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“Sei que sou um produto”, diz cover gay de Xuxa que anima motoristas cariocas

Nada de vendedores ambulantes, ceguinhos pedintes, pivetes ou mulheres com crianças de colo. Quando o sinal de trânsito fica vermelho para os carros em algum cruzamento qualquer do Rio de Janeiro é Xuxa quem entra em cena. A partir daí, acende o sinal verde para uma performance tosca e hilária de menos de um minuto com os passos mais famosos da apresentadora. Terminada a coreografia e feito o sinal da paz, restam poucos segundos para pegar a canequinha rosa e tentar arrecadar uma quantia qualquer dos motoristas mais simpáticos.

Xuxa, ou melhor "Xoxa", na verdade, é o artista de rua Ivy de Almeida, de 19 anos. "Comecei ainda pequeno, porque precisava de grana. Fui para o sinal fazer o que sabia: dançar. Depois, criei personagens e, há dois anos, estou com a Xoxa", diz o jovem que ainda não terminou o ensino médio. Ex-morador de Bangu, bairro pobre da Zona Oeste do Rio, Ivy atualmente vive no Centro num quarto alugado desde que saiu de casa por causa de brigas com a família conservadora. Apesar de ser gay "desde nascença", o motivo maior que o levou a tomar essa atitude foi a descrença dos pais de que poderia vencer na vida sendo artista. "Eles acham que só pode ser famoso quem é bonito ou tem grana", diz frustrado o cover, filho do funcionário de uma empresa de produtos em conserva.

Competição acirrada
Engana-se, no entanto, quem pensa que Ivy tem algum emprego paralelo ao de Xoxa. Apesar de dar aulas de balé uma vez por semana, é das ruas de onde tira o sustento. "Faz um ano que sou professor, já fiz figuração, mas nunca tive emprego com carteira assinada", revela. Como trabalha direto nas ruas, Ivy mal tem tempo para comer. "Não dá pra almoçar em shopping, porque é caro. Também não vou ao banheiro, porque se eu sair os artistas argentinos tomam conta", reclama. Em dias normais, ele faz performances em Copacabana e nos arredores do Maracanã apenas à tarde. Já nos fins de semana, quando há mais movimento, ele acorda às 7h e passa o dia no sinal em frente a um grande shopping na Barra da Tijuca. "Vou embora quando consigo R$50. Aos Sábados e domingos, costumo ganhar mais", diz.

 Apesar disso, Ivy não soube dizer quanto arrecada por mês. "Não conto o dinheiro, sou compulsivo e gasto muito". Quando está doente ele pede esmola nas ruas, vestido de palhaço. "Nessas horas, não uso a roupa da Xoxa, porque ela é branquinha e pode sujar", conta o jovem, que já fez show na boate Le Boy e vez ou outra é convidado para trabalhar em festas. Algumas delas, nem tão infantis. "Às vezes me param para perguntar se faço animação e dou o telefone. Quando ligam, elas querem besteira", diz. Mesmo recebendo diversas cantadas, Xoxa, ou melhor, Ivy, está solteiro e diz nunca ter namorado um fã. "Já tive relacionamentos sérios, mas trabalho tanto que não tenho tempo".

Xoxa encontra Xuxa
A produção do figurino – peruca loira, jaleco branco desenhado, bota branca e uma meia arrastão vermelha – é própria. "Não tem graça comprar nas lojas uma fantasia que todos têm", justifica. Como é seu ganha-pão, Ivy passa boa parte do tempo à caráter. Sai e volta para casa vestido de Xoxa e praticamente não anda "à paisana". Com isso é mais personagem do que ele próprio. Fato comprovado pelo repórter: durante toda entrevista, Ivy falou com voz feminina, a qual não se desvencilhava e dizia ser parecida com a de Xuxa. "Não consigo sair do personagem nem falar grosso vestido assim de mulher", revelou.

