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Solange, Tô Aberta

“Solange, Tô Aberta”, formada pelos baianos Paulo Fraga, 22, e Pedro Costa, 29, pode ser considerada a banda queer mais original dos últimos tempos. Deliciosamente divertidas e absurdamente assumidas, as músicas da dupla versam invariavelmente sobre homossexualidade e identidade de gênero, sempre com boas doses de irreverência e humor.

O louro de todo o sucesso alcançado, as arreganhadas Solanges já vêm colhendo há algum tempo. Este ano, a banda foi a única da América Latina a ser convidada a participar do X Queeruption, que aconteceu em Vancouver, no Canadá, no início de agosto. A falta de patrocínio, porém, impediu que ela se apresentasse no festival.

Em entrevista ao Dykerama.com, as Solanges falam sobre os novos rumos que pretendem dar à carreira no ano que vem. Entre os planos está a gravação de seu primeiro clipe, “Respeito às Travestis”, resultado de uma parceria entre a dupla e a Atrac (Associação das Travestis do Ceará), e a participação em festivais gays na Europa e Estados Unidos.

Definindo-se como uma banda que faz apologia ao travestismo e contra a heteronormatividade, as Solanges pretendem subverter a ordem e fortificar o movimento queer no país. Leia abaixo a entrevista na íntegra.

Quem são as Solanges? Como e quando nasceu a dupla? Como vocês se definem?
Quem são as Solanges? Esse eco ficará perdurando durante muito tempo (risos). A dupla nasceu em 2006 quando estávamos morando em Salvador e tivemos o desejo de montar uma banda. Inicialmente seria uma banda básica com músicos, letras cheias de poesia e todas essas chatices e conceitos que a gente vê por aí… Mas, felizmente, o deus gay nos salvou!

A Solange fez um ano recentemente e uma coisa que aprendemos com esse tempo é que defini-la se torna cada vez mais impossível. O que falamos é que somos um duo queer e achamos que isso resume bem. Mas buscar uma definição é algo que não faz parte dos nossos planos, nós adoramos um borrão!

Vocês brincam e abusam dos estereótipos mais divertidos do universo gay, tanto no visual quanto em suas músicas. O que há de mais desafiador no seu trabalho? Conquistar quem não se identifica nenhum pouco com essa cultura ou o próprio público gay?
O mais desafiador é a crítica ao projeto heteronormativo. É saber se o riso do público é um riso subversivo, ou seja, um riso que faz pensar nas identidades (sexuais e de gênero) como construções sócio-históricas e não como algo “natural”. Pensar como normas que aceitam uns e excluem muitas/os.

Não temos a pretensão de conquistar o público tal e tal. Mas, quem fizer parte dessas tribos e não se identificar totalmente com elas (que é nosso caso) vai curtir nosso trabalho, vai se identificar como queers, como corpos sexy e como corpos inconformados. Sair da invisibilidade e da culpa para dar visibilidade e poder a esses corpos que podem ter como desejo fundante a homossexualidade ou não. Na verdade, gostamos de explodir categorias (risos).

Nossas principais intenções são expor, contestar e criticar. Então, quem for mal resolvido, travadinho e reprimido vai se sentir muito incomodado ouvindo nossas músicas ou vendo nosso show. Isso pra gente é gratificante porque nascemos para incomodar os caretas e para fazer os loucos gozarem!

Quando dizem que não gostam do nosso trabalho ou publicam alguma opinião pejorativa a nosso respeito, fazemos questão de ler só pra rir do discurso homofóbico, conservador, heteronormativo e machista que as pessoas usam pra expressar suas opiniões. O mais engraçado é que esse povo se rotula como “moderno”… devem comprar modernidade paraguaia na farmácia! Mas continuem falando mal da gente, queridos, é uma ótima inspiração para as nossas letras e sinal de que estamos cumprindo bem nosso papel de incomodar a quem merece!

Vocês foram a única banda latina a ser convidada a participar do X Queeruption, no Canadá. Mas não conseguiram as passagens. Ainda há muita dificuldade em ser uma banda independente no Brasil? Como quebrar esse preconceito, se jogar no mainstream sem se deixar “corromper” pelo mercado?
Achamos que há dificuldade em ser independente em qualquer sentido no Brasil, não só na área musical. O mais interessante é que, de todos os contatos oficiais que fizemos no Brasil e no Canadá, apenas o Consulado do Canadá respondeu. Será que isso indica algo?

O Queeruption não disponibilizou as passagens porque é um evento realizado coletivamente e autônomo, por várias pessoas e grupos internacionais. Bem, se não questionarmos o nosso pensamento de um país que foi/é colônia, não conseguiremos ter espaço, pois a dependência a aprovação do colonizador ainda é muito forte. Ok, tudo bem, e se tivéssemos ido ao Canadá? Quando voltássemos ao Brasil seríamos vistos como uma banda realmente que merece ser convidada pra fazer mil shows em mil lugares e dignos de um cachê e de passagens? Não sabemos…

O mainstream que pretendemos circular é o queer. São os de festivais, é o de conhecer pessoas olho no olho, de fazer e reforçar contatos, de trocar experiências e fazer trabalhos com coletivos de artistas. E, nesse sentido, não nos preocupamos em nos corromper.

