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Repórter conta bastidores da cobertura sobre 40 anos de Stonewall

 Tudo começou com uma viagem de sete dias com a família a Nova York em dezembro de 2008. Há 10 anos não pisava naquela cidade. E que saudades, principalmente quando a via nos deliciosos filmes de Woody Allen. Aproveitaria, claro, para visitar o epicentro dos redutos mais babadeiros e cosmopolitas deste planeta. Por sorte, Osama não esteve por lá. Por azar, Carrie Bradshaw também não. Pena, não ter esbarrado com ela na Quinta Avenida!
 
Para ser desvirginado da cena gay nova-iorquina, comecei pelo local mais emblemático: The Stonewall Inn. Alertado por William Magalhães, editor-chefe de A Capa, sobre os 40 anos da rebelião, desliguei o lado "turista" e acionei o quase "indesligável" faro jornalístico. Conheci não só o famoso bar, mas fui atrás de fontes para saber mais sobre a curiosa história do local.

Do basicão que sabia, pouco menos que um verbete bem escrito de Wikipédia, descobri fatos (ou melhor, fuxicos) que ninguém ousaria publicar. O mais chocante, na verdade, foi o primeiro: um veterano me confidenciara que muitos clamam um certo "quê" de heroísmo, mas nunca estiveram lá. "E agora?", pensei. Resolvi deixar a paranóia de lado e parti para a luta.

Desvirginado em Stonewall
Tão logo cheguei na cidade, tratei de ligar para a Associação de Veteranos de Stonewall. Nas várias tentativas, ninguém atendeu. O site anunciava um encontro mensal, que se realizaria no sábado, dia 25/12. Mas a jornada, de fato, começara quatro dias antes de deixar a cidade (fui embora no domingo, dia 26). Descobri o horário de funcionamento e endereço do Stonewall num guia gay local. Quando cheguei, por volta das 16h, havia meia dúzia de turistas curiosos bebendo.

Dirigi-me ao bartender, um rapaz moreno e jovem, perguntando pelos donos. "Eles estão fora da cidade, só voltam depois do natal", disse pedindo em seguida que retornasse outra hora mais cedo e procurasse um dos veteranos que lá trabalhava. Voltei depois com uma amiga, que nunca tinha entrado num estabelecimento GLS. Tapada e sem se dar conta onde estava, ela achou estranho um bar só com homens. A primeira entrevista seria feita dois dias depois do primeiro contato.

Por dentro, o Stonewall atual parece pub irlandês tradicional. Se levarmos em consideração sua história, a decoração soa careta: madeiras escuras nas paredes, cadeiras, um balcão enorme e uma mesa de sinuca ao centro. No fundo, perto da escada, um lounge com fotos históricas. No segundo andar, outro bar e um espaço para dançar. Minha primeira e única noite no local foi solitária, porém divertida. Apesar de beber pouco, pedi algumas cervejas, que custavam U$6. O local estava relativamente cheio.

Fui paquerado por coroas e especialmente por uma loira gordinha, de 26 anos, que sentou ao meu lado e disse que esperava por um amigo. Enquanto isso, bêbada, me pediu um beijo na boca. Foi prontamente atendida… na testa! Minutos depois, o bartender a expulsaria do bar. Algumas pessoas jogavam sinuca enquanto um senhor deixava dinheiro na cueca de um gogo boy. Pagando U$3 a uma lésbica que fazia a segurança, podia-se curtir ainda uma festa para meninas no segundo andar.

A primeira fonte a gente nunca esquece
 
Fred Tree, um gordinho simpático e bartender do Stonewall, deu entrevista meia hora antes da abertura do bar – às 15h30. Ele falou sobre a rebelião, sua paixão pelo Brasil (ele vem ao país todos os anos) e me alertou sobre a Associação de Veteranos: "Eles só pensam em dinheiro, perda de tempo. Muitos nem estiveram lá", detonou. A essa altura a entrevista estava por terminar e o bar por abrir. E foi com esta bomba que começaria o segundo depoimento. A partir dali, tudo parecia suspeito. Saindo de lá, fui em busca de Storme, amiga de Tree e outra veterana.A única informação que tinha é que ela teria sido a primeira pessoa a revidar o soco de um policial no bar e morava no Chelsea Hotel ali perto. Fui ao local e, de um telefone na recepção, marquei entrevista para o dia seguinte. Apesar de ser 19h, ela costumava deitar cedo. 

O papo ocorreu no hall do hotel. Não foi difícil reconhecê-la: calçava botas longas e surradas, um gorro que remetia ao Chaves (do SBT), uma roupa bem masculina, buço ralo e poucos dentes que falavam um caipirês americano impossível de entender. Não só pelo sotaque, mas também pela idade. Storme já não parecia bater tão bem da cabeça. Repetia demais as coisas, insistia em reclamar da juventude que pouco ligava para Stonewall. Quanto a alguns detalhes sobre sua vida, às vezes dizia: "Procure nos livros, filmes, que tem tudo sobre mim". Saí do lugar 20 minutos depois satisfeito. Nem tanto pela entrevista, mas por ter conhecido aquela figura ímpar. “Deve ser a lésbica mais velha do planeta”, supus. Há rumores ainda de que, por falta de pagamento, ela seja despejada do quarto onde mora no hotel.

Na mesma tarde, fui ao Centro de Gays e Lésbicas, onde aconteceria a reunião dos veteranos. Era tudo perto. Estava ansioso. Fui praticamente o segundo a chegar. O primeiro foi o presidente, Williamson Henderson. Confesso que à primeira vista não sabia se era um travesti ou uma lésbica. Fiquei confuso. Os demais participantes foram chegando aos poucos e fui sendo apresentado enquanto tratava de conseguir algumas mesas e cadeiras extras. Fui bem recepcionado, embora Williamson não fosse simpático. Na verdade, ele é odiado.

Comigo, no entanto, ele forçou a barra. Fazia piadas que ninguém achava graça. Nem por educação. Eu só pensava no que Tree havia dito, principalmente cada vez que ouvia a palavra "money"- dita, aliás, várias vezes. Um a zero Tree. No fim da reunião, um bolo para celebrar o aniversário de Storme, que completara 89 anos no dia anterior. E, como se estivéssemos em uma igreja, foi passada também uma sacolinha para doações. “É para pagar o aluguel do espaço”, justificou o presidente. Lembrei novamente dos conselhos de Tree, dei uma de “João-sem-braço” e não depositei nada. Até hoje me questiono se agi corretamente… Dois a Zero Tree.

Sem tempo ao final da reunião, Williamson acabou dando entrevista dois meses depois via Skype. Já Jeremiah, professor da NYU e veterano, que estava presente, me concedeu 10 minutos de seu tempo. Apesar de reservado, foi solícito sempre que precisei obter informação adicional por telefone ou e-mail. E assim encerrei minha apuração de corpo presente para, depois, iniciar a série de telefonemas, e-mails e pesquisas complementares a milhares de quilômetros de distância.

 A volta ao Brasil e o início da edição
Chegando em casa, reuni o material e pensei no primeiro desafio: transcrever e traduzir as expressões que nunca tinha ouvido falar. Recorri a ajuda de alguns amigos. O mais difícil foi a entrevista de Storme. Já com Williamson, o problema não era o sotaque, mas o conteúdo: ele deu entrevista a doses homeopáticas. Não queria falar tanto de Stonewall, mas saber tudo sobre o Brasil. Embora sua participação seja contestada, ele falou várias coisas interessantes. E algumas me deixaram co

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