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Repórter relata o que acontece no escurinho do cinemão

Rola no ESCURINHO

Um passeio pelos cinemas de pegação pode ser bem mais animado e complexo do que imaginamos. João Marinho foi a alguns e conta o que realmente rola no escurinho do cinema…

Dia 25 de janeiro deste ano. Decidido a curtir a metrópole, eu, como muitos outros, saí à tarde para pegar um cineminha… Eram quase 16h. O filme já tinha começado, mas não havia problema. Eles todos têm a mesma temática e se repetem ininterruptamente, em seqüência.

Como eu havia acabado de sair do sol, minha visão não conseguia distinguir nada. Sentei mais ou menos no meio da sala, na cadeira da ponta, e esperei. Um vulto se aproximou e um par de peitos enormes avançou em meu rosto. "E aí, tudo bem?". "Tudo, e com você?". "Tudo bem, gatinho. Quer gozar?". Era uma travesti. "Não, não. Obrigado, moça", respondi. Ela sai sorridente e educada.

Pouco tempo depois, um homem senta logo atrás de mim. Parece ser maduro. Olho para trás. A visão está melhor, mas não 100%. No entanto, é o suficiente para perceber que ele segura algo grande e brilhante nas mãos. Chamo-o para perto. Ele vem. "Olha, sei que isso é pra mim, mas cheguei agora e não tô enxergando nada". "Se quiser, sento aí do lado". "Melhor esperar".

Não, não se trata de um cinema qualquer. Estou em um cine pornô, o popular cinema de pegação ou cinemão – e o leitor não estranhe minha desenvoltura. Não era a primeira vez. Desde que A Capa havia me pautado para uma reportagem sobre o assunto, já tinha comparecido seguidamente às "sessões". A idéia: fazer um jornalismo gonzo. Basicamente, significa que o repórter tem de se envolver, participar – até o limite do bom senso – e registrar a experiência em primeira pessoa. Resolvi, portanto, prescindir da recorrência a especialistas e me centrar mais no que os freqüentadores me relataram e no que vivenciei naquele ambiente escuro, decadente e malcheiroso.

Regra nº 1: higiene e apresentação não são os fortes de um cinemão. Em geral, os locais são construções antigas e/ou malconservadas. É comum haver cadeiras quebradas e bancos rasgados. No centro de São Paulo, dois deles me chamam a atenção. São enormes, têm telas gigantes, salas de projeção imensas. Um deles tem saídas de emergência separadas. As placas ainda indicam: "damas", de um lado; "cavalheiros", de outro.

Eles nem sempre foram pornôs e já foram freqüentados por famílias, numa época em que cinema não ficava em shopping e era um programa especial, para usar a melhor roupa. Hoje, nos banheiros, difícil não se incomodar com o cheiro de urina, e, com menos freqüência, fezes. No chão das salas, o acúmulo de papel higiênico usado, camisinha e esperma é inevitável – fruto dos orgasmos constantes. Com a falta de sorte adequada, é possível até escorregar numa poça, como aconteceu comigo. Claro que a direção se preocupa em limpar, mas a freqüência nunca é suficiente, a fora que os produtos usados não parecem ser de primeira linha.

É principalmente higiênico o argumento dos gays que se opõem ao cinemão ou deixaram de ir. "Essa de transar com quem você não vê direito me causa estranheza. Fora que, em quase todos, as condições de higiene são bem precárias", diz Carlos Eduardo, 24, que não gostou de ter conhecido o ambiente. Era sua primeira vez no cinemão.

Então, por que outros vão? "Creio que pra transar. No meu caso, tem um atrativo a mais. Gosto de ver os filmes mais antigos e adoro trepar com gente vendo", revela Marcus, curitibano que, de vez em quando, freqüenta cinemões em sua cidade ou em São Paulo, quando está em viagem. Outro usuário do local, Rodolfo, 40, é mais prático.  "Venho quando estou com vontade de fazer alguma coisa – e porque é rápido, mais garantido e mais barato".

Quando Tito, 67, interpela a mim e a Rodolfo contando aventuras extravagantes, percebo outras compensações. Primeiro, quem é gay e freqüenta regularmente e trava amizades lá dentro. Às vezes, até heterossexuais participam desse coleguismo.

Em segundo lugar, há uma democracia de corpos. A "ditadura da estética" parece dar uma trégua. Sim, se você for bonito e sarado, atrairá mais olhares – mas há uma incrível flexibilidade na avaliação física. Gordinhos, baixinhos, magricelas, idosos, feios, travestis, todos têm lugar sob o sol – ou sob a tela – e se entretêm sem muito esforço.

"Quem vai a um lugar desses pega qualquer coisa", critica Walter, 41, ao saber da reportagem. No entanto, pondera Carlos Eduardo e elogia o objetivismo e falta de carão: "é um ponto positivo em relação a outros lugares onde rola sexo, como nas boates".

Regra nº 2: todo cinema pornô é, a rigor, ponto de "caçação" entre homens. Mulher é um ser raro. Apenas em três ocasiões, vi fêmeas na platéia. Na primeira, uma moça tinha ido com o namorado a um dos cinemões e os dois protagonizaram uma sessão de sexo explícito nas cadeiras, com direito a celulares iluminando. Certa hora, um jato estrangeiro de esperma acertou-lhe o braço. "Quem gozou no meu braço?! Vai limpar!", esbravejou ela. Ninguém se manifestou.

"Já vi mulher com o marido no cinema, dando pra vários", conta Marcus. Concordamos, no entanto, que isso não é muito comum. Em outra ocasião, que se repetiu várias vezes, é a de uma senhora que faz programas em um dos estabelecimentos. Tem cerca de 40 anos e arrasta uma perna. Costuma atender homens de mais idade. A fora isso, só vi mulheres em um único outro cinemão. No palco, em shows de strip-tease – mas algumas faziam programa nas cabines. Por sinal, foi o único cinema em que não vi pegação entre machos.

Regra nº 3: todo cinema pornô é, também, local de prostituição tanto para garotos como para travestis. Programas são bastante recorrentes – mas, no cinemão, a prostituição é dominada mesmo pelos garotos e pelas bonecas. Se o estabelecimento não faz objeção, ambos convivem pacificamente e têm abordagens típicas. As travestis, caçadoras, costumam desfilar em volta das cadeiras pelos corredores, roupas apertadas ou sumárias. Esperam ser chamadas, mas não é raro que abordem diretamente, como aconteceu comigo.

Já os michês preferem a armadilha. Geralmente bem-apessoados e de corpos trabalhados, sentam-se ou encostam-se nos corredores e tiram as "ferramentas" para fora. Quase passam por freqüentadores comuns, embora um olhar mais acurado perceba a insistência na exibição dos dotes físicos, o que pode incluir abdômen e peito nu. Assim que alguém morde a isca, revelam o preço.

Contudo, há cinemas que mantêm restrições. Em um deles, não é permitida a entrada de homem "trajando roupas femininas". Em outro, a presença de michês é proibida. "Como eles sabem que michê é michê?", pergunto eu a Sávio, um conhecido que freqüenta ali e topou ser minha fonte. "Se pedir dinheiro, você pode ir à portaria e denunciar. Eles mandam a pessoa sair".

Regra nº 4: cinema pornô é bem diversificado e são poucos os que se focam, exclusivamente, ao público gay; héteros também tem vez. Sávio me apresentou um dos únicos cinemas declaradamente gays que conheci.  Há basicamente dois tipos de cinemão. Um tipo exibe apenas filmes héteros. "Se só vem mais veado aqui, porque passa filme de mulher?", questiona Ricardo, freqüentador do cinema

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