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A boemia, o Rio de Janeiro e o foco

Então: decidi no mês passado que ia parar de sair. Estabeleci comigo mesma, chega de festinhas, de cerveja, de cigarro, de tititi, de pegação, não agüento mais essa coisa de ficar na pista, de gastar dinheiro e energia com tanta badalação. Aí, tomei uma decisão sensata, vou entrar na academia, parar de beber, me alimentar direito, dormir cedo e, o mais importante, me dedicar mais à minha vida profissional.

Mas sempre tem um evento imperdível ou uma diabinha de plantão para atentar a pessoa que quer mudar de vida. Estou na terceira semana da academia, malhando bonitinho, ten-tan-do me alimentar adequadamente, mas ainda não consegui parar de ir às festinhas, de beber, de fumar e de ir para a pista saculejar – durante – e nos fins de semana também. Tem um raio de uma aura nessa cidade que leva a gente à perdição.

Outro dia me ligaram, vamos para o samba?, respondi categoricamente, não. Estava tão determinada e convincente da decisão, fiz um belo discurso sobre o foco, que na vida a gente precisa ter foco, que é preciso ganhar dinheiro, procurar outras fontes de renda, investir na carreira profissional, procurar algo mais nobre para fazer, ler muitos livros, ir ao teatro, blábláblá, um verdadeiro tratado sobre o estilo de vida ideal.

Aí desliguei o celular, fui para a academia, depois passei num bar para tomar uma única cerveja (só por causa do calor do Rio de Janeiro) e, advinha, encontrei outra diabinha no meio do caminho que me arrastou para o samba. Tô eu na pista de novo, dançando, bebendo e fumando, feliz da vida com toda aquela esbórnia. Meu discurso foi por água abaixo e perdi o crédito da palavra com uma meia dúzia de amigas.

Então, no dia seguinte ao samba, decidi dizer “chega”, a parada gay seria a despedida da vida desregrada que estava me consumindo. Só que aí tem aquela festinha simpática lá em Santa Teresa, um yakissoba na casa da fulana de tal em Ipanema, alguém chama para dar uma passadinha no bar lá da Farme, aniversário daquela amiga que você não vê há muito tempo, formatura da sua ex-peguete, open house de um casal de amigas, a coisa vai embolando, a gente vai se entregando e a mudança de hábito vai ficando para depois.

Será que é possível ser séria nessa cidade? Pensei, pensei, pensei, e, sabe, tô pensando até agora. O assunto tem me perturbado tanto que ando com sentimento de culpa. Cá entre nós, eu preciso admitir, a coisa mais difícil do mundo é dizer não para a gente mesmo. É conseguir ficar alheia às tendências boêmias dessa cidade maravilhosa. É ter a frieza de ver a vida agitada no agora e, apesar disso, manter a energia focada no amanhã.

Se a familia não vai à parada gay, a parada gay vai à família

A cegueira nossa de cada dia