A parcela progressista da sociedade brasileira vive atualmente um momento de forte amargor, isso por conta da suspensão do Kit Escola Sem Homofobia. A suspensão para uma dita “revisão” do material nem seria problema, pois, no mínimo o governo se mobilizou para tal tema. Mas, o que chocou é que tal se deu após lobby da bancada fundamentalista que ameaçou: cancelem o “kit gay” ou iremos engessar este governo e convocar o ministro Palocci para se explicar.
O sinal amarelo acendeu no governo. Gilberto Carvalho, com forte ligação com setores igrejeiros da sociedade brasileira, fez com que a presidenta Dilma Rousseff cancelasse o Kit. Logo de cara disseram que não se tratava de uma barganha para salvar a cabeça de Palocci, Ministro da Casa Civil que ficou milionário em quatro anos ao vender informações privilegiadas. Ninguém acreditou e os próprios fundamentalistas, liderados por Garotinho (PR-RJ), deixaram claro que foi barganha sim.
Como se não se bastasse, no dia seguinte a suspensão, Dilma, provocada por jornalistas, declarou que mandara suspender o material por não concordar e assumiu ter assistido apenas um trecho e emendou a pérola: “Não será permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de qualquer opção sexual”. Morremos todos. Bolsonaro com certeza virou e abriu a champanhe, pois, pode ver na boca da presidenta aquilo tem gritado aos quatro cantos do Congresso Nacional.
Comentar o desenrolar é redundância. Devemos nos atentar para o seguinte: a força que a bancada fundamentalista adquiriu. Tudo começou no segundo turno da eleição presidencial quando os temas aborto e diversidade sexual entraram na seara. Desde então, os fundamentalista tem imposto a sua agenda com grande êxito. E agora chegamos ao extremo, onde a presidente da república reproduz com todas as letras o palavrório obscurantista.
Todos aqueles que acreditam numa sociedade de vanguarda estão envergonhados e enojados. Mas o desanimo deve passar e é necessário que passe. Tal fato deixa claro o quanto a luta por um Estado Laico de fato é necessária, caso contrário, caminhamos para uma república fundamentalista, que deve ter como eixo a religião, o machismo, a misoginia e as famílias constituídas por um homem e uma mulher com o foco na reprodução. O momento é tenso e se não houver pressão da sociedade civil, da imprensa, a agenda obscurantista deve reger este governo.
Tal cenário é perigoso, pois abre espaço para o surgimento de lideranças da ultra direita e populistas. Vejamos o caso da Espanha e da França. Na França a esquerda se digladia cotidianamente e aí surgiu Sarkozy, que entre outras coisas, assumiu uma política xenófoba e higienista. Na Espanha, o PSOE, uma espécie de PT espanhol, foi eleito com a esperança de uma agenda progressista. De fato, o partido no poder promoveu uma série de mudanças, mas, frente à crise econômica assumiu uma agenda conservadora. Traiu as promessas, resultado: nas ultimas eleições foi varrido do mapa eleitoral da Espanha.
Aqui no Brasil o Partido dos Trabalhadores corre o mesmo risco. Mesmo que o nosso mapa eleitoral seja mais complexo do que o espanhol, não devemos ignorar tais exemplos. Em 2002 o PT se elege sob a bandeira da transformação do Brasil. De fato a era Lula promoveu mais Direitos Humanos e distribuição de renda. Com a chegada de Dilma e com a ampliação da coalizão para garantir a tal da governabilidade, valorizou-se os partidos conservadores e uma política liberal de aproximação com os setores mais conservadores da sociedade brasileira (mercado financeiro e mídia) em detrimento dos grupos que saíram a pedir votos para a candidata…
Pode ser que estejamos frente a uma derrota momentânea, como pode ser o contrário, para salvar o seu ministro da Casa Civil, Dilma e assessores adotem o discurso conservador. Se assim for, a conta daqui três anos e meio será alta. O humor dos movimentos sociais não está legal. Se o governo federal insistir numa agenda obscurantista, será deixado no meio caminho… Enfim, por hora acreditemos que se trata de uma suspensão e não cancelamento do Kit Escola Sem Homofobia, pois, ao contrário do que disse a presidenta, não se busca a promoção de “opção sexual” e sim criar mecanismos para evitar que jovens sejam espancados e assassinados por terem uma orientação sexual diversa da heteronormativa, que por hora, é a que rege ideologicamente este governo.