As ex-professoras da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande, Carmen Silvia Geraldo, 52, e Noyr Rondora Marques, 39, foram vistas recentemente comemorando a vitória na ação movida contra a prefeitura da cidade. Lésbicas assumidas, as duas foram afastadas da escola rural onde trabalhavam depois que o relacionamento entre ambas foi descoberto.
Em depoimento ao Dykerama.com, Noyr compara sua luta à história de Davi contra Golias. A situação das duas veio à tona em novembro do ano passado. Carmen ainda recebe a aposentadoria, mas teve alguns benefícios cortados. Já Noyr não conseguiu uma nova colocação desde a demissão quando o relacionamento foi descoberto e vive de pequenos bicos.
Ambas esperam a decisão da Justiça na esfera trabalhista e civil para reconstruir a vida. Leia a seguir o triste mas corajoso relato da professora:
“Meu nome é Noyr Rondora Marques, tenho 39 anos, e sou ex-professora da Escola Municipal Oito de Dezembro, localizada a 180 km da capital do Mato Grosso do Sul, Campo Grande.
O convívio diário, as conversas no fim do dia, a troca de experiências, foram fazendo com que minha companheira Carmem, mesmo acreditando estar louca, começasse a se interessar mais pelos assuntos e coisas relacionadas a mim. Durante uns 20 dias, ela brigou com esse sentimento para o qual ela não estava preparada.
Um final de semana, já em Campo Grande, tínhamos que fazer as compras de mantimentos que levaríamos para a escola, tendo em vista que permanecíamos ali durante a semana. Nesse final de semana seríamos nós a dupla responsável pelas compras. Assim, como eu só tinha moto, fomos no carro de Carmem, e bastou um encostar de mãos para que a energia entre nós fluísse. Um clima de paixão pairou no ar…
Ninguém da escola sabia sobre nosso amor e nós jamais demonstramos nosso afeto ou deixamos transparecer o relacionamento que estávamos tendo. Porém, Carmem já estava na escola há um ano e acreditava na amizade mantida com Maria de Jesus (64), da equipe de professores. Confiando na suposta amiga, um dia relatou que estava vivendo um grande amor, e que eu tinha dado sentido e completado sua vida.
Entretanto, chegando à capital para um fim de semana, sabendo da grande amizade da sua irmã Leci com a diretora Cleidinei, Carmen contou sobre seu relacionamento à irmã, que por sua vez contou à diretora, que sem antes chamar e tentar esclarecer a realidade dos fatos, levou o caso ao conhecimento da Secretaria de Educação, que foi orientada pelo departamento jurídico para que fosse rescindido o nosso contrato com a escola.
Pasmem, tudo isso foi registrado em Ata, e assinado. O que nos deixa transtornadas é uma série de irregularidades e desrespeito praticados. Um funcionário público, antes de ser demitido, deve ter tido alguma advertência, responde a processo administrativo, e um concursado jamais perde a vaga para um contratado. Fora a seqüência de erros, o prefeito desta cidade teve coragem de pronunciar-se na “Folha de São Paulo”, dizendo que ele é quem havia determinado esses procedimentos. “Para que não contaminássemos as cabeças das crianças”; “Você deixaria um filho seu de 5 anos ser alfabetizado por um gay?”, disse ele aos quatro ventos.
Após perdermos o vínculo com a Prefeitura, tomamos coragem e fomos atrás de justiça. Saímos para a luta pelo respeito, tolerância, dignidade, igualdade, solidariedade e contra a homofobia. Os fatos ocorreram em abril de 2007, em junho contratamos o advogado Dr. José Belga Assis Trad, que entrou com um processo trabalhista em meu nome, em novembro fizemos a primeira denúncia aos meios de comunicação, e dali pra cá temos vivido uma história bíblica, a luta de Davi contra Golias.
Essa é uma história triste de preconceito, discriminação, humilhação e violação dos direitos humanos. Mas com o passar do tempo e assimilação dos acontecimentos, tornamo-nos fortes e conseguimos dar visibilidade e respeito a causas trabalhistas LGBT. Participamos da 1ª Conferência Nacional LGBT, realizada em Brasília, e agora em dezembro estaremos na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos.”