brasil
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