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Sair do armário com segurança: os direitos de crianças e adolescentes gays

Sair do armário pode até estar se tornando uma etapa cada vez menos difícil para gays que vivem nos grandes centros urbanos, mas ainda está longe de ser uma experiência fácil. Quem não conhece alguma história trágica de um amigo ou amiga que saiu do armário pros pais e sofreu muito depois? Não são "só" relatos de agressão psicológica, não. Há relatos de maus tratos dos mais horríveis, envolvendo desde agressões verbais até agressões físicas.
 
Tantas experiências que se repetem evidenciam que existe, dentro da comunidade LGBT, certo medo de sair do armário. E esse medo, convenhamos, não é infundado.
 
Segundo o Relatório de Violência Homofóbica da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, 61,16% das vítimas da homofobia têm entre 15 a 29 anos, idade em que a maior parte das pessoas ainda vive com os pais. O relatório indica, ainda, que a maior parte das agressões se deu dentro de casa (38,6% dos casos). Quer dizer, nós temos motivos, sim, para nos preocuparmos quando decidimos sair do armário.
 
Não existe apenas o medo da agressão física, há também o medo do abandono financeiro e de chantagens, afinal muitas crianças e adolescentes, além de não quererem perder seu nível de vida, não têm nem condições de trabalhar para ganhar o suficiente para viver – e nem deveriam ter esse tipo de preocupação. 
 
Às vezes, crianças e adolescentes gays podem até dar a sorte de ter pais acolhedores. Mas como ficam aqueles que são desamparados? Será que os pais podem mesmo fazer o que quiserem sem nenhuma punição? Com certeza, a resposta é não!
 
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, em seu artigoS 3º e 4º, que todas as crianças e todos os adolescentes são pessoas dignas de direitos e de respeito, cabendo à família, à sociedade e ao Estado garantir que elas serão respeitadas, sendo vedadas todas as formas de discriminação (artigo 5º).
 
Isso significa que crianças e adolescentes não podem ser discriminados por seus pais. Se sofrerem qualquer tipo de violência ou ameaça (psicológica, verbal ou física), podem procurar o Conselho Tutelar do seu bairro (clique aqui para conferir a lista dos que existem em São Paulo), que, por sua vez, deve instaurar uma investigação sobre a denúncia, com ajuda do Ministério Público. Se o juiz do caso entender que a criança ou adolescente está em risco na sua família biológica (isto é, onde nasceu), ela (a criança) poderá ser afastada da mesma (família biológica) e colocada, por meio do Programa de Acolhimento Familiar, numa família temporária.
 
A idéia não é desunir a família, mas, acima de tudo, garantir que a criança ou o adolescente estarão a salvo de discriminação, até que se perceba que há condições para seu retorno para casa.
 
No caso de jovens maiores de idade sofrendo chantagem dos pais (que dizem que vão parar de pagar mesada, faculdade, etc.), é possível também entrar com ação de alimentos, em que o juiz obriga os pais ou responsáveis a pagar uma pensão mensal. O valor será fixado de acordo com as necessidades comprovadas da pessoa e as condições financeiras dos pais.
 
Uma novidade é também a indenização por abandono afetivo. Caso o pai ou a mãe abandone seu filho ou filha – como fazem alguns pais quando os filhos saem do armário -, pode ser cobrada indenização. Em 2012, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça concedeu uma indenização no valor de R$ 200.000,00 num caso em que um pai abandonou sua filha material e afetivamente (Recurso Especial 1.159.242/SP).
 
É claro que apelar para o direito nunca deve ser a primeira opção, mas é sempre importante conhecer seus direitos. Pais – ou os responsáveis legais – não são donos dos seus filhos e, por isso, não podem agir como quiserem com eles, discriminando por exemplo. Uma boa conversa, com muita paciência, pode desarmá-los de todos os medos e preconceitos. Quando o diálogo falha, porém, não deixe de procurar um advogado.
 
Thales Coimbra é advogado especialista em direito LGBT (OAB/SP 346.804); graduou-se na Faculdade de Direito da USP, onde cursa hoje mestrado na área de filosofia do direito sobre discurso de ódio homofóbico; também fundou e atualmente coordena o Geds – Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade da Faculdade de Direito da USP; e escreve quinzenalmente sobre Direitos nos portais A Capa e Gay Brasil. www.rosancoimbra.com.br/direitolgbt

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