A estudante Maria Clara Araújo, travesti pernambucana que se tornou notícia após ser aprovada na primeira lista do Sisu, fez um manifesto nesta segunda-feira (2) pela igualdade em seu Facebook.
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Na imagem, registrada por Chico Ludermir, a estudante aparece levando um "trote da mãe, que se emociona e tira a sobrancelha da filha – a primeira da família a ser aprovada na Universidade Federal de Pernambuco.
"O que para ela é uma realização pessoal de mãe, que diga-se de passagem, sempre me incentivou a estudar, para mim, uma travesti negra, é uma conquista com imenso valor simbólico", escreve Mara Clara.
Confira o texto:
"Desde muito cedo, o âmbito educacional deixou o mais explicito possível suas dificuldades em compreender as particularidades de minha vida: aos 6 anos, desejando ser a Power Range Rosa , aos 13 usando lenços na cabeça, aos 18 implorando pelo meu nome social e, logo, o reconhecimento de minha identidade de gênero. Nenhuma foi atendida. Nenhuma foi levado a sério como algo que eu, enquanto um ser humano, preciso daquilo para me construir e ter minha subjetividade.
Se ontem a professora tirou a boneca de minha mão, hoje o Reitor diz não ter demanda para meu nome social. Eu existo! Nós existimos! As violências por conta de minha identidade sempre trouxeram retaliações em salas, corredores e banheiros durante toda minha permanência na escola. Lembro-me de, inúmeras vezes, minhas amigas entrando em rodas feitas por rapazes para me bater e tentarem me salvar. ''Para com isso! Deixa ela!'' Não era só comigo, mas fui a única que aguentei.
Vi, de pouco em pouco, outras possíveis travestis e transexuais desaparecendo daquele ambiente, porque ele nunca simbolizou um espaço de acolhimento, educação e aprendizagem. Mas sim de opressão, dor e rejeição. Uma vez encontrei na rua com uma das que estudou comigo. Eu voltava do curso, ela ia se prostituir. ''Mulher, o que tu ainda faz em lugares desse?'', ela me perguntou. Indignada, aliás. Ela me questionava com a testa franzida porque eu insistia em permanecer em um lugar que, cada vez mais, desmarcava que eu não era bem-vinda.
Quando fui? Os banheiros femininos estão com as portas fechadas, o nome nas cadernetas não pode ser alterado e os olhares de escárnio estão por todas as partes. De corredor à sala, de banheiro à secretaria. ''O que ela faz aqui?'', se perguntam diariamente ao me ver andando na luz do dia. Afinal, eu, enquanto travesti, devo ser uma figura noturna. Assim, sedimentando a posição que a sociedade me atribuiu: de sub-humana.
E quando falo isso, meus queridos, estou sendo o mais honesta que posso. Olhe ao seu redor! Quantas travestis e mulheres trans você se depara no seu dia a dia? Quantas estão na sua sala de aula? Quantas te atendem no supermercado? Quantas são suas médicas? Espere até as 23hrs. Procure a avenida mais próxima. As encontrará. Porque lá, embaixo do poste clareando a rua escura, é onde nós fomos condicionadas a estar por uma sociedade internalizadamente transfóbica.
Quando vi minha aprovação, foi uma alegria por eu ter tido uma conquista, mas para além disso, eu tive a consciência de forma imediata, que dentro de minhas perspectivas de vida, ver uma pessoa como eu em um espaço acadêmico é algo utópico. Até quando será? Até quando minhas irmãs irão ter que ser submetidas a essas condições de vida? Sem moradia, sem estudo, sem trabalho. Se prostituindo por 20 reais. Onde está a dignidade? Não somos iguais. Eu, travesti, não sou igual a você. Eu, travesti, além de ter batalhado por minha entrada, a partir de agora irei batalhar por minha permanência.
Optei por Pedagogia com a esperança de poder ser um diferencial. De finalmente pautar a busca por uma educação que nos liberta e não mais nos acorrente. A escolha é apenas uma: lutar ou lutar. E eu, Maria Clara Araújo, escolhi ser um símbolo de força. A revolução será travesti!