O sadomasoquismo comporta todas aquelas práticas ou jogos sexuais que dizem respeito a treinar comportamentos, amarrar, mandar e obedecer ou, ainda, causar dor.
Pois agora vamos falar de uma prática bastante atinente à parte SM da coisa: o CBT, sigla em inglês para cock and ball torture, ou, em bom português, "tortura de pinto e bola", ou seja, tortura genital! Ouvimos um "ai" por aí?
CHEGANDO DE MANSINHO
Maurício Carneiro*, 34 anos, já teve uma palhinha com o CBT. "Há uns cinco anos, comecei a descobrir mais sobre o universo BDSM e a sair com dominadores", conta o jornalista, que é sub – ou seja, curte ser submisso numa relação ou sessão DS.
"Sempre curti mais o lance de dominação e submissão, mas, aqui e ali, quis experimentar um pouco do SM. Aí, uma vez, saí com um cara que nem mesmo se dizia parte do mundo BDSM, mas se definia como spanker. Ele bateu na minha bunda por uma longa sessão. Apesar de ter doído, eu gostei. Então, experimentei o spanking com outro dominador, que chegou a pingar cera de vela no meu pau, e aí um terceiro me falou 'oficialmente' do CBT".
Curioso, Carneiro topou experimentar com o terceiro. "Fiquei com receio, mas quis ver o que ele fazia. Ele amarrou apertado na parte de cima das minhas bolas e deu uns tapinhas de leve nelas, que ficaram 'estufadas' – mas aí eu desisti. Doeu pacas e pedi para parar. Depois, não voltei mais a fazer. Tenho muita sensibilidade lá".
O médico Saulo Griff*, 37 anos, também já experimentou o CBT, mas como "gente que faz". "Foi algo simples, primeira tentativa. Dei umas palmadas leves com minha mão no corpo do pênis. Depois, me empolguei e usei o cinto da calça", conta – e foi tudo combinado? "Foi na hora… O clima estava esquentando, e comecei a dar as palmadas de mão. Ele foi gostando, aí esquentou mais ainda". Perguntado se, como médico, ele teve alguma preocupação, Saulo disse que sim: "Claro. Se ferir ali, a cousa fica séria…".
O médico teve alguns cuidados, como "não acertar os testículos: só o corpo do pênis, e não acertar no meio, onde fica a uretra". A experiência do sub, porém, o tranquilizou. "Não era a [primeira vez] dele. Ele já tinha praticado, e foi aí que me contou que curtia apanhar. Na verdade, ele fez bem mais do que eu [risos]".
SÓ UM TAPINHA!
Os casos de Mauricio e Saulo são emblemáticos porque, geralmente, a descoberta do CBT costuma ser casual e com alguém que já pratica ou praticou a, digamos, modalidade. Isso porque tanto gays quanto héteros, como homens que são, não costumam ficar muito confortáveis com coisas que possam ser entendidas como agressãou ou violência "lá".
As razões por trás disso, para além do aspecto "integridade física", podem ser relacionadas a um certo falocentrismo, característico das sociedades ocidentais. Não é de hoje, feministas e lésbicas chamam a atenção para a supervalorização do pênis (o falo), inclusive entre os gays. Sobre isso, já houve até pesquisas, como a do antropólogo Marcel Freitas, de Minas Gerais.
Depois de uma pesquisa de 1997 conduzida com homens bissexuais sobre as categorias de ativo e passivo, Freitas resolveu investigar os "vínculos homoeróticos" entre torcedores e jogadores de futebol diante dos relatos de alguns participantes que mantiveram relações sexuais homossexuais em viagens de torcidas organizadas (interessante, não?).
No texto, Freitas escreve: "postulamos que o homoerotismo é uma característica típica e latente de sociedades patriarcais e falocêntricas, como a brasileira, visto que se apoia, psicológica e culturalmente, numa exacerbação de tudo aquilo que se vincula à figura do 'macho' […].
Nos termos da Psicanálise, tentaríamos entender este homoerotismo no Futebol como um investimento libidinal, da parte dos torcedores, nos jogadores e uns com os outros, já que eles culturalmente simbolizariam o masculino ao corporificarem esta prática social – Futebol – diretamente associada à masculinidade".
Embora pesquise um tema específico distante do BDSM, essa questão falocêntrica dá muita coisa para se pensar, certo?
Não à toa, o CBT pode causar receios em quem desconhece a prática. Não sabemos no inglês, mas, na língua portuguesa, a própria tradução – tortura genital – parece torná-lo menos popular. Tanto que a reportagem conseguiu apenas três entrevistados para falar abertamente sobre o assunto. Isso, pelo menos, à primeira vista, já que, por trás de tudo, pode estar simplesmente a falta de informação.
RESUMINDO E RECORDANDO
"Não é todo mundo que sabe o que é CBT", conta o mestre Quíron*, 27 anos, que gosta de "brincar" com os pênis e o escroto dos seus escravos. "Então, rola de eu fazer, o cara gostar, mas se perguntar a ele se curte CBT, talvez ele diga que não. Então, é preciso explicar. O significado da sigla 'CBT' assusta muito, [mas] eu não encontro muita resistência para o CBT. Pelo contrário, é geralmente benquisto".
No entanto, continua ele, é preciso ir sem muita sede ao pote – ou ao dito-cujo. "Indo devagar, vai se longe [risos]. A maior parte dos caras com quem eu saí não conheciam CBT, principalmente na prática".
