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“Agressão tem a ver com o conservadorismo da sociedade”, diz vice-reitora da UFMG

No dia 20 deste mês, o site A Capa noticiou a agressão sofrida pelo aluno gay Fernando Ferreira no alojamento da Universidade Federal de Minas Gerais. Procurada pela redação, a vice-reitora da universidade, Heloisa Starling, revelou ter ficado "muito chocada" e disse que nada justifica a agressão, que "já é algo muito grave". 

Em entrevista concedida na tarde da última quarta-feira (25/03), Heloisa declarou que os casais gays têm os mesmos direitos que os casais héteros. Também aprovou as manifestações contra homofobia que os alunos da Universidade planejam para a próxima semana. Confira a seguir a entrevista na íntegra.

Qual foi a reação da senhora quando soube do caso de agressão?
Fiquei muito chocada por duas razões: uma é que não tem nada que justifique um estudante da UFMG agredir o outro. A utilização da agressão física é algo muito assustador. A outra é que aparentemente não há motivos para que tivesse ocorrido essa agressão a não ser os que estão sendo ditos que seria uma reação homofóbica. Se isso de fato se comprova é ainda mais terrível. Eu torço para que não seja isso (homofobia).

Tivemos um caso recente na USP, onde dois alunos gays foram expulsos de uma festa por trocarem um beijo. Agora, temos o caso da Universidade Federal de Minas Gerais. A senhora enquanto vice-reitora, como analisa isso?
Há uma luta para ser travada na universidade. De um lado você tem o discurso das pessoas, do outro há o imaginário. Mudar o imaginário é difícil e mais lento. A impressão que eu tenho no caso de situações que a UFMG já viveu de forma mais aguda, como trotes com conotações racistas, homofóbicas e sexistas, tem a ver com o imaginário de uma sociedade que é conservadora. Por exemplo: você faz um treinamento especial com o seguranças para explicar que as pessoas têm direitos de manifestar formas de afeto heterossexuais ou homossexuais. Na hora que você fala, o funcionário aceita. Quando ele vê [um casal], ele reprime. É isso que eu falei que é difícil mudar. Há muitos seguranças que cultuam a cultura machista e eles têm uma enorme dificuldade [em aceitar], dizem que se sentem agredidos [ao ver casais homossexuais]. Eles foram educados em universo que isso [a homossexualidade] é uma perversidade.

Fora as ações punitivas, você e o corpo docente da universidade pensam em trabalhar a questão da diversidade no âmbito da UFMG?
Existem aí três eixos em que temos que trabalhar simultaneamente. Em um episódio como esse tem que haver uma ação punitiva. Da mesma forma que um segurança assiste a essa cena e não toma nenhuma providência ele tem que ser punido. Na época do trote nós deflagramos uma grande campanha na Universidade em que as palavras de ordem eram: comemoração, não discriminação. E, o terceiro eixo são as ações de educar e de selecionar as pessoas. Por exemplo: o conselho de moradia decidiu que nós teremos que mudar a firma de segurança e eles tiraram um grupo que irá sentar com os novos seguranças selecionados e fazer um trabalho de preparação. Também temos que chamar a comunidade a pensar sobre o ocorrido e nesse caso é com campanhas. É um trabalho de persuasão e educação das pessoas.

A senhora citou a questão da cultura machista como um dos problemas e realmente, não é em cinco anos que se muda isso. Acredita que a questão da diversidade tem de ser ensinada desde o ensino fundamental?
Com certeza. A criança no geral reproduz um tipo de comportamento que ela vê. Portanto, tem de haver a preocupação de fazer com que ela lide com o diverso, com o diferente, com aquele que pensa de outra maneira. Isso é fundamental para quando essa criança se tornar aluno da universidade ela já vir com a bagagem em que essa questão já está introjetada. Assim ela se sentirá agredida ou achará que o outro é menos  porque não age como ele.  Nós avançamos muito na questão do racismo, mas menos na questão da homofobia, provavelmente porque a luta contra o racismo é mais antiga. Ainda assim você tem bolsões na própria universidade onde professor discute a questão das cotas e diz ‘a senhora está querendo trocar neurônio por melanina’.  Entenda bem, se trata de um professor de um dos departamentos mais importantes da universidade e teve uma reação que não é adequada.

Um grupo de alunos da UFMG vai promover algumas manifestações contra a homofobia. O que a senhora acha disso?
Eles devem promover dentro do espaço democrático da pluralidade. A promoção dos direitos tem que ser feita de maneira a não coibir o direito dos outros. A reitoria não faz apologia de nenhuma forma de relacionamento. Não vou fazer apologia do heterossexualismo e nem do homossexualismo (sic). Agora é legítimo e saudável que os estudantes se organizem e se manifestem para inclusive chamar a atenção das pessoas sobre a importância do tema. É fundamental que eles façam isso.

A senhora acha que o aluno foi motivado por homofobia?
Há informações que chegaram pra mim dizendo que não, que a questão seria outra. O rapaz que agrediu disse em seu depoimento que não houve homofobia. Mas, tem uma série de depoimentos dizendo que sim. Por isso é importante a criação de uma comissão para ouvir e dar o direito de defesa.

Quando o garoto agredido foi entrevistado, relatou uma perseguição anterior como por exemplo, seu quarto ter sido apelidado de "gaiola das loucas". Há um histórico que envolve o agressor?
Tem um histórico sim. Eu recebi e-mails, curiosamente todos eles anônimos, dizendo isso: "apto 101 é um gueto gay onde todos os tipos de crimes e violações a moradia acontecem". É importante que um grupo de professores consiga fazer esse trabalho de escuta até mesmo para identificar se houve homofobia de fato e atuar sobre isso, mas também no sentido de garantir ao sujeito que agrediu que ele possa dizer livremente quais foram os motivos e que o argumento dele possa ser comprovado ou não. Só o fato de ele ter agredido, dentro das normas da moradia, é motivo para expulsão e ele o foi.

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