O pessoal do Queeruption (que depois ficamos sabendo que eles são super fechados e exigentes nas atrações do evento) ficaram muito surpresos e empolgados com a existência das Solanges aqui no Brasil. Aí acabamos entendendo que o movimento queer é visível nos EUA, Canadá, alguns países da Europa e Austrália. Mas que na América do Sul, África, Ásia e outros lugares não há visibilidade queer. E então, a cada experiência e contato, vemos a importância de um movimento queer no Brasil, um movimento que questione comportamentos, discursos e sexualidades de forma radical.

No ano que vem o festival pode acontecer em algum país da América Latina. Quais são as chances de vocês participarem desta vez?
Dessa vez são bem maiores. Haverá tempo para nos organizarmos e conseguir as passagens. Será um imenso prazer participar do Queeruption! (risos).

Falem um pouco da importância de terem participado do festival “Queer Punk Queer Funk”, em Salvador. Como foi a experiência?
Foi o primeiro festival queer do Norte e Nordeste e foi incrível! Além dos shows, rolaram debates, exposições e vídeos. Nesse festival fizemos um dos nossos melhores shows até hoje! Foi lindo ver tanta gente jovem a fim de se informar e trocar conhecimentos sobre sexualidades. O pessoal da organização é muito bem informado tanto teoricamente quanto em atitude. O mais interessante é que a grande maioria do público era composta por rapazes heterossexuais, e eles dançaram enlouquecidamente do começo ao fim do nosso show! Ver todo mundo se divertindo junto, numa boa, com muito respeito e consciência, foi emocionante e inesquecível!

Como vocês pretendem fortalecer o movimento queer no Brasil? É possível construir uma música com identidade puramente gay?
Colaborando com eventos autônomos queer como o Queer Fest em São Paulo, o Queer Punk Queer Funk em Salvador e mais uns tantos que estamos em parceria para fomentar. Realizamos nossas pesquisas individuais que são circuladas nesses eventos também. E fazemos contatos com grupos queers e trans internacionais.

Bem, gay e queer são coisas diferentes. Gay pode ser apenas uma identidade odiada por muitos outros gays como a bicha afetada afeminada bambi e, nesse sentido, essa pessoa pode ser queer. O gay é queer quando diz que a heterossexualidade compulsória é uma falácia, é uma invenção que serve a um dono. E o gay é um desserviço quando reproduz comportamentos heterossexistas em suas relações e não se flagra.
Nem sempre todo gay é radical, politicamente. Há muitos gays no armário. Por quê? Medo da exclusão, de perder o emprego, de sofrer violência, de ser morto. Por quê? Porque a única forma de sobreviver é compartilhar dos valores e comportamento do binarismo que constitui a heteronormatividade e aceitar e reproduzir o falocentrismo em algum nível. Mas só há essa forma de sobreviver? Não, obviamente. E por isso existimos, para ajudar a ampliar esses espaços de sobrevivência.
Ah, uma identidade “puramente gay” não existe, assim como uma identidade “puramente hétero”, tampouco. Tudo é criado, inventado, reproduzido. A quem serve isso? E acaba se tornando algo “natural”, mas não é! Nenhuma identidade é natural. Mas são, sim, naturalizadas.

Quais são os planos para 2008? Na agenda já estão confirmadas participações no II QueerFest, em São Paulo, e um evento em Vitória, é isso?
Nós estamos agendando alguns shows pelo Brasil e a partir do segundo semestre pretendemos viajar por alguns países. Algumas cidades como São Paulo, Aracajú, Salvador e Natal já estão confirmadas…

Aqui no Brasil nossa intenção é apoiar e participar de eventos que sigam a linha de Queer Fest e do Queer Punk Queer Funk, pois esses eventos abrem espaço para temas muito importantes e ainda pouco discutidos, além de proporcionar trocas de informações e principalmente exercitar o respeito e a convivência.

E novas músicas? Alguma está no forno?
Várias, mas só para o próximo ano. Podemos adiantar os nomes de algumas: “Homofobia Materna”, “Vem dançar no matagal”, “Vodka com sangue de menstruação”, “Afeminado não”, “Queer sexy”, “Na casa do caralho”, “Dama de Pau” e muitas outras!

Como tem sido a repercussão da música das Solanges no mercado internacional?
Já temos um público bem bacana em alguns lugares tipo Estados Unidos, Europa e Austrália… No nosso Myspace todos os dias recebemos mensagens de pessoas elogiando nosso trabalho e dizendo que estão ansiosas para ver nossa performance ao vivo.

Também recebemos algumas propostas de gravadoras e produtores da Europa e dos Estados Unidos. Estamos estudando e negociando tudo com muita calma, para não nos metermos em enrascadas… (risos).

Também em 2008, vocês estão programando lançar o primeiro clipe independente, “Respeito às Travestis”. Como será feito esse trabalho?
O clipe é resultado de uma parceria entre as Solanges e a Atrac (Associação das Travestis do Ceará). Parte do clipe foi gravado com as travestis da Atrac em Fortaleza e outra parte num espaço chamado Casa MUV, em Salvador (onde rolou o Queer Punk Queer Funk).

Esse trabalho foi realizado através de parcerias com amigos queridos e será lançado em janeiro de 2008 na Casa Muv, claro! (risos).

Com tantos planos assim, pelo jeito as Solanges estarão beeeeem abertas no ano que vem, não?
Abertas? É pouco! Estaremos arreganhaaaaadas! (risos).

:: Mais sobre a dupla: www.myspace.com/solangetoaberta e www.fotolog.com/solangetoaberta

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