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“A homofobia está ligada ao ensino religioso na escola pública”, afirma o juiz Roberto Lorea

"Homofobia mata: por um estado laico de fato". Esse é o tema da Parada GLBT de São Paulo deste ano. O motivo da escolha é simples: pessoas morrem por serem gays. A palavra homofobia é bem íntima da população LGBT, cujo significado são as atitudes de pessoas que têm repúdio pelo comportamento homossexual. Mas e a questão do estado laico será que está difundida entre a comunidade BLGT?

Se você não sabe o que é um estado laico, a gente te fala: é a separação entre religiosidade e estado. Não é a negação das religiões e nem se propõem um estado ateu. Pelo contrário, é o respeito oficial pelos vários cultos existentes no Brasil. A laicidade também garante que as decisões do estado não sejam pautadas por crenças de fé individuais ou coletivas.

Porém, não é uma realidade plena que vivemos, vira e mexe temos políticos que levam as suas bíblias nos plenários das câmaras para atacar anseios da comunidade homossexual ou mesmo avanços ciêntíficos. Tal fato nunca ficou tão exposto como hoje, quando o PLC 122(projeto que criminaliza a homofobia no território brasileiro) entrou em pauta. Sobre isso e mais conversamos com o juiz Roberto Lorea. Da 2ª Vara Familiar do TJRS, Lorea é um grande defensor do estado laico e aliado da comunidade GLBT. Sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo ele afirmar ser "um direito humano e não heterossexual", sobre as bancadas evangélicas afirma as enxergar "como uma tentativa de impor uma determinada visão de mundo". Confira a entrevista.

Gostaria que você fizesse um resumo da sua atuação quanto à laicidade do Estado. Sei que você entrou com uma ação para que se retirasse os símbolos religiosos das repartições públicas. E fale também do seu livro.
Tenho escrito e falado sobre o tema. Em nível institucional, participo da Red Iberoamericana por las Libertades Laicas, que é uma associação de militantes e ativistas acadêmicos que buscam aprofundar a reflexão sobre o tema nos países da América Latina. Em 2007 organizamos vários eventos. No Brasil, aconteceram seminários em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Para 2008 estamos organizando um grande seminário em Recife, que deverá ocorrer na primeira quinzena de outubro, com presenças internacionais.

No âmbito da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, AJURIS, propus um debate durante o Congresso Estadual de Magistrados de 2005. A proposta era refletir sobre a presença de símbolos religiosos, no caso crucifixos, nos Tribunais. Não se tratava de lei ou ação judicial, mas uma simples reflexão, que assegurou a visibilidade do tema entre magistrados. A proposta de aprovar uma moção (simbólica) sugerindo a retirada dos símbolos religiosos dos Foros, foi rejeitada – em terceira votação – por um voto de diferença, o que espelha a polêmica em torno do tema.
Após os eventos de 2007, surgiu a publicação "Em defesa das liberdades laicas", lançado pela Editora Livraria do Advogado. Trata-se de uma coletânea que reúne artigos de 11 autores, da Argentina, Brasil, Canadá, México e Perú. A intenção é disponibilizar uma obra que oportunize o conhecimento do tema ao grande público e não apenas para juristas, por isso os autores são também de outros campos do saber, não apenas do Direito.

Pra você, o estado Brasileiro é de fato laico?
Sim, o Brasil é laico. Pode ser ainda mais, pois a laicidade, a exemplo do que acontece com a democracia, não está perfeita e acabada, ela é um processo em construção. Podemos ser mais laicos e mais democráticos. A resposta do Poder Judiciário às demandas por liberdades laicas asseguram que o Brasil é laico. Seja concedendo efeitos jurídicos às uniões entre pessoas do mesmo sexo, seja declarando a inconstitucionalidade das leis municipais que proíbem a distribuição da pílula do dia seguinte, seja revogando leis que obrigam a leitura da Bíblia nas escolas, o Poder Judiciário tem dado sinais de que as pessoas podem lutar por igualdade de tratamento em matéria de religião. Outro exemplo importante, foi a recusa do presidente Lula em assinar uma concordata com o Vaticano. Essa foi uma grande vitória da democracia brasileira.

Acredita que a homofobia está ligada à não laicidade do estado?
A homofobia está ligada ao ensino religioso na escola pública. Nossas crianças estão sendo ensinadas a acreditar no que diz o Ratzinger, cujos textos da Congregação para a Doutrina da Fé são um exemplo da incompatibilidade entre a Ciência e a fé. Seus textos negam o conhecimento científico e promovem a homofobia. Veja o exemplo do texto "Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais", de 2003. Sua argumentação não resiste a uma análise científica, basta ver a revisão bibliográfica sobre o tema, conhecer o que as pesquisas demonstram sobre a criação de filhos por casais de pessoas do mesmo sexo, para compreender os equívocos de Ratzinger sobre o assunto. Qual a contribuição desse texto? Nenhuma, serve apenas para fomentar homofobia, que chega às nossas crianças através do ensino religioso. Esse é um aspecto a ser revisto, pois fere o artigo 1º da Constituição Federal, que assegura a dignidade da pessoa humana.

