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“Sua bicha FDP!”

Domingo, 02/08, o relógio marca 15h e eu seguia rumo ao mercado. A rua onde moro faz esquina com a Avenida Vila Ema, zona leste de São Paulo. A região onde vivo é classe média. Boa parte das pessoas que lá estão até que convivem, ou coexistem com a diversidade.

Pois bem. No horário e dia escrito no parágrafo acima eu rumava para o mercado a fim de comprar suco para acompanhar o almoço. Lá estou na Vila Ema quando reparo um Fiat roxo andando bem devagar para o padrão da via e o motorista a me encarar, a sua face estava para pouco amigos, quando percebeu que eu o notei ele não teve dúvida e soltou o seu amor por mim: "Vai, sua bicha filha da puta!". De cara pensei que fosse um conhecido, mas não era. Tratava-se de um estranho fazendo acontecer uma situação a que homossexuais do Brasil e do mundo estão sujeitos todos os dias.

Não que eu nunca tenha sido alvo de homofobia verbal, pois, como troco carícias gays onde quer que seja, já escutei vários desaforos. Mas, não abro mão do meu direito de viver a minha homossexualidade publicamente e plenamente. Invisibilidade e homossexualidade entre quatro paredes não é comigo. Só que este fato me pegou num dia em que eu estava reflexivo e me fez lembrar da atuação do movimento negro norte americano nos anos 60. A questão e o embate social da sexualidade e da identidade de gênero esta para o Brasil assim como a questão racial esteve para os EUA até metade do século XX: um divisor.

Negros eram obrigados a suar banheiros destinados a eles, classes de escolas ou estas como um todo não aceitavam negros em suas dependências. Existia Klu Klux Klan que perseguia e matava negros. O movimento negro teve duas grandes lideranças: Martin Luther King e Malcolm X. O primeiro estava mais para a linha pacifista, o segundo preferia partir pra cima. Ambos foram assassinados. Hoje Barack Obama é o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Não que todas as divergências raciais tenham sido sanadas por lá, mas as coisas melhoraram. Isso depois de muito embate político e enfrentamento social.

No Brasil as bichas estão expostas a homofobia cotidianamente. Somos o país com um dos mais altos índices de assassinatos contra homossexuais (vide levantamento GGB e pesquisa Perseu Abramo sobre homofobia). Os jovens do colégio não querem um colega gay, as famílias não querem filhos e netos homossexuais. A igreja nos trata como doente e para isso faz até palestras para disseminar a nossa "cura" e dizer que estamos fora do caminho da luz. E, quando parlamentares e movimento gay resolvem se organizar mais, criar leis que dêem respaldo e segurança aos LGBT uma verdadeira campanha anti-gay começa a ser instalada no seio da sociedade. A questão da sexualidade no Brasil desnuda os preconceituosos, as pessoas mostram as suas verdadeiras faces, assim como ocorreu com a questão racial nos EUA.

O grande "problema" para a nossa sociedade heteronormativa e higienista é que nós bichas representamos aquilo que eles adorariam ser, mas o seu código hétero não permite. Estes recalcam o desejo gay, ficam angustiados e descontam com ódio e violência. Nós colocamos em xeque a aparente "normalidade" heterossexual. Revelamos que o sujeito é mais que pinto, vagina, macho e fêmea. Somos múltiplos e a aldeia HT ainda não aprendeu a lidar com a diversidade.

Na ocasião em que fui verbalmente atacado vestia uma camiseta vermelha super justa da banda lésbica Dominatrix, bermuda skinny, cinto de couro com metal e calçava tênis. Nem dava pinta. Mas o sujeito que mirou as palavras em mim sabia, conhecia. Ou seja, convive e deve até sair com gays. Na calada, é claro. Este jovem rapaz, que devia ter uns 20 anos, bonito, deve ter olhado para mim, sentiu vontade de vestir a roupa que eu usava, de cortar o cabelo como corto (super tranqüilo também). Mas ele não pode. Deve satisfações ao dogma hétero.  Daí a sua angustia e raiva.

Por isso a importância das políticas inclusivas acompanhadas de políticas estruturais (que ainda não acontece, mas para caminhamos para tal) como forma de se desconstruir o discurso autoritário e heteronormativo de parcelas de parlamentares e partidos políticos, juízes, educadores, psicólogos, profissionais do esporte, na música, no cinema e nas grandes empresas. Isso servirá para que homossexuais possam adotar, constituir família, não serem tachados de doentes e pedófilos, doar sangue, usar nome social… Sentiu a densidade da questão? É por isso que digo, para o nosso país, extremamente machista, superar a questão de gênero (e aqui incluo a luta das mulheres, pois não existe homofobia sem machismo) será uma profunda transformação de valores éticos, constitucionais, religioso e cultural.

Quem sabe depois de tudo isso não elegemos um presidente gay? Assim como os Estado Unidos elegeram Obama.

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