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Sobre sexo, príncipes e relações

Diálogo 1
– Encontrei um cara bonito, foi divertido conversar com ele, me pareceu ser inteligente, rolou uma química bem legal, uma vontade de ver de novo, mas…
– Mas?
– Mas ele não presta!
– Como assim?
– É, não presta… é putão, já pegou todo mundo, acredita que ele nem tem vergonha de dizer que adora sexo? Parei de responder as mensagens dele e depois de um tempo ele parou de mandar mensagens. Queria alguém sério, sabe?
 
Diálogo 2
– Conheci um cara por um aplicativo e foi um encontro muito bom!
– Que ótimo! E aí, quando vão se ver de novo?
– Não vou encontrar com ele de novo, não! Está louco? Esse povo de aplicativo não quer nada com nada, foi só sexo mesmo. Ele até mandou mensagem depois, mas nem respondi. Queria encontrar alguém sério, pra relacionamento tem que ser alguém que não fique nesses aplicativos da vida se mostrando!
 
Estes diálogos fictícios são um mesclado de diversas histórias que já ouvi tanto na clínica quanto de conhecidos. A ideia da coluna desta semana veio destas várias histórias.
O que chama a atenção aqui é a valorização (nestes casos, a desvalorização) do outro.

Ao detectar neste outro alguém que gosta e pratica sexo por prazer que não está intimamente conectado ao amor romântico, uma série de significados são atribuídos: se a pessoa gosta de sexo então não presta, não vai levar nenhum relacionamento a sério, não respeita o próprio corpo, não dá valor a relacionamentos e, portanto, qualquer investimento afetivo nela é obviamente um investimento perdido, que nada trará de bom.

Este outro serve pro prazer sexual e nada mais. E a buscar por alguém “sério” continua.
 

A esta altura do texto acredito que boa parte dos leitores pode já ter reconhecido a velha e tradicional ideia muito presente no mundo heterossexual masculino: de um lado existe mulher pra casar e do outro, mulher pra trepar. 
 
É interessante notar o quanto ideias, visões de mundo e valores morais são reproduzidos tanto por heterossexuais quanto pelos LGBTTs apenas sob véus ligeiramente diferentes. A cultura e a linguagem que nos banha desde nossos primórdios de vida afeta a todos, ainda que de diferentes maneiras para cada pessoa.
 
E a verdade, onde está?
 
Ora, a verdade é que só é possível saber daquela pessoa específica conhecendo-a. Qualquer a priori é, necessariamente, uma suposição, um “eu acho”.
 
O campo amoroso não é um campo de certezas: nós humanos precisamos buscar fora do círculo familiar por parceiros(as) afetivo-sexuais, ou seja, a sexualidade humana é necessária e intrinsecamente social, apesar de adorarmos acreditar que é algo reservado e restrito ao âmbito íntimo. É preciso, portanto, buscar por parceiros fora do que é conhecido, lá onde as possibilidades de ser e existir são inúmeras, reino das possibilidades e da diversidade, mas também das incertezas e do desconhecido. 
 
É aí onde entram os valores sociais: para avaliar um possível parceiro(a) sexual e amoroso lançamos mão também do que é considerado de valor no campo social: esta outra pessoa detém as características desejáveis? É alguém com quem terei orgulho de estar perante amigos e família?
 
O que direi pros meus amigos sobre como conheci meu namorado(a)? Estas perguntas que clamam por respostas “bonitas” vem de discursos sociais que supostamente dariam uma segurança, funcionando como parâmetros claros e precisos que, caso sejam seguidos a risca, trarão resultados confiáveis!
 
A escolha do parceiro(a) amoroso será acertada e, portanto, a felicidade será finalmente alcançada sem grandes sobressaltos, sustos ou incertezas!
 
É o tal do relacionamento sério com alguém que mesmo tendo se guardado a vida inteira pra você ainda assim é um expert na cama e te fará gozar loucamente. Senão a busca pelo príncipe sério vai continuar. Afinal, mesmo estes discursos sociais dizendo que sexo sem amor é uma falta (de caráter, de respeito, de cuidado, de comprometimento, etc.) poucos são aqueles que não desejam um parceiro(a) amoroso que satisfaça sexualmente.
 
Outra saída além do príncipe sério que se guardou a vida toda é a de que os pretendentes a relacionamento escondam sua vida sexual prévia, às vezes até mesmo às custas de criticar outras pessoas por sua vida sexual, fazendo assim uma certa pose de bom-moço que, no fundo, ambos sabem se tratar de apenas uma pose.
 
Diante destas duas saídas e retomando os dois diálogos do início, uma pergunta que pode ser feita na sequência é: 
 
– E o que você faz com tudo o que você sentiu, com seus desejos, com o seu próprio querer-mais desta outra pessoa que despertou isto em você? 
 
 
 

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