Para os cinéfilos, admiradores do cinema italiano e do cinema de arte em geral, além de fãs de cineastas que lidam com questões da sexualidade, está em cartaz em São Paulo uma obra prima: "Violência e Paixão", do diretor Luchino Visconti (1906-1976).
Trata-se do penúltimo filme do grande diretor italiano, que marcou época no cinema com suas obras delicadas e selvagens ao mesmo tempo, jorrando elegância e ousadia, costuradas com a visão aristocrática do cineasta – que era descendente de uma família nobre de Milão.
Visconti era gay e viveu um romance forte com o ator austríaco Helmut Berger, que estrelou alguns dos filmes do diretor, entre eles, "Violência e Paixão". Aqui, Helmut interpreta o misterioso Konrad, um rapaz rebelde e sensual, que começa a encantar um velho e solitário professor (Burt Lancaster). Tudo começa quando a insuportável Marquesa Bianca (Silvana Mangano) procura o professor e pede para alugar o apartamento localizado acima da residência dele, ambos de sua propriedade.
O professor resiste, mas acaba cedendo, e a partir daí se vê envolvido com os jogos neuróticos da Marquesa e seu séquito: a filha Lietta (a estreante Claudia Marsani, excelente), o namorado dela, Stefano (Stefano Patrizi) e o amante da Marquesa – Konrad.
Konrad passa a habitar o apartamento, e o professor vai se deixando fascinar pelo mundo obscuro do rapaz. Uma atração homoerótica se insinua entre eles. Mas Konrad continua enredado em seu relacionamento agressivo com a Marquesa, além de também transar a três com Lietta e Stefano.
Pode-se afirmar que o personagem do professor (feito magistralmente pelo então veterano astro de Hollywood Burt Lancaster) é um alterego de Visconti: um homem envelhecido interna e externamente, sensível, que vai se entregando ao mundo atual, perplexo diante das novas relações humanas, já que vivia fechado em um mundo antigo e particular.
São antológicas algumas sequências: o professor amparando Konrad quando este leva uma surra de um grupo de marginais (e a cena em que assiste ao rapaz tomando banho); o professor flagrando o trio Lietta, Stefano e Konrad, totalmente nus, dançando e fumando maconha em plena biblioteca do apartamento dele; e a discussão entre o grupo no jantar final.
Vale lembrar que o filme é repleto de simbologias gays: além da presença de Helmut Berger, que exala homoerotismo o tempo inteiro, temos Burt Lancaster (1913-1994) – sobre quem, ainda hoje, pairam suspeitas de que fosse gay enrustido. Nos anos 80, Lancaster tentou interpretar o gay Molina em "O Beijo da Mulher Aranha", de Hector Babenco, mas teve de desistir do papel por problemas de saúde.
Ainda, Silvana Mangano como a esnobe Marquesa Bianca, quase uma pré-Odete Roitman (personagem clássica de Beatriz Segall na novela "Vale Tudo"). Além do look Odete, as atitudes da Marquesa lembram muito a personagem global – a arrogância, o desprezo pelas classes pobres, a possessividade, o autoritarismo e a relação mercadológica com o amante, que ela sustenta financeiramente.
Tudo isso sem falar na fotografia esplêndida, na direção de arte deslumbrante, em todos os detalhes que fazem deste um clássico absoluto, à moda antiga, mas que mostra o que era o grande cinema do século XX. O filme está sendo exibido em película, em sessão diária única, no Cinesesc. Assista na sala de cinema ou mesmo tomando um café ou um vinho dentro da cafeteria, de onde também se assiste ao filme. Você vai descobrir que essa experiência é quase um orgasmo.
Serviço:
Violência e Paixão
(Gruppo di Famiglia in un Interno, Itália, 1974)
121 minutos
Direção Luchino Visconti
Com Burt Lancaster, Helmut Berger, Silvana Mangano, Claudia Marsani, Stefano Patrizi e Claudia Cardinale.
Cinesesc – Rua Augusta, 2075 – Jardins – SP
Diariamente, às 19h20