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2º capítulo: Em busca de um pai

Antes de continuar a minha história da maternidade, vou ter de fazer algumas digressões para dar um contexto geral.

Quando conheci minha atual companheira/esposa/mulher, já comecei me insinuando sobre o assunto maternidade: que ela soubesse logo com quem estava se metendo. Lóri é 10 anos mais velha que eu (ela fica brava quando arredondo: são 9 anos). Quando nos encontramos eu já estava na casa dos 30, ou seja, o relógio biológico dela já estava começando a apitar. Sempre conversamos muito, sobre tudo, e resolvemos que seria melhor ela investir na maternidade antes de mim, por motivos óbvios. É interessante que ela topou logo de cara todos esses planos. Temos famílias complicadas e queríamos a nossa própria família. Pensávamos que não era por sermos gays que não poderíamos ter esse sonho.

Algumas pessoas podem falar que desejávamos nos enquadrar, repetir o modelo tradicional de família para não nos sentirmos tão diferentes. Mas pessoas querem um ninho, um lugar onde se sintam bem, acolhidas, aconchegadas. Já tínhamos casa, plantas, cachorro, gato, faltava uma criança. Lógico que discutimos adotar. Achamos legal, mas a perspectiva de ter de mentir ou se expor não nos agradava muito, fora o tempo, a fila, o ser avaliada (e talvez/provavelmente não ser aprovada). O momento financeiro também favorecia a empreitada, ela com um bom emprego fixo na sua área, recursos humanos, e eu com o consultório começando a deslanchar (sou psicóloga clínica e educacional).

Bem, Lóris resolveu que tentaria engravidar e que seria por inseminação artificial de doador anônimo. Conversamos com nosso ginecologista na época, que também tinha uma clínica de reprodução assistida. Ele nos falou que no Brasil existia uma lei que só permitia o uso do banco de sêmen por casais com vínculo comprovado, pois no Brasil o sêmen não é comercializado livremente. Há um doador, que não recebe nada por isso, e o casal receptor, que não paga pelo “material”. Ficamos tristes, nem pensamos em tirar a informação a limpo, confiávamos e gostávamos dele.

Descartamos os bancos de sêmen brasileiros e começamos a pesquisar a compra de uma amostra fora do Brasil, onde as regras são outras. Foi divertido, estilo “Venha para o maravilhoso mundo dos bancos de esperma”. Funciona assim: você escolhe uma série de características que deseja que o doador possua. O banco de dados cruza tudo e te mostra uma lista dos eleitos. Você tem a ficha completa do cara, tudo, tudo menos o nome. De acordo com as exigências, o preço da amostra sobe. Dá pra saber todas as doenças que o cara teve na família, no que trabalha, hobbies, QI.

Ficamos brincando com essas listas. Olhávamos um cara e falávamos: Ah, não, ele tem casos de alzheimer na família. E assim foi indo. É próprio do ser humano se perder quando lhe são dadas escolhas infinitas, e foi isso que aconteceu conosco. Parecia que estávamos à procura de alguém perfeito, sem doenças, vícios, nada de ruim, e óbvio, alguém assim não existe. Outra questão é que para essa opção banco de sêmen no exterior teríamos de recorrer a uma inseminação caseira, com menos chance de êxito.

Enquanto isso Lóri estava começando com uma nova psicanalista e comentou a história do ginecologista e da suposta lei com ela. A analista disse que era lorota, invenção dele, pois tinha uma paciente na mesma situação e que tinha conseguido fazer a inseminação aqui no Brasil mesmo. Nós ficamos pasmas: o cara tinha mentido por preconceito, provavelmente por achar que não seria saudável para uma criança nascer numa família gay. Ficamos tão passadas que não conseguimos nem ir tirar satisfação com ele. Lóri já estava com quarenta anos e quase havia desistido de um sonho por causa do preconceito dele.

Aí iniciamos uma nova maratona, a procura por uma clínica de inseminação séria e ao mesmo tempo adequada ao nosso bolso. Os procedimentos são todos caríssimos, e em geral são necessárias várias tentativas para a gravidez vingar.

O primeiro nome que nos veio a cabeça foi de um bambambam, que vive sendo citado nas revistas Caras da vida, amigo dos famosos. Lóri marcou uma consulta, eu queria ir mas não podia. Já tínhamos combinado que ela diria que era solteira, queria muito ter um filho e o tempo estava passando.

Ansiosa, aguardei em casa. O tal médico atrasou uma enormidade e, segundo Lóri, se sentia o próprio Deus. Já foi logo falando que iria ajudá-la e lhe dar um filho. E fez um comentário “inocente”: que iria ajudá-la porque ela não era uma dessas homossexuais que queria ter filho. Atendeu-a a jato, encaminhou para a secretária, que deu valores (estratosféricos) e passou os exames necessários. Ele propunha partir direto para a inseminação artificial in vitro (de proveta), para acelerar o processo.

Lóri chegou em casa puta pelo que o médico havia dito e, ao mesmo tempo, com uma sensação de “ele é um idiota, acha que pode saber da sexualidade das pessoas só pela cara”. Conversamos e, como o interesse era nosso, começamos a discutir as cifras. Era bem pesado para nosso orçamento. Resolvemos sondar outras alternativas.

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:: 3º capítulo: Conhecendo Edu – Joana Valente encontra com o pai (gay) de seu futuro filho e relata as dificuldades de assumir uma terceira pessoa na relação

:: 4º capítulo: Final feliz – Joana Valente encerra sua linda e emocionante história sobre uma família diferente

3º capítulo: Conhecendo Edu

1º capítulo: Mães gays e suas variações