A sexualidade feminina é muito mais complexa que a masculina. Se por um lado o machismo não abandona o gênero masculino, o feminino vem arraigado de submissões e renúncia. Filmes como “Amigas de Colégio” (1998), de Lukas Moodysson, é um ótimo exemplo que aborda a homossexualidade feminina de forma positiva e corajosa. Cito o filme de Moodysson por ser um dos que você pode encontrar na locadora com protagonistas na mesma faixa etária das retratadas em “Lírios d´Água” (2007), filme francês de Céline Sciamma.
O maior problema do filme que fala sobre a descoberta da homossexualidade de três colegas de colégio é a falta de verossimilhança. É como se a diretora intercalasse cenas sem a obrigação de preenchê-las de conteúdo e coerência. Talvez achou que o simples fato de sugerir conflitos internos bastasse. Errou.
A protagonista é uma garota magrela e carrancuda que se sente atraída pelas garotas do grupo de nado sincronizado. Precisamente por uma garota em especial. Ela não sabe muito bem porque se interessa, apenas quer expressar suas vontades. A atriz escalada para o papel não é simpática, não apresenta nuances na interpretação, e o que poderia ser um argumento interessante (a descoberta do sexo sem culpas, tendo como pano de fundo um grupo de nado sincronizado), acaba se tornando grosseiro e sexista. A cena que ela masturba a amiga mecanicamente contraria todo imaginário coletivo de que mulheres são mais sensíveis e intensas em suas relações homoeróticas.
A bela antagonista é perversa, linda e confusa como manda a cartilha. Porém não se explica como ela se expõe justamente para uma das garotas mais sem graça do pedaço. Ao percebermos que irá se aproveitar da protagonista, acreditamos que o filme pode se tornar interessante. Afinal, as personagens subversivas são as melhores. Ou alguém duvida?
É inexplicável o que leva a tão desejada garota a pedir para ser desvirginada justamente pela mais inexpressiva de todas. Para piorar, a protagonista, ao assumir a função de masturbar a colega, se posiciona e age como um homenzinho burro. Não há um pingo de romantismo em “Lírios d´Água”. E as imagens que supostamente soariam poéticas caem na obviedade. Então, o que resta de um filme como esse, além de reforçar uma descoberta da sexualidade confusa e sofrida?
OK, existem as sofredoras, mas estas mereciam ter suas singularidades retratadas mais dignamente sem o maniqueísmo presente nas relações heterossexuais. O roteiro explicita de forma direta para um espectador atento um imaginário arcaico que parece não corresponder com a atualidade.
O que poderia ser a salvação do filme, a amiga gordinha a fim de sexo e aventura e que se mostra toda lasciva, é empobrecida com um moralismo que fará as feministas se contorcerem na cadeira. Que mal há uma garota assumir uma relação apenas sexual com outra pessoa?
“Lírios d´Água” é desses filmes totalmente dispensáveis com verniz barato que não encobre as incongruências da “realidade”.
Perca, mas se por acaso assistir, me desminta, por favor.
* Para quem é de Sampa, nesta quinta (26), as meninas do Chá com Bolachas realizam uma sessão do filme exclusiva para mulheres no HSBC Belas Artes (rua da Consolação, 2423), às 21h30. Mas chegue cedo porque serão apenas 90 ingressos disponibilizados para a venda!