A admiração pela rainha dos baixinhos começou na infância. Ivy nunca foi ao programa de Xuxa, mas já a encontrou em duas ocasiões: no Maracanã, durante festa com Papai Noel, e no próprio sinal onde trabalha. "Ela estava no terceiro carro. Só reconheci quando abaixou o vidro. Xuxa riu e deu R$20. Dizem que é difícil reconhecê-la, porque sempre coloca peruca preta e óculos escuros", especula. Outra personalidade que o artista encontrou foi a rainha do Pop, Madonna. Ele conta que foi reconhecido por ela em sua última visita ao país. "Eu estava em frente ao Copacabana Palace com a roupa da Xoxa, quando ela apareceu na janela. Fiz um escândalo e cantei ‘Like a Virgin’. Madonna não acenou para ninguém, saiu e depois voltou apontando para mim", orgulha-se.

Grosserias também fazem parte do show. O sucesso da personagem é tanto que durante o pouco tempo em que acompanhamos seu trabalho, vários motoristas buzinaram e gritaram desde  pequenas gracinhas até palavrões. "Eu não ligo se me xingam na rua, porque não devo nada a ninguém. Mas, quando estou no sinal trabalhando, fico bravo. As pessoas me devem respeito", desabafa o artista que defende ainda que nem todos o insultam por maldade. "Às vezes, querem atenção", supõe. Exemplo disso foi o caso de grosseria envolvendo um ator conhecido. "Eu cheguei perto daquele gordo do Zorra Total, perguntando se tinha alguma moeda, porque ele era da Globo. Ele não deu nada, disse que eu ia passar a vida inteira no sinal e depois mostrou o dedo. Antes que fosse embora, cuspi de leve no vidro, porque não sei cuspir como homem. Mas quero encontrá-lo de novo para terminar esse assunto", diz.

Por conta de situações como essa, não é sempre que ele se propõe – ou se anima – a dançar. "Se eu vejo a cara da pessoa e ela não quer, não faço o show. Quando sei que não vou ganhar nem perco tempo. É que nem camelô: tem gente que passa e não compra. Então, ele não vai atender aquela pessoa. Eu sei que sou um produto. Não danço à toa". Para espantar a timidez quando se apresenta, Xoxa imagina estar cantando para um público enorme e procura olhar para o "além", sem encarar os motoristas. "A pessoa às vezes fecham o vidro ou fingem que estão lendo. Só olho para quem está está animado e me chama".
 
Apesar dos mau-humorados, em geral as pessoas são bastante receptivas, incluindo um certo público infantil. "Tem criança que pensa que eu sou a Xuxa verdadeira. Uma vez uma mulher deu dinheiro e pediu para o filho acenar para mim. Ele falou que eu era muito feia e começou a chorar", conta aos risos. Entre outros apuros que passou por trabalhar na rua, Ivy diz que já foi assaltada pelos próprios "colegas" de trabalho. "Um garoto que jogava malabares ganhou a minha confiança, ficou do meu lado conversando e depois, quando fui dançar, pegou o dinheiro da minha caneca e fugiu. Eu não esperava", decepciona-se.


 
Popularidade em alta
Desde que começou a trabalhar nas ruas, Ivy já saiu em diversos jornais – tanto alternativos quanto os maiores. Minutos depois de A Capa ter realizado a entrevista, jornalistas de O Globo chegaram para fazer um perfil do artista, que deverá sair em breve na revista de domingo. Mas nem todas as matérias agradam, segundo relatou Xoxa.

"Uma vez publicaram que eu era uma travesti que ganhava dinheiro em sinal. Eu estou como artista, não estou como travesti". Ivy já participou ainda de paradas gays que, segundo ele, ajudam a diminuir o preconceito para quem é "de fora". "Sempre penso em ir com alguma coisa diferente, mas é uma época em que estou sem grana. Mesmo assim sempre sou muito fotografado".

Em breve, Xoxa deve se transformar em outro personagem. "Estou pensando em fazer uma sátira da Madonna. Ainda estou em dúvida se faço a Mamadona ou a Queimadona. Queria me pintar de preto e pôr uma peruca l

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