Morreu no sábado (03) o poeta paulistano Roberto Piva, aos 72 anos. Em tempos de falta de memória e de esquecimento geral sobre a cultura brasileira, vale lembrar e homenagear a obra deixada por Piva.
Ele foi um pioneiro da poesia marginal, underground e "maldita" na década de 60. Com o lançamento do livro "Paranoia", em 1963, inseriu-se na galeria dos jovens talentos da literatura nacional.
Os temas de suas obras variavam entre o mundo obscuro da noite, as relações "alternativas" – com detalhes muitas vezes homoeróticos – e a influência das grandes cidades e da vida urbana moderna.
A questão gay era presente na obra do poeta, mesmo que de forma subliminar – em plena época da ditadura militar, nos anos 60 e 70, ele conseguia abordar o assunto. Mas mais do que ser homoerótica, sua produção era notadamente erótica.
Tanto que ele assumia ser influenciado por outros autores que também abordavam as temáticas sexuais, eróticas e "tabus": Artaud, Rimbaud, Sade e Pasolini. Os elementos místicos, surrealistas e ligados ao xamanismo, gerando uma obra com um teor sagrado, também faziam parte de seu caldeirão.
Lançou livros hoje raros e clássicos, como "Abra os Olhos e Diga Ah!", em 1975, "Coxas", de 1979, e "Piazzas", de 1964. A partir de 2005, a Editora Globo relançou a obra completa de Piva, unificada em três volumes: "Um Estrangeiro na Legião", "Mala na Mão e Asas Pretas" e "Estranhos Sinais de Saturno".
Em 2006, tive a oportunidade de entrevistar Piva ao vivo. Fui a seu apartamento no bairro paulistano da Santa Cecília. Além de ser um homem extremamente gentil, educado e solícito, era possível perceber no local a enorme carga cultural e de vivências que se respirava ali.
Móveis antigos, milhares – sim, milhares – de livros, fotos envelhecidas espalhadas, desenhos psicodélicos pendurados em alguns cantos, e aquele clima misterioso que cerca os verdadeiros artistas.
A seguir trecho do poema "Beija-flor Badulaque":
"nus & feéricos/ olho no gatilho meia-lua/ nado esta manhã a favor da correnteza/ à deriva/ no miolo do furacão/ eu era uma Sibila entre os gonzos da linguagem/ Samba-Vírus/ exus nanicos carregando cabaças de pedra da lua no portal do meu ouvido/ cruzamento das Avenidas Assassinato & 69/ garoto-pombinha no balcão da lanchonete/ esperando o pernilongo da Morte/ estrelas rachadas gotejam leite dos deuses/ é com este que eu vou sambar até a Pradaria -Kamikase/ no trecho Belém-Brasília da Teogonia"