Desde que eu insisti que as reuniões do grupo Umas&Outras fossem só para mulheres lá em 2004, não permitidas para gays ou transgêneros ou héteros amigos, ouço a mesma pergunta em formas variadas: Mas por quê? E por que caminhadas de lésbicas? Por que as meninas não se juntam à parada LGBT, que afinal é para todos? Por que não freqüentam os lugares gays, que são para todos?
Quando aparece alguma tentativa de separar as meninas dos meninos, muitos deles ficam irritados, achando que é o gueto dentro do gueto, discriminação por parte de discriminadas. Outros, com a imaginação mais ágil, têm certeza de que rolam surubas inacreditáveis nesses encontros e é por isso que não queremos que eles participem. Só rindo. Os amigos mais chegados já me perguntaram várias vezes se podiam ir montadas para conferir o que é que acontece num ambiente só de mulheres. É por isso, aliás, que somos amigos, nós damos muita risada uns dos outros.
Eu lamento desapontá-los, mas não é nada disso. Eu nem consigo imaginar uma mega suruba só com mulheres, nós somos muito mais travadas e discretas do que os homens nesse quesito. Que alguém me corrija se eu estiver errada, mas sequer ouvi falar de uma sauna feminina – de pegação, não de passar calor – em nenhum lugar do mundo, nem lá na Escandinávia onde é todo mundo desencanado com quase tudo.
Mas em vez de começar uma tirada feminista daquelas bem caprichadas, vou só fazer um convite aos leitores e leitoras dessa coluna. Pensem no seguinte: as mulheres não são diferentes dos homens? E lésbicas não são mulheres, portanto bastante diferentes dos gays, que são homens? Se você é daqueles ou daquelas que acham que homossexuais são um terceiro sexo, atualize-se. Faz pelo menos uns sessenta anos que ninguém mais acha que lésbicas são “homens incompletos” ou no meio do caminho entre homens e mulheres. Lésbicas são cem por cento mulheres cuja orientação sexual – as pessoas por quem sentimos desejo e amor e vontade de nos relacionarmos – são mulheres, e não homens como no caso das heterossexuais. Ou os dois, no caso das bissexuais.
É isso e apenas isso que nos diferencia das mulheres heterossexuais. Claro que, numa sociedade como a nossa, na qual a sexualidade é central e os papéis de gênero são tão marcados – mulher faz isso e aquilo, homem faz assado e cozido – as lésbicas acabam sendo obrigadas a se diferenciar muito da maioria. Não é nossa vontade, mas quando o meio à nossa volta diz que “mulher gosta de homem”, temos que discordar. Para casar eu não gosto!
Essa forma de discordar varia muito. Algumas de nós ficam retraídas, outras hiper briguentas (já reparou como a mulherada assumida é muito mais encrenqueira que os gays?), outras adotam uma postura mais masculinizada, outras decidem que não vão se importar com expectativa nenhuma da sociedade (hehehe, aquele grupo das mal vestidas de que já falei), outras, ao contrário, adotam um papel super feminino, bem de acordo com o que esperam de nós.
Agora continue a pensar comigo: isso tudo não é diferente no caso dos gays? As expectativas quando são crianças, as pressões quando vão crescendo, as violências que sofrem e as estratégias de sobrevivência não são diferentes porque eles são homens? E mesmo o jeito como eles abordam relacionamentos, como fazem sexo, não é tudo super masculino, muito mais rápido, ousado, agressivo que no caso da mulherada? Somos seres sociais e nosso meio cria as meninas de forma muito diferente que os meninos, trata as mulheres (inclusive as lésbicas) de maneira completamente diversa da que trata os homens (inclusive os gays).
Eu sei que tudo isso é um completo dabadã de óbvio, mas as pessoas não juntam as informações para chegar às também muito óbvias conclusões. Por conta dessa diferença tão pronunciada de tratamento (e oportunidades e salários e cargos de liderança) entre mulheres e homens na nossa sociedade, e por conta de os homens estarem tão mais acostumados a mandar, ser assertivos, se atirarem, um ambiente exclusivamente feminino não heterossexual (não valem os salões de cabeleireiro…) dá às lésbicas a chance de se expressar. Criar um evento só para mulheres é abrir um espaço mais calmo, mais lento, mais emotivo, mais voltado para as relações pessoais (aquelas características todas típicas de mulheres) no qual cada uma pode ir criando coragem para se colocar.
Antes que alguma moçoila me crucifique, deixe-me dizer que cada uma é cada uma, e que existem dondocas por aí com pique mais conquistador que Átila o huno e Dom Juan combinados. Mas somos obrigadas a admitir que termos sido criadas como mulheres e sermos vistas como as fêmeas da espécie em cada lugar onde vamos torna nossa vida diferente da dos gays. E é por isso que, de vez em quando, a gente precisa criar uns espaços só nossos, uns movimentos com as nossas prioridades, alguns encontros só para lésbicas.
Você não acha?
* Laura Bacellar é editora, atualmente responsável, juntamente com um grupo de mulheres, pela primeira editora lésbica do Brasil, a Malagueta – www.editoramalagueta.com.br.