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3º capítulo: Conhecendo Edu

Lóri foi em outra clínica, de gente “normal”, não-famosa, e gostou de maneira geral. O médico não fez perguntas desnecessárias e partiu logo para o tratamento: primeiro ela iria tomar injeções de hormônios de dois em dois dias para estimular uma multi-ovulação, o que aumentaria as chances de gravidez.

Depois iria induzir a ovulação e fazer a inseminação artificial com sêmen de banco brasileiro mesmo, sem escolhas do produto além da etnia. Era simplesmente a colocação do sêmen dentro do útero. Nada de proveta, por enquanto. Cada injeção custava uma nota, na época uns C$ 200,00, fora médico, clínica etc, o processo todo era caro mas possível.

Lóri engravidou na segunda tentativa, relativamente rápido. Ficamos super felizes, comemoramos e dei pra ela um par de sapatinhos vermelhos de nenê que, dizem, dá sorte pra gravidez e pro pequeno. Infelizmente ela perdeu o bebê naturalmente antes do terceiro mês, o que é muito comum, principalmente com idade mais avançada.

O processo do aborto espontâneo foi muito difícil e doído, literalmente. Ligações para o médico de madrugada depois do primeiro sangramento, remédios para simular o trabalho de parto e expulsar o feto e evitar a curetagem. Muito choro e muita dor, física e emocional, e dias até o corpo começar a dar sinais de melhora.

Bem, logo em seguida a Lóri saiu do ótimo emprego que estava e, juntando à perda do bebê, entrou em depressão. Resultado: não havia mais condições financeiras nem emocionais, naquele momento, para novas tentativas, e o relógio biológico dela se fechou de vez. A partir daí, começamos a pensar na minha gravidez, até aquele momento em que parei minha história, ou seja, o saber que tinha um cara que queria ser pai e eu o tinha encontrado por um acaso do destino.

Eu e Edu começamos a trocar e-mails. Ele era professor de uma escola particular, escrevia bem, gostava de natureza, de praia. Eu achava importante sermos do mesmo meio sócio-cultural para termos expectativas parecidas com relação à gravidez e à educação de uma criança. Ele dizia que queria ter um filho para ter descendência, deixar alguém no mundo. Depois fui saber que era de uma família com valores tradicionais, único filho homem e que para a família era importante ele ter um filho, manter o sobrenome da família, essas coisas, o que acho justíssimo. Como ele também não é assumido na família, um filho iria calar todas as bocas.

Lóri se preocupava comigo: e se o cara fosse um psicopata? Depois de seis meses de trocas de e-mails, resolvemos nos conhecer. Num lugar público, é claro. Era uma situação esquisitíssima, cada um achando que o outro o estava analisando, vendo se servia para ser pai/mãe de um filho dele. E aí entravam questões difíceis: como julgar se ele era o pai adequado? Não sabia o que deveria levar em conta, além do óbvio: ser decente, honesto, trabalhador.

Mas e o resto? Afinal, não ia apenas ser um pai para um filho meu, mas alguém com quem teria de dividir minha vida para sempre. Não dava pra depois me arrepender. Uma coisa que pegou pra mim foi a sensação de sincronicidade, de destino agindo ao nosso favor. O Edu também é tímido, fala pouco, muito educado e levemente obsessivo, o que também considerei uma qualidade. Sabia que nosso filho iria comer na hora certa, estar agasalhado, seguro. E sabia também que teríamos um relacionamento cordial, sem invasões e atos impulsivos.

Foram muitos encontros em que reinava o constrangimento. Ainda bem que eu sou extrovertida pelos dois, então fazia perguntas sobre a família, levantava questões pertinentes, discutia detalhes. Fomos nos conhecendo melhor, a Lóri então o conheceu, não desaprovou, pois aprovar já era pedir demais pra ela.

Aí chegou o momento de conhecermos as famílias. A minha sabendo de todas as intenções e detalhes da história, a dele não sabendo de nada. Ele falava que não sabiam que era gay. Quando os conheci, tive certeza que sabiam e ficavam na deles. Ninguém me perguntou nada, como nos conhecemos, se estávamos namorando, nada.

Foram três anos de processo, tudo com muita calma. Todos os exames prontos e eu tinha dito que queria terminar meu mestrado para começarmos as tentativas. Já tínhamos decidido que iríamos tentar primeiro pelo método natural, pois inseminação em consultório sairia muito caro. A Lóri não se opôs, até incentivou. Só combinamos que seria em outro espaço que não a nossa casa, por motivos óbvios.

Não iria ser fácil pra ninguém: Edu havia tido uma relação com mulher quando tinha uns 16 anos, eu já tinha circulado um pouco mais, mas não sou chegada e Lóri teria de agüentar ficar em casa me esperando sabendo que estaria na cama com outro. Mas uma coisa não havia dúvida, seria tudo muito técnico.

(Continua no próximo capítulo)

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Família…

2º capítulo: Em busca de um pai