Se 2010 vai ficar marcado por ser aquele em que o Brasil elegeu a sua primeira presidente mulher rompendo uma hegemonia masculina no mais alto cargo do país, também será o ano em que os crimes homofóbicos saíram da clandestinidade e dos boletins de ocorrência policiais para estampar os principais meios de comunicação de massa.
O primeiro caso a ganhar repercussão nacional foi o assassinato de Alexandre Ivo Rajão, 14, na dia 21 de junho. O garoto foi sequestrado, torturado e estrangulado. Com base em depoimentos de testemunhas a polícia chegou até os suspeitos que foram vistos circulando pelo local do crime. No carro dos acusados foram encontrados 13 pontos de sangue que, após exames, deram resultados compatíveis com o sangue de Angélica Ivo, mãe de Alexandre.
Em sua edição do dia 22 de junho, o RJTV deu destaque ao caso. Os acusados respondem em liberdade sob a alegação de serem réus primários e terem residência fixa. Acredita-se que até o meio do ano que vem o julgamento chegue ao fim com júri popular.
Barbárie na Avenida Paulista
Se no meio de 2010 ficaríamos chocados com o assassinato ocorrido em São Gonçalo (RJ), mais uma vez os telejornais falariam sobre a homofobia. Mas, desta vez, a população ficaria chocada. Contradizendo a crença popular de que nas classes mais abastadas economicamente os LGBT são mais aceitos, quatro jovens da classe A de São Paulo, estudantes da escola Dante Alighieri, barbarizaram com um jovem que eles acreditaram ser gay e o agrediram com lâmpadas fluorescentes e depois o espancaram.
Câmeras de segurança na avenida Paulista gravaram todo o ocorrido, do momento da agressão ao momento em que seguranças dos prédios do local socorreram o jovem. O programa semanal "Fantástico", exibido aos domingos na Rede Globo, também destacou o fato. As imagens com as agressões foram repetidas à exaustão. Os jornais "O Globo" e o "Estado de São Paulo" fizeram extensas reportagens e dedicaram editoriais a favor da criminalização da homofobia.
Logo depois do caso de São Paulo, a Parada Gay do Rio de Janeiro produziria mais uma notícia nacional. Um jovem que estava no Parque Garota de Ipanema foi baleado por um PM após escutar inúmeras ofensas homofóbicas. O jovem sobreviveu e o militar assumiu o crime. E para fechar o ano, há o casal gay que foi destratado dentro da doceria Ofner por que um deles apoiou a cabeça no parceiro, isso em pleno Jardins, bairro muito frequentado por homossexuais. É a homofobia mostrando não ter classe social e, assim como os gays, está em todos os lugares. Até nas universidades…
Para fechar o ano com chave de ouro o chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Augustus Nicodemus, publicou carta no site da instituição se declarando contra o PLC 122 (que visa criminalizar a homofobia no Brasil) e reclamou o direito de poder criticar os homossexuais. Os alunos não gostaram nada do que leram e realizaram um ato na porta da universidade com cerca de 800 pessoas.
É obvio que estes foram os casos mais emblemáticos, mas não foram os únicos. Segundo dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2010 foram assassinados 200 LGBT, mas não se pode afirmar que todos foram motivados por homofobia.
Este ano, a Prefeitura de São Paulo lançou o primeiro estudo oficial a respeito da homofobia com base em denúncias feitas pelo Disque Denúncia. O levantamento revela dados impressionantes, por exemplo, 50% dos agressores conhecem as vítimas; 16% dos casos se dão em família e 38% são conhecidos, colegas de trabalho ou vizinho. Contrariando outros mitos, a pesquisa também revelou que 50% dos ataques homofóbicos acontecem na região chamada Centro expandido, que inclui a avenida Paulista, e que a maioria das vítimas são homens gays com idade entre 25 e 39 anos.
A pesquisa realizada pela Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual (Cads) mostra que diferentemente do que se imaginava, as manifestações homofóbicas estão justamente nos locais de convivência LGBT. Com tais dados, com uma cobertura inédita da grande imprensa, resta saber se esses fatos vão sensibilizar os parlamentares contrários aos direitos gays e fazer com que mudem suas posturas, principalmente no que diz respeito ao PLC 122.
E como se não bastasse…
Esta matéria já estava pronta quando soubemos que mais um ataque homofóbico aconteceu na região da avenida Paulista. Uma garota foi agredida por outras duas após trocar beijos com uma amiga em plena rua Augusta. A agressão aconteceu na madrugada de quarta (22) para quinta-feira (23). Como bem cantou Caetano Veloso: "Alguma coisa está fora da ordem/Fora da nova ordem mundial".