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Temos obrigação de nos tratar

Eu estava pensando outro dia, depois de observar muitas mulheres em ambientes LGBT, que nós homossexuais temos uma tendência acima da média de sermos louquinhas. É engraçado até acompanhar as manias e fobias e neuroses das moças, mas tem uma hora em que parece que o desequilíbrio pesa.

Infelizmente eu conheço uma quantidade grande de mulheres amargas, rancorosas, em relacionamentos com mulheres que deixam a madrasta má da Cinderela no chinelo, ou sozinhas há anos, ou cheias de histórias com mães manipuladoras (que sabem ou não sabem delas, que aprovam ou não a companheira, que soltam julgamentos e chantagens junto com o bom dia) ou outra condição qualquer que demonstra uma óbvia falta de felicidade.

Certo, a vida não é nenhum mar de rosas, todos sabemos. Mas por que tanta maluquice? E olhe que não é coisa de geração, está cheio de menina novinha já com traumas e de coração fechado porque teve um relacionamento com uma bruxa malvada ou que não consegue se dar bem com a família. Ou que abandonou um curso porque foi maltratada ou não tem coragem de procurar um emprego numa área competitiva.

Eu sempre fui totalmente contra os julgamentos apressados que dizem que os homossexuais são infelizes, mas sem dúvida há numerosos exemplos de vidas gays bem problemáticas à nossa volta. Também há exemplos de gente bem resolvida, graças às deusas. Mas fiquei pensando na razão e apresento aqui minhas opiniões para você dizer o que acha.

1. Informação
Nós temos obrigação de ir atrás de informações sem preconceito. Se a gente for confiar no que a escola ensina, no que aparece na televisão, no que se prega nos púlpitos – como a maioria dos brasileiros faz -, teremos apenas a constante repetição de que não existimos ou de que somos aberrações. A nossa cultura é heterossexista, o que quer dizer que apoia os homens e apoia os heterossexuais.

Como lésbicas, nunca teremos a autoestima em ordem se não procurarmos livros e sites e filmes que expliquem a homossexualidade como natural, que deem exemplos, que contem casos históricos, que mostrem mulheres homossexuais felizes. E precisamos procurar bastante, porque não são maioria. Sem esse apoio, a nossa cabeça fica sem argumentos e é capaz de acreditarmos na enxurrada de bobagens que vemos e ouvimos todos os dias. Não podemos nos dar ao luxo de ser preguiçosas como os heterossexuais, porque a cultura de massa não nos apoia. Temos que ir atrás do que nos faz bem. Não é verdade?

2. Terapia
Nós temos a obrigação de nos curarmos, o que nem sempre – aliás, quase nunca – dá para fazermos sozinhas. Não é pouca coisa o impacto de sermos criadas num mundo hetero, só com exemplos heteros, por pais e familiares que não só não compreendem os homossexuais como muitas vezes sentem horror pelo que não é igualzinho a eles mesmos. Justo quando somos crianças e adolescentes, quando somos frágeis e ainda não temos proteção contra sentimentos pesados como o julgamento da sexualidade, a maioria de nós sente-se um peixe fora d’água, culpada, defeituosa por começar a perceber sua homossexualidade.

Desfazer os anos de criação nessas condições só é possível, na minha opinião, com algum tipo de terapia, que é uma conversa com um profissional para encontrar onde ficaram escondidas as bombas de efeito emocional devastador na nossa história. Se não as desarmarmos, vamos mesmo encontrar sempre réplicas de nossa mãe para nos relacionarmos e repetiremos para sempre o desamor e o abandono que sentimos na infância ou na adolescência.

Ainda bem que estamos no século 21, com centenas de terapias diferentes à nossa escolha, com terapeutas a quem podemos perguntar se têm experiência com gays e lésbicas, a quem podemos perguntar se são gays e lésbicas. Terapia era um luxo incrível no começo do século passado, mas hoje existe em vários preços e modalidades. Para nossa felicidade, acho um passo imprescindível. Você conhece alguma lésbica feliz e equilibrada que não passou por terapia?

3. Espiritualidade
Ter contato com uma esfera maior, mais elevada, sagrada, não-material, faz parte das necessidades humanas, como demonstram os bilhões de seguidores de religiões mundo afora. No entanto, a maioria das religiões institucionalizadas nos condena de maneira violenta e insistente. O judaísmo, o cristianismo e o islamismo, por exemplo, concordam em pouca coisa, mas execrar a homossexualidade é uma delas. O hinduísmo não fica muito atrás, o budismo depende da tradição.

Ou seja, nós homossexuais muitas vezes praticamos o contato com a espiritualidade em ambientes que são hostis a nós, que não nos acolhem. Não dá para ter bons resultados, não é mesmo? Pelo menos eu tenho minhas dúvidas como alguém pode seguir uma fé que fala mal de si própria explicitamente.

Assim, acho uma providência essencial para a boa saúde mental e emocional dos homossexuais procurar uma prática espiritual que – de maneira muito clara – aceite a homossexualidade. A Igreja Anglicana, por exemplo, está rachando ao meio, mas uma facção acolhe e apoia não só membros da congregação, como também pastores e ministros gays e lésbicas. Não é a única, há desdobramentos da Metodista abertos à diversidade, há centros espíritas sem preconceito, há terreiros de umbanda dirigidos por gays e por aí vai.

Nossa obrigação, como lésbicas, me parece ser a de sair do conforto do conhecido – porém hostil – ambiente onde fomos criadas e procurarmos o que nos aceita, nos enxerga, nos reconhece.

Justamente porque tudo isso dá trabalho talvez tantas de nós ainda estejam sofrendo. Mas acho que é nossa obrigação tomarmos providência para sermos felizes. Não dá para passar a vida inteira com a madrasta má, você não acha?

* Laura Bacellar é editora de livros, atualmente responsável, juntamente com um grupo de mulheres, pela primeira editora lésbica do Brasil, www.editoramalagueta.com.br.

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