Depois dos milhares de casos que vieram à tona sobre suspeita de abusos sexuais a menores por padres, o Vaticano divulgou ontem suas diretrizes internas de como irão lidar com o tema. Entre elas, o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, declarou que a pedofilia não tem ligação com o celibato e sim com a homossexualidade.
"Muitos psicólogos e psiquiatras demonstraram que não há relação entre celibato e pedofilia, mas muitos outros demonstraram que há entre homossexualidade e pedofilia", disse o cardeal em entrevista coletiva em Santiago. O suíço Hans Küng, teólogo renomado, afirma que o celibato é uma das razões para que casos de pedofilia aconteçam na igreja.
Para o religioso, "essa patologia [pedofilia] aparece em todos os tipos de pessoas e, nos padres, em um grau menor em termos percentuais".
Publicado no ano passado, um relatório da Igreja Católica na Irlanda apontou que cerca de 15 mil crianças sofreram abusos sexuais por padres e religiosos entre os anos 30 e 90. "O comportamento dos padres, nesses casos, é negativo, é grave e é escandaloso", afirmou o cardeal.
Recentemente, uma linha telefônica foi criada na Alemanha para denunciar casos de abusos na igreja. Em uma semana, foram registradas quase 15 mil ligações. Tal medida foi adotada após surgirem boatos de que o Vaticano acobertava casos de pedofilia por padres, demonstrando omissão na hora de julgar e afastar os suspeitos.
O papa Bento 16 chegou a divulgar uma carta aos fiéis afirmando que os culpados deveriam "responder diante de Deus, assim como diante de tribunais devidamente constituídos".
No site do Vaticano, onde foram publicadas as diretrizes, a Santa Fé determina que casos com suspeitas sejam tratados pela Justiça canônica e levados aos tribunais civis. "A diocese local investiga todas as alegações de abuso sexual de um menor por um clérigo", afirma o texto. "Se a alegação tem traços de verdade, o caso é levado à Congregação para a Doutrina da Fé (…) A lei civil relativa à comunicação de crimes às devidas autoridades deve sempre ser seguida."
Em resposta às declarações do cardeal Tarcisio Bertone, a ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – divulgou nota oficial em que afirma que tal atitude de relacionar a pedofilia à homossexualidade "não passa de uma tentativa de desviar a atenção do problema maior que se prolifera dentro do seio da Igreja Católica, o qual deve – sim – ser explicado e esclarecido para a sociedade em geral."
Leia abaixo a nota na íntegra:
NOTA OFICIAL DA ABGLT SOBRE DECLARAÇÕES DO VATICANO REFERENTES À HOMOSSEXUALIDADE
A ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – é uma entidade de abrangência nacional, fundada em 1995, que congrega 237 organizações congêneres e tem como objetivo a defesa e promoção da cidadania desses segmentos da população. A ABGLT também é atuante internacionalmente e tem status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas.
Diante da declaração do Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, que afirmou nesta segunda-feira (12/04/2010) que é o “homossexualismo” (sic), e não o celibato, que deve ser relacionada à pedofilia, a ABGLT vem a público se manifestar:
A ABGLT deixa claro no seu estatuto que é contra a pedofilia, seja ela praticada por pessoas de qualquer orientação sexual ou identidade de gênero, heterossexuais ou homossexuais. A ABGLT, no seu primeiro Congresso, realizado de 20 a 24 de janeiro de 2005, em Curitiba, Paraná, Brasil, deliberou pela defesa e garantia do estado laico e contra a exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes. A ABGLT entende que a pedofilia é um transtorno, conforme a Classificação Internacional de Doenças 10 – F65.4: 302.2, e que o abuso sexual de crianças e adolescentes é crime. A ABGLT mantém uma campanha permanente contra a pedofilia e o abuso sexual de crianças e adolescentes: http://www.abglt.org.br/port/luta_pedofilia.php.
Diversos estudos sobre a pedofilia e sobre o abuso sexual de crianças e adolescentes apontam que a maioria destes crimes é perpetrada por heterossexuais, sem que isto signifique que a heterossexualidade cause a pedofilia. As questões relacionadas à pedofilia propriamente dita são muita complexas e não podem se reduzir a tão simplista diferenciação baseada na orientação sexual dos agressores. O que surge de fato como tendência nos estudos é que os crimes são praticados especialmente por pessoas que têm proximidade, exercem autoridade e possuem confiança em relação às crianças e aos adolescentes, como pais, familiares, religiosos;
A ABGLT não aceita esta provocação do Vaticano contra as pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT, que não passa de uma tentativa de desviar a atenção do problema maior que se prolifera dentro do seio da Igreja Católica, o qual deve – sim – ser explicado e esclarecido para a sociedade em geral;
A ABGLT defende um Estado Laico e entende que a liberdade religiosa não garante ao Vaticano o direito de julgar com suas próprias leis os seus pares que abusam de crianças e adolescentes. A ABGLT entende que religiosos que cometam crimes de abuso sexual de crianças e adolescentes, além de ter o devido acompanhamento dos serviços de saúde, devem ser submetidos às penas previstas pela lei secular, assim como o restante da população. Assim, a ABGLT se soma às demais instituições de direitos humanos e pede que o Vaticano se explique sobre estes crimes cometidos por sacerdotes católicos, e que não culpe de forma irresponsável a comunidade LGBT;
A ABGLT, diferente dos setores fundamentalistas religiosos, defende a educação sexual para crianças e adolescentes, de tal modo que aprendam a ter autonomia sobre seu corpo, e a se proteger e denunciar abusos dentro de casa, nas igrejas e em qualquer outro lugar;
A ABGLT convoca as organizações profissionais, de direitos humanos e LGBT, nacionais e internacionais, a se pronunciarem sobre o assunto;
A ABGLT espera que o Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, tenha o mínimo de respeito para as famílias das crianças abusadas por padres e bispos da Igreja Católica, e que, ao invés de jogar a culpa de seus escândalos para a comunidade homossexual, reflita sobre o passado e o mal que historicamente a Igreja tem feito aos negros, deficientes, mulheres, judeus, ciganos, homossexuais e crianças e adolescentes em todo o mundo. Será que futuramente a Igreja vai pedir perdão também aos homossexuais por mais este erro que está cometendo agora?
Viva o Estado Laico. Pelo direito da Educação Sexual de crianças e adolescentes, pela punição (conforme as leis seculares) de religiosos que abusam sexualmente de crianças e adolescentes, por uma nova Igreja que respeite os direitos humanos de todos os cidadãos e todas as cidadãs, sem distinção de qualquer natureza.
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais