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Supremo decidiu se manifestar sobre o uso do banheiro por travestis e transexuais

Na semana passada, travestis e transexuais tiveram um motivo para comemorar: o Supremo Tribunal Federal decidiu que vai se pronunciar sobre o uso do banheiro por transexuais. Mas por quê isso é bom? No artigo de hoje responderei esta pergunta e darei minhas impressões sobre o julgamento que será feito por nossa corte constitucional.

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Primeiro, precisamos entender qual a importância do STF ter decidido se manifestar sobre a questão dos banheiros. Bom, o STF não tem iniciativa própria, isto é, ele sozinho não pode decidir nada. Ele precisa ser provocado. E isso é feito por meio de ações e recursos judiciais. No caso, chegou ao STF o Recurso Extraordinário (RE) número 845.779. E como esse recurso chegou até lá?
 
No Poder Judiciário brasileiro só existem dois níveis de análise de ações: a primeira e a segunda instância, ambas em nível estadual. Depois da segunda instância, o que existe é contestar a decisão (chamada de "acórdão") em dois níveis: no Superior Tribunal de Justiça, que analise violações de direito não-constitucional, e no Supremo Tribunal Federal, que analisa violações de direito constitucional, ambos os quais ficam em Brasília.
 
No RE 845.779, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu que a pessoa transexual que foi constrangida ao usar o banheiro do sexo com o qual se identifica não tem direito a receber indenização. 
 
A decisão é lamentável, sem dúvidas, mas não é isolada. Em 2014, o Tribunal de Justiça de São Paulo já se pronunciou no mesmo sentido ao julgar o recurso de apelação de número 036120-87.209.8.26.0564. O acórdão, já dá pra imaginar, é um show de horrores: chama a travesti pelo masculino; diz que a travesti é "homem vestido de mulher", ignorando todas as transformações corporais que diferenciam a travesti da crossdresser (por exemplo, o uso de hormônios, silicone, etc.); e desqualifica a feminilidade da travesti por conta da ausência de cirurgia de transgenitalização. 
 
O que quero mostrar aqui é que as decisões dos tribunais de justiça dos estados negando o direito de transexuais ao uso do banheiro adequado com sua identidade de gênero são mais comuns do que muitos imaginam. Percebendo isso, o relator do RE 845.779, o ministro Luis Roberto Barroso, junto aos demais ministros do STF, reconheceu a "repercussão geral" que existe no tema em análise, o que é requisito essencial para a ação ser recebida.
 
Acontece que não é comum o Supremo reconhecer "repercussão geral". Mesmo casos muito relevantes e comuns tiveram esse requisito negado pela corte, como indenização gerada por inscrição indevida em cadastro de inadimplentes, por negativa de cobertura por operadora de plano de saúde e por espera excessiva em fila de banco.

Com a manifestação do STF sobre o tema – que, aliás, ainda não tem prazo para acontecer – haverá a uniformização da jurisprudência, isto é, toda vez que um pedido de indenização de transexual constrangida ao usar o banheiro cair nas mãos de um juiz, o mesmo terá que se posicionar da mesma forma que o Supremo decidir. 

 
E será que temos boas chances de ganhar mais essa luta? Se depender do relator, acredito que sim. O ministro Luis Roberto Barroso é velho conhecido da comunidade LGBT, tendo, na qualidade de procurador do Estado do Rio de Janeiro, levado ao STF a ADPF 132, que conseguiu a equiparação das famílias homo às famílias heterossexuais. O ministro, portanto, é um aliado na luta por direitos humanos.
 
No entanto, diferente do Recurso Extraordinário 670.422, que pede a mudança de nome de transexuais no registro civil, independente de cirurgia, o RE 845.779 não é precedido por uma série de julgamentos favoráveis à comunidade LGBT. Em São Paulo, por exemplo, o único caso favorável a indenização para transexual incomodada indevidamente em banheiro feminino diz respeito a pessoa que já havia "avisado" previamente sua condição, sem que houvesse protestos por parte da ré. Quer dizer, para esses desembargadores, a transexual ou travesti teria que "avisar" que é trans e torcer pra que ninguém as constragesse, o que é um absurdo, pois viola o direito a intimidade e vida privada dessas pessoas.
 
Apesar dos precedentes desfavoráveis, acredito que o problema do uso do banheiro foi formulado de forma brilhante pelo relator. Nas palavras do mesmo, "constitui, portanto, questão constitucional saber se uma pessoa pode ou não ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente". De forma mais simples, se a travesti e a transexual têm uma identidade de gênero, a sociedade pode simplesmente ignorar a mesma? Acredito que não.
 
Thales Coimbra é advogado especialista em direito LGBT (OAB/SP 346.804); graduou-se na Faculdade de Direito da USP, onde cursa hoje mestrado na área de filosofia do direito sobre discurso de ódio homofóbico; também fundou e atualmente coordena o Geds – Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade da Faculdade de Direito da USP; e escreve quinzenalmente sobre Direitos nos portais A Capa e Gay Brasil. www.rosancoimbra.com.br/direitolgbt
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