Além disso, para Quíron, pesquisar sobre o assunto é fundamental. Afinal, estamos falando de uma área que, não dá pra negar, é bastante sensível: "Aprendi [as dicas] conversando com médicos e praticantes do meio BDSM, lendo sobre anatomia e sobre CBT".
Questionado se falar com um médico é imprescindível, Quíron diz que não, "mas é uma maneira de entender melhor como funciona a região e como o corpo nos alerta de algum problema", opina ele, depois de esclarecer que consultou médicos que são também praticantes do BDSM.
Para Quíron, Maurício e Saulo também fizeram certo: para quem tem curiosidade, é sempre indicado começar com alguém mais experiente, seja sádico/dom, seja masoquista/sub. "O ideal é que se pratique com quem já sabe ou tem alguma noção e bom senso. Para fazer, é preciso conhecer o corpo, quais são os sinais de problema. Conversar com o parceiro, inclusive durante a prática. Por exemplo, se o saco estiver amarrado e começar a perder temperatura, ficar frio ou roxo, você tem de imediatamente desamarrá-lo", diz o mestre sádico, acrescentando que, se a pessoa tem muita sensibilidade lá, "é mais difícil".
DEVAGARINHO, AMOR!
Mas, afinal, o que acontece exatamente em uma sessão que inclui CBT? A resposta: várias coisas. Na prática, qualquer modalidade de "esporte sexual" que promova alguma dor ou mesmo o efeito psicológico dela na região genital pode ser considerada CBT.
"Já vi héteros praticando CBT em uma reuniãozinha. A dominatrix usou pregadores no saco, agulhas esterilizadas na pelinha ali do prepúcio e depois ela pôs uma camisinha no cara e aplicou eletrochoque. Ele deu um grito e aí gozou", conta Maurício. Cruzes?
"[Tem] ball busting (chute e soco); ball crushing (esmagar); squeezing (espremer com as mãos); pregadores ou algo pequeno que prenda a pele, como presilhas; velas; ball bondage (com cordas), spanking (tapas no pênis; quando no saco, mais leve) e flogging (com chicote e com 10 vezes mais de cuidado e menos força do que nas costas e bunda)", complementa Quíron. Cruzes ao quadrado?
Calma, não precisa se assustar. Antes de mais nada, é preciso considerar que as práticas do CBT devem seguir as regras do SSC – são, seguro e consensual – e, sim, causar prazer.
Ademais, às vezes, o apelo é até mais visual. "Visualmente, eu acho a vela bem intensa. Para eu pingar vela no pau do cara, eu preciso imobilizá-lo, por exemplo. Ball busting tem um apelo visual forte. Um dos masoquistas com quem eu tenho contato leva chute no saco, cai de joelho no chão e levanta com o pau mais duro e pedindo mais. Essa cena pode ser bem chocante para quem não entende, porque, muitas vezes, a velocidade da perna é mais para assustar e, quando chego próximo do saco, eu diminuo, o que torna mais impactante para quem vê e também assusta quem recebe. Tem um sadismo psicológico incluso", conta Quíron.
Além disso, as práticas podem ser menos intensas. "Há quem use chibata ou sandália para espancar, outros apertam os testículos. Em geral, no saco escrotal, penduram. As palmadas vão, na maioria das vezes, para o pênis", explica Saulo. "O sub [com quem fiquei] já tinha feito mais de CBT, inclusive com um dominador que já havia espancado mais forte o saco dele. Já tinham colocado pregadores nele, e ele adorava. Ele me deu dicas. [Por exemplo], a de que nem sempre precisa bater de verdade. Muitas vezes, a sensação de encostar rapidamente a mão ou sandália já dava tesão nele".
"Às vezes, [o CBT] não causa dor", concorda Quíron. "Posso estimular somente a parte de baixo da glande por muito tempo, sem tocar em outra parte do pinto. A reação comum é que quem está sendo manipulado queira bater uma punheta com a mão toda. A sensação prazerosa vai crescendo, e isso pode ser desesperador para alguns. É uma tortura sem dor", explica. Ouvimos um "peraí, já fiz isso" por aí?
CUIDADO AÍ, PÔ!
E quanto aos cuidados? Alguns já foram dados: ler sobre o assunto; começar com quem tem experiência; conhecer o corpo, a região e os limites; sempre, sempre, sempre, fazer sem exagero na força, tomando cuidado com as "partes"; conversar com o parceiro (inclusive no "durante"); e começar a praticar devagar, lembram?
Tem mais: "Se bem feito, com calma, você pode fazer CBT e não ferir de verdade o sub", explica Saulo. "Se for usar agulhas, tem de ser só da pessoa e, claro, só aplicar no saco escrotal, sem acertar no testículo ou canal do epidídimo".
O médico alerta para problemas que podem ser causados ao se fazer algo assim com gente sem noção: "Lesão da uretra, lesão dos testículos, inflamação do canal do epidídimo".
Por isso, é importante que as pessoas envolvidas não estejam alcoolizadas ou sob efeito de drogas. "Em eventos sérios, nem rola. O pessoal que leva a sério o BDSM evitar misturar. No máximo, um pouco de cerveja, mas nada que faça perder o limite do que se está fazendo". Instrumentos adequados também podem ser usados. "Existem flogs curtos que são específicos para CBT", comenta Quíron.
As dicas, por sinal, valem para outras práticas BDSM. Então, conversa boa, ter consciência dos limites, usar palavras de segurança, caldo de galinha e agulhas pessoais e esterilizadas… Não fazem mal a ninguém – e boa sorte!
*Matéria publicada originalmente na revista A Capa *61