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“Sou uma realidade brasileira em que se plantando dá”, diz Rogéria

Depois de ganhar três prêmios Shell, cinco APTR (Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro) e ser assistido por 40 mil pessoas no Rio de Janeiro durante os quase dois anos em que ficou em cartaz, estreia hoje em São Paulo, no teatro Sérgio Cardoso, o espetáculo “7 – O Músical”.

Assinada por Charles Möeller e Claudio Botelho, a montagem conta com composições de Ed Motta e tem como protagonistas Alessandra Maestrini,  Zezé Motta e Rogéria. O espetáculo promete desconstruir a história de Branca de Neve, e conta com a travesti mais famosa do Brasil no papel da madastra.

“Eu faço a Dona Odete, a dona de um bordel. Me sinto uma cafetina preparando uma cilada, mas ao mesmo tempo me sinto a madrasta da Branca de Neve.[…] Ela é má porque joga com o tempo”, explica Rogéria em entrevista ao site A Capa na última segunda-feira (13/04), durante os ensaios e coletiva de imprensa da apresentação.

A história de ‘7 …’ narra a saga de Amélia (Alessandra Maestrini), mulher que se submete a sete pedidos de uma cartomante, Carmem dos Baralhos (Zezé Motta), no intuito de trazer seu marido de volta. Para cumprir a sétima e mais complicada tarefa, ela vai parar no bordel de Dona Odete (Rogéria), onde se envolve com o jovem Álvaro (Pedro Sol) e sofre nas mãos de outras funcionárias do local.

Leia a seguir a primeira parte da entrevista, a segunda parte da conversa com Rogéria será publicada na edição #22 da revista A Capa, que começa a circular em São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Curitiba e Belo Horizonte na primeira semana de maio.

Fale um pouco sobre seu personagem no musical.
Faço a Dona Odete. A dona de um bordel que ao mesmo tempo pode ser a madrasta da Branca de Neve. Eles [Charles Möeller e Claudio Botelho] deu um nó nessa história dos irmãos Grimm, que é muito gostoso porque tem hora que eu me sinto cafetina preparando uma cilada, mas ao mesmo tempo me sinto a madrasta.

Uma madrasta má?
É. Ela é má porque joga com o tempo. Cada ano são sete anos, então é dark mesmo. Estou muito feliz porque ele [Claudio Botelho] escreveu pra mim. Eles sempre montaram os musicais, são mestres em musicais da Broadway. O Claudio faz a tradução, o Charles dirige, mas esse espetáculo é autoral. Fiquei muito lisonjeada porque nessa carreira pra fazer sucesso você tem que ser jovem e muito bonita. Na minha época era diferente porque tinha que ter um maestro, piano e um contrabaixo pra dizer a que veio. Hoje o negócio não é mais assim. Hoje é colocar uma peruca, botar uma música e vamos lá dublar.

Isso em musicais ou você fala de show de travestis?
Estou falando de shows de travestis no geral. Agradeço sempre a Deus por estar em uma idade, chegar aos 66 anos em 25 de maio, e ter passado por cima de uma profissão que tem que ser jovem, bonita, cheia de muito silicone, muitas coisas.

Fale mais sobre sua personagem, como se preparou para interpreta-la no musical?
Ela é danada. Estilosa, mas tem que tomar conta do negócio dela. A menina Amélia está chegando. Tenho Zezé Motta como contraponto. Maravilha trabalhar com ela e esse elenco. Quando coloquei essa peruca, descobri essa maquiagem, esta pinta [mostra uma lantejoula presa no rosto que representa uma pinta]… Nunca vou esquecer uma coisa que Maria Alice Vergueiro me disse quando fiz em Querelle uma mulher um pouco apagada. Por mais que a gente seja um personagem, sempre tem um pouco da gente no personagem. Depois disso foi fácil para mim. Decorei o texto e tem uma Rogéria [ali]. Minha maneira de interpretar é muito dolorida. Trabalho com o corpo inteiro. No dia seguinte à estreia, estou quebrada. Se tem uma sequência vai ficando tudo no lugar. No primeiro dia de ensaio quase morri com as escadas do Sergio Cardoso, mas agora já subo e desço. E é minha vida. Eu tinha que estar nisso porque não sou um engodo. Sou uma realidade brasileira em que se plantando dá.

E como você vê o espetáculo?
Vou dizer uma coisa sinceramente. As pessoas dizem determinadas coisas, mas eu gosto das músicas cada vez mais. Tenho um ouvido legal. Cada vez que vejo [Alessandra] Maestrini e [Alessandra] Verney cantando, acho bonito. São dois anos praticamente. Eu não esqueço. As músicas são lindíssimas. Cada dia há uma descoberta. Numa respiração de uma atriz, de uma cantora. São meninas preparadas que nem a Broadway tem como essas. O privilégio de estar no meio dessas feras que estudaram e levam a coisa a sério para Rogéria é fantástico. Foi um aprendizado.

Você tem um lado espiritual muito forte. Tem algum ritual antes de entrar no palco?
Rezo na minha casa. A primeira coisa que eu faço depois de levantar é tomar meu café, ir para o banho. Ali vou para minhas orações, 45 minutos. Jesus me ensinou a colocar a voz, rezo numa oitava. Aqueço o diafragma. Foi ele quem me ensinou sem precisar de padre ou pastor. Vou direto a ele. É mais fácil. Ele está conosco. Esse negócio de dizer que os gays são amaldiçoados é o contrário, porque Jesus está sempre ao lado de quem mais precisa dele. Ele é verdade, é vida. Sofreu, foi crucificado, e é meu pai e meu guia. Sem padre e sem ninguém. Quem passou isso pra mim foi Eloá Barroso, minha mãe. Quando se tem uma mãe maravilhosa na vida tudo fica fácil. Nunca tive problemas com família, porque sou autodidata. Minha mãe sempre soube que eu seria gay e isso nunca foi empecilho nenhum na minha vida porque, como verdadeira mãe, ela sempre me amparou. Viva as mães.

Serviço:
7 – O Musical
De 17 de abril a 6 de junho
Sextas, às 21h30. Sábados, às 21h. Domingos, às 18h.
Rua Rui Barbosa, 153 – Bela Vista
Tel: 3288-0136
Ingressos a R$ 40 (platéia) e R$ 20 (balcão)
Duração: 2h15

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