A reportagem de Ana Aranha conta a história de quatro personagens, todos adolescentes, vítimas da homofobia causada tanto por outros alunos como por diretores e professores.
No primeiro caso está Daniel (nome trocado) que, na verdade, é Dani. Aos 8 anos, a transexual espalhava para os amiguinhos do colégio que era obrigada a ir disfarçada à escola. "Meu pai quer um filho homem e me faz usar essas roupas e esse nome. Mas eu sou menina". Aos 13 anos, passou a usar brincos e fazer as unhas.
Para os professores, a transexual pediu que a chamassem de Dani, com o pronome feminino "a". Só duas professoras concordaram. O estopim foi quando a adolescente aplicou mega-hair (aplicação de mechas no cabelo), e sua mãe foi chamada à escola. Pais de outros alunos diziam que "não queriam sua filha perto dessa aberração".
Dani começou a faltar às aulas semanas seguidas e tirar notas vermelhas. Repetiu, pela primeira vez, o ano. Foi quando sua mãe resolveu se mudar para São Paulo e procurar por alguma escola que soubessem lidar com a diferença, busca que não foi nada fácil. A adolescente foi rejeitada em sete escolas. Hoje, aos 15 anos, Dani estuda em uma escola especial, voltada para alunos com dificuldade de aprendizagem e deficiência física ou mental.
"Há um muro de preconceitos que impede as pessoas de aceitar os homossexuais: eles são promíscuos, não têm família, morrem de aids. Quando se veem diante de um aluno gay, os professores e diretores simplesmente não sabem como agir", diz o educador Beto de Jesus, da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que é um dos lideres de um projeto financiado pelo Ministério da Educação para formar professores e ajudar as escolas a lidar com a diversidade sexual de seus alunos.
O grupo vai produzir um kit didático para 6 mil escolas. Nele, haverá orientação para diretores e professores e material para os alunos. Como parte do mesmo projeto, estão sendo realizados encontros regionais com secretarias da Educação, ONGs e universidades.
Para evitar que transexuais parem de estudar, algumas secretarias de Educação estão criando uma portaria para orientar as escolas. A primeira, criada ano passado no Pará, permite que alunos transexuais escolham seu nome e sexo para o registro de sua matrícula. Em um mês, a secretaria já conta com 111 transexuais e travestis matriculados.
"Coisa de Veado"
Na época do colégio, Pedro Gabriel Gama, 18, sempre achou que sua homossexualidade seria dificilmente aceita por seus amigos de escola. Quando, pela primeira vez, cruzou as pernas e colocou um brinco na orelha, suas amigas o questionavam. "Que brinco ridículo é esse? Descruza essa perna, parece uma moça!". A cada pequena ação que fazia, Pedro quebrava um tabu e sentia-se orgulhoso.
Até que um dia, o jovem mobilizou uma greve por falta de água na escola. No dia seguinte à manifestação, Pedro ouviu do diretor do colégio que sua atitude não era "coisa de homem, e sim de veado". O estudante não reagiu. "Nem sabia que aquilo se chamava homofobia", afirmou. Sua saída do armário só aconteceu quando começou a faculdade.
O caso de Lídia Vieira Barros, de Tocantins, foi diferente do de Pedro. Estudante de colégio particular, Lídia foi pega no banheiro beijando outra menina. O acontecimento rapidamente caiu na boca dos outros alunos. "Ela era uma das meninas mais bonitas da escola. Os meninos vieram me cumprimentar", conta. Na matéria, a jornalista aponta para o fato do preconceito contra lésbica ser diferente, pois se manifesta mais contra os modos e as vestimentas masculinizadas e menos contra a opção sexual (sic) propriamente dita.
Cansada de ouvir de outra menina a palavra "sapatão", Lídia se irritou e a chamou para a briga. Após a confusão, sua mãe foi chamada à escola e foi orientada pela orientadora a procurar uma psicóloga para sua filha. "A outra menina saiu no crédito. Eu é que precisava de tratamento", diz Lídia, indignada.
Crime Civil
Considerada crime civil, a homofobia praticada tem como punição o pagamento de multa. No caso de Geraldo (nome trocado), de 17 anos, isso não aconteceu. Seu professor de biologia se recusou a entregar uma apostilha para ele e seus amigos, com a seguinte alegação: "As bichinhas não precisam deste material". Geraldo reclamou à direção da escola e fez um boletim de ocorrência. Porém, o professor foi apenas recriminado verbalmente e pediu uma semana de licença, depois voltou a dar aulas.
Se houvesse a condenação, o governo é que seria responsável por pagar a multa, pois o professor estava em horário de trabalho. Geraldo move uma ação contra a Secretaria de Educação.
A reportagem da Época apurou que uma ONG, da mesma cidade, faz oficinas para ajudar os professores a lidarem com a diversidade sexual. O Centro de Apoio e Solidariedade à Vida leva textos e vídeo sobre o que já foi discutido na área. "O professor fica assistindo para ver que não é um bicho de sete cabeças", disse Anselmo Figueiredo, diretor da ONG e coordenador do projeto.
Acompanhando uma dessas oficinas, a jornalista notou como é difícil tratar o tema com os adolescentes. "É possível uma pessoa nascer com pênis e se sentir mulher?", perguntou Anselmo a uma turma de 1o ano do ensino médio. Um aluno respondeu em voz alta: "Todo homem que gosta de homem se sente mulher!". E continuou em voz baixa: "O Henrique (o nome foi trocado) se sentia mulher…". O comentário foi seguido por risadinhas a seu redor.
Anselmo se referia a um colega que estudou na mesma sala. Gay assumido, Henrique foi cercado e agredido por dez alunos mais velhos no ano passado. Anselmo continuou: "Vamos repensar nosso comportamento. Por que homem não pode gostar de balé?". Os alunos responderam em coro: "Hummm…". O próprio Anselmo riu com os alunos. Segundo a matéria, ele sabe que apenas uma oficina não vai mudar a cabeça de ninguém. "Precisa de trabalho constante, cartazes, atividades e intervenção do professor quando o preconceito aparecer."
Foto: Rogério Cassimiro; Marcelo Min/Época