Na Carta sobre a Felicidade que o filósofo grego Epicuro escreveu para Meneceu, um de seus discípulos, ele dizia: “A prudência nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade”.Guardei esta frase para um momento solene. Na manhã do dia 6 de maio de 2011, o Brasil acordou mais justo. A mais alta corte do país havia aprovado a união estável gay em sessão histórica na noite anterior.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que não há mais no país diferença entre relações estáveis, sejam entre heterossexuais, sejam entre homossexuais. Dentre outros direitos, esta decisão dará segurança jurídica aos casais homossexuais em relação a herança, compartilhamento de planos de saúde, pensão alimentícia, pensão previdenciária.É claro que eu, como homossexual, fiquei muito emocionada com a decisão e tão logo fui avisada pela Nanda, a jovem estagiária da Brejeira Malagueta, que acompanhava o julgamento ao vivo pela TV Justiça e me telefonou aos prantos para contar a boa nova.
Levei um susto quando meu celular tocou e reconheci a voz da garota chorando copiosamente, embaralhando as palavras com a notícia. Num primeiro momento pensei o pior (esse pessimismo judaico ainda acaba comigo!). Várias possibilidades trágicas passaram pela minha cabeça, a mãe expulsou a menina de casa porque ela é lésbica, assalto, brigou feio com a namorada. Quando consegui entender o que era, ufa, alívio imediato, fiquei tão feliz que não me aguentava.
Lembrei do tabelião Paulo Roberto Gaiger Ferreira, do 26º Tabelionato de São Paulo, que formalizou a escritura de convivência homoafetiva que tenho com a Laura, onde está mencionada expressamente a nossa união estável. Sempre pensei que nós homossexuais temos absolutamente todos os deveres de qualquer cidadão brasileiro, tais como pagar impostos municipais, estaduais e federais, contas de água, luz e telefone, votar nas eleições obrigatoriamente sob pena de multas, servir as forças armadas quando convocados. E os direitos? Afinal, nossa Constituição teoricamente nos garante igualdade, respeito, segurança e principalmente dignidade, e isso tudo está sendo ignorado!
Vale a pena mencionar duas frases marcantes de dois juízes que participaram do julgamento no Supremo, na defesa do reconhecimento da união estável entre homossexuais. A primeira do Ministro Joaquim Barbosa (o terceiro negro a integrar a mais alta corte no país). “A Constituição Federal prima pela proteção dos direitos fundamentais, e deu acolhida generosa ao princípio da vedação de todo tipo de discriminação”.
E a da primeira mulher no Supremo Tribunal Federal, a ministra Ellen Gracie, quando proferiu seu voto favorável. “O reconhecimento pelo STF desses direitos responde a pessoas que durante longo tempo foram humilhadas, cuja dignidade foi ofendida, cuja identidade foi denegada e cuja liberdade foi oprimida”. A Juíza Ellen acrescentou: “Uma sociedade decente é uma sociedade que não humilha seus integrantes”.
É preciso lembrar que no Brasil apenas uma parcela do judiciário tem abraçado positivamente as causas dos homossexuais, com decisões favoráveis em várias instâncias. Há uma parcela igualmente grande que prefere nos ignorar, sob o argumento de que não há leis para nosso caso. Pois bem, agora há uma bela decisão unânime da suprema corte.
Esses juízes que integram o STF, chamados de ministros, deram uma lavada no preconceito, nos enchendo de orgulho, esperança e felicidade. Mostraram respeito pela diversidade, foram sensíveis às mudanças evidentes pelas quais nossa sociedade está passando e revelaram que têm amor à justiça. Nada mais certo do que nos deixar ir em busca da felicidade em relacionamentos que poderemos exibir socialmente e fazer valer juridicamente.
Eu tenho um sonho, plagiando o líder político negro Martin Luther King (que falou esta frase no seu famoso discurso em Washington em agosto de 1963, numa manifestação que reuniu milhares de pessoas pelo fim do preconceito e discriminação racial), ligar em breve para a Sylvia Maria Mendonça do Amaral, advogada atuante no Direito Homoafetivo e autora do belíssimo livro Histórias de amor num país sem leis – a homoafetividade vista pelos tribunais e pedir para ela trocar o sem do título pelo com. Espero sinceramente que se torne realidade o mais breve possível.
Dedico este artigo a todos os operadores do direito (advogados/as, juízes/as, tabeliães, dentre outros) que nos ajudaram a conseguir com sua dedicação, trabalho e luta esta bela vitória no Supremo. Antes tarde do que nunca!
* Hanna Korich é uma das sócias fundadoras da Editora Malagueta, agora Brejeira Malagueta – a primeira e única editora dedicada à literatura lésbica da América Latina, desde 2008.