Tenho refletido muito sobre “ser mulher”. Numa época onde nós lésbicas estamos lutando pela nossa cidadania plena, às vezes nos esquecemos que somos mulheres e o que ser mulher significa nesta sociedade.
Entre os dias 5 e 8 de junho, aconteceu em Brasília a I Conferência Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais e lá muito se falou de gênero, do feminino, da visibilidade lésbica e eu retornei do evento com uma dúvida: O que é ser mulher?
Se eu fizesse uma enquete e questionasse as leitoras sobre o que é ser mulher, muitas das respostas seriam: “Ser mulher é não ter vergonha de chorar por amor”, “Ser mulher é ser mãe dos seus filhos e dos filhos dos outros e amá-los igualmente”, e quantas outras respostas viriam reforçando o lado emotivo, materno, sensível, entre outros adjetivos?
E é nesse sentido que quero convidar as leitoras a pensar comigo sobre como nos construímos mulher nesta sociedade. A partir de quais exemplos nos dizem como devemos ser mulheres e o que devemos fazer.
Quais destas características que nos ensinaram sobre o ser mulher faz parte de mim? E quais delas fazem parte de todas nós? Não me vejo uma mulher sensível, mas uso minha sensibilidade para me ajudar a tomar a decisão certa. Não me vejo uma mulher chorona, mas choro para expressar meus sentimentos e emoções. Não me vejo como uma mãe zelosa, mas cuido de quem amo e zelo por todas as pessoas que me são caras. Não sou fraca, mas não temo o fracasso porque é dele que vêm as vitórias. Será por tudo isso que sou mulher? Será que o que me faz mulher é não temer expor meus sentimentos? Não ter medo das derrotas? Não ter vergonha de chorar?
Simone de Beauvoir, que neste ano completaria 100 anos, dizia: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Essa frase, claro, era voltada ao contexto cotidiano das mulheres dos anos 50 que tinham que se virar para sobreviver às regras impostas pela sociedade naquela época. Mas o que mudou de lá para cá? Nós podemos hoje escolher com quem casar, podemos trabalhar fora, exercer a sexualidade sem tanta cobrança, entre outras coisas, mas é isso que nos faz mulher?
Não, ser mulher é ter que aprender a não ser homem. Acredito que o que me faz mulher é não reproduzir os valores do mundo machista que fomos criadas, é crer que não há certo ou errado, mas há várias certezas e formas de se fazer direito. É acreditar que o que me faz mulher não é ter uma vagina, mas é não ter atitudes que desqualifiquem as pessoas pelo o que elas são ou pelo o que elas não conseguem ser, é não ter atitudes que hierarquizam as pessoas como se umas fossem melhores que as outras.
Contudo, é preciso esclarecer que ser mulher ou homem nesta sociedade é cumprir papéis pré-estabelecidos como personagens de um filme, como se todas as nossas atitudes fizessem parte de um script, que vez ou outra alguém ousasse em fazer diferente.
Quem dera um dia vivêssemos em uma sociedade onde todas e todos ousassem viver diferente daquilo que nos esperam ser. Quem dera um dia vivêssemos em uma sociedade onde todas e todos enchessem sua vida de improvisos. Quem dera um dia, todas e todos, pudessem ser homens ou mulheres por atitude, pelo sentir-se, pelo identificar-se, pelo afinar-se. Quem dera um dia o que nos fizesse ser iguais, seria o fato de que somos todas e todos diferentes sem que as diferenças nos marcassem.
Isso me faz refletir que ser mulher não é reproduzir um papel escrito pela sociedade e, sim, ter atitude, ser diferente e ser ousada. Ser mulher é ter a certeza que tudo aquilo que a sociedade desqualifica no feminino me faz ainda melhor.
* Irina Bacci nasceu com vagina, se construiu mulher e ama as mulheres.