O que pensa de repartições públicas que têm símbolos religiosos  pendurados?
São violações ainda permitidas pelos agentes do Estado. Falta exercitar a cidadania, a liberdade e o direito à igualdade. Se uma diretora de escola é crente e sente necessidade de manifestar essa religiosidade, ela é livre para fazê-lo usando um adereço religioso. Contudo, não tem o direito de ornamentar a escola pública com a sua crença pessoal, como se o Estado endossasse essa determinada religiosidade. As pessoas, geralmente, não fazem por mal, mas sim por falta de consciência do direito dos outors, daqueles que não compartilham essa mesma crença ou, compartilhando, entendem que a escola pública não é o espaço adequado para essa manifestação.

Qual a sua visão sobre as bancadas evangélicas do congresso?
Vejo-as como uma tentativa de impor à população – através da lei – uma determinada visão de mundo. Os fiéis deveriam seguir a orientação de sua Igreja por convição religiosa, não por imposição legal. A bancada evangélica é difícil de compreender. A religião evangélica é a que mais cresce. E cresce como? Através de pessoas que têm a liberdade de se converter a essa religião. Isso só pode acontecer em um Estado laico, onde se asseguram as liberdades laicas, como a possibilidade de deixar uma religião para aderir a outra. As pessoas que crêem são as que mais necessitam de um Estado laico, que lhes garanta a liberdade religiosa.

Outro aspecto muito relevante, o Estado laico garante que as pessoas possam discordar de sua própria religião. Católicos não gostariam que lhes fosse imposta por lei a sua própria doutrina religiosa, que não pudessem se divorciar ou usar a pílula anticoncepcional ou preservativos. Se não fossemos um Estado laico, a Igreja católica ainda poderia impor sua doutrina por meio do Estado – como fez durante quatro séculos no Brasil.

Felizmente, as pesquisas de opinião apontam para a laicidade dos católicos brasileiros. Segundo dados do Ibope, 86% dos católicos brasileiros rejeitam que o Estado se paute por essa ou aquela doutrina religiosa. Esse dado é muito importante, pois revela que as lideranças religiosas muitas vezes falam por si mesmas, sem qualquer representatividade, pois não refletem o que pensam os fiéis.

Essas bancadas são um empecilho para a vida social e constitucional da comunidade GLBT?
Atualmente sim. A atuação dos legisladores comprometidos com valores religiosos tem sido pautada pela sua doutrina religiosa e não pela Constituição, a qual assegura a inviolabilidade de consciência e de crença baseada na separação Estado-igrejas. Vamos tomar como exemplo o casamento entre pessoas do mesmo sexo. É um direito humano, não um privilégio heterossexual. Se uma determinada religião proíbe, outras tantas celebram. Qual a justificativa para adotar uma determinada doutrina religiosa? Nenhuma.

No ano passado o Senador Magno Malta foi à tribuna e comparou os homossexuais aos necrófilos e pedófilos. E nem uma advertência sequer foi dada ao senador. Já na Assembléia Legislativa de São Paulo, quando o deputado Giannazi lançou a frente a parlamentar GLBT e no dia uma travesti se apresentou o ameaçaram de cassação e no fim lhe deram uma advertência. O conservadorismo impera entre os legisladores?
Não podemos generalizar, o Congresso reflete um pouco da diversidade existente no Brasil, a qual deve ser contemplada. Contudo, alguns políticos afirmam que um determinado livro religioso é a sua Constituição. Vejo isso com muita preocupação, pois se mais legisladores atuassem assim, corremos o risco de virar uma Teocracia(estado regido por crença religiosa), com graves prejuízos para as liberdades fundamentais. No meu entender essa postura fere o decoro parlamentar e atenta contra o Estado de Direito. Nesses casos, acho mesmo que tais deputados mereceriam uma reprimenda de seus pares, pois todos os Deputados devem obediência à Constituição, que assegura que ninguém sofra coação estatal em matéria religiosa.

Na quarta-feira (22/04) houve a caminhada "pela família" organizada pelo Fórum Nacional Evangélico, contou também com apoio de parlamentares ligados a igreja evangélica. Entre as pautas, estava: protestar contra a realização da Conferência Nacional GLBT e contra a aprovação do PLC 122. Qual a sua opinião sobre?
Atuo na 2ª Vara de Família de Porto Alegre. Como magistrado pauto minha atuação na proteção da família, independentemente da orientação sexual de seus integrantes. A Constituição assegura o respeito à dignidade de todos, não apenas daqueles que pensam como nós. Lamento que algumas pessoas ou organizações ainda vinculem seus direitos ao desrespeito ao direito dos outros. No Rio Grande do Sul o Poder Judiciário tem se mostrado capaz de corresponder aos anseios por uma sociedade livre, justa e solidária, como previsto na Constituição. Já em 2004, a Corregedoria da Justiça editou um Provimento que assegura o registro de parcerias civis, independentemente da orientação sexual. Essa medida só fez aumentar o grau de cidadania do povo gaúcho, sem prejuízo para ninguém. É uma alternativa que pode ser adotada em outros estados – sem burocracia. Quando o tema versa sobre Direitos Sexuais, esperar pelo Poder Legislativo tem sido decepcionante.

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