A Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT) divulgou na última segunda-feira (7) o tema da 15ª Parada Gay de São Paulo, que causou polêmica por conter uma frase bíblica: "Amai-vos uns aos outros: Basta de Homofobia". Logo o tema foi parar nas redes sociais e gerou uma acalorada discussão.
Foram vários tipos de opiniões que correram a esfera virtual. De um lado, teve o grupo que disse ser interessante usar uma expressão religiosa para provocar a reflexão acerca do real papel da religião; do outro lado, estão aqueles que afirmaram que a religião e o Estado são coisas distintas e que não é legal misturá-los, visto que a população é plural tanto na sexualidade quanto na fé que professa.
A fim de promover o debate sobre a questão, a reportagem de A Capa conversou com ativistas que fazem parte, em sua maioria, do início da Parada Gay de São Paulo. Entre eles, Regina Facchini, Lula Ramirez, Cezar Xavier e Paulo Mariante. Além do grupo fundador, também escutamos ativistas que tem atuação nacional, são eles: Julian Rodrigues, Caio Varela, Leonardo Mendes e Gui Tronolone.
Lula Ramirez – Grupo Corsa
"Eu ainda não tenho opinião formada. A princípio não reagi bem, achei que foge do Estado Laico que tanto batalhamos, que deixava de fora os não cristãos. Mas por outro lado, vejo que é uma forma de enquadrar os conservadores religiosos e jogar na cara deles a hipocrisia. E, bem ou mal, ainda somos um país sob forte influência do cristianismo, em particular, do catolicismo. É usar os termos do inimigo, mas acho que pode dar resultados interessantes."
Cezar Xavier – Jornalista e Ativista LGBT
"Fui religioso até os 20 anos e o meu pai era pastor adventista. Cheguei a ter contato com o debate religioso e com as igrejas inclusivas. Fui regente de coral e pianista de igreja. Mesmo assim, prefiro que o movimento não apele ao argumento religioso para defender os nossos direitos humanos. Existe o argumento anterior a qualquer mentalidade religiosa, que são os Direitos Humanos universais. "Amai-vos uns aos outros" é um valor estritamente cristão, outras religiões podem não se identificar com esta mística.
Acho esse tema uma concessão aos valores católicos – evangélicos. Embora eles tenham um papel importante na nossa restrição de direitos não deveriam ser o centro da nossa disputa, como se assumíssemos uma subalternidade a esses grupos. Espero que o tema cumpra algum papel nessa disputa sensibilizando, ao menos, algumas lideranças religiosas que se apóiam nesse valor cristão."
Julian Rodrigues – Diretor do Setorial Nacional LGBT do Partido dos Trabalhadores (PT)
"Respeito e admiro o trabalho da Associação da Parada LGBT de São Paulo (APOGLBT) e da nova gestão. Mas, desta vez, parece que não houve tempo para um debate mais amplo com todo o movimento LGBT, como de outras vezes. Particularmente, acho que devemos priorizar o debate sobre a laicidade do Estado. Garantir os direitos LGBT é uma luta no campo da democracia e dos direitos humanos.
Nós precisamos ter nossos direitos reconhecidos e precisamos que haja punição para quem nos discriminar. ‘Amor’ é uma questão subjetiva e a abordagem é religiosa. Penso que o diálogo com os cristãos deve ser feito pelos próprios cristãos ou religiosos progressistas. Cabe ao movimento LGBT lutar pelo respeito à pluralidade e pelos direitos civis."
Paulo Mariante – Grupo Identidade (Campinas)
"Não sou contrário ao diálogo com as religiões, e penso que isso faz parte do processo democrático, mas o tema escolhido me parece ter dois problemas:
1. Colocar esta questão – a religiosidade – como um eixo central, o que numa perspectiva da luta pela laicidade do Estado me parece um equívoco;
2. O adotar uma passagem bíblica – mesmo que a maioria da população brasileira se declare cristã, segundo o IBGE – o tema privilegia uma mensagem religiosa, o que navega em sentido oposto ao que trabalhamos no movimento de direitos humanos, do ponto de vista da liberdade religiosa.
Penso que outras questões poderiam ser destacadas, ao invés da religiosidade, mas como não houve espaço para debate, resta-nos trabalhar para que a Parada cumpra sua função política."
Caio Varela – Ativista LGBT e assessor parlamentar
"Que equívoco! A maior Parada do mundo cede a este apelo religioso que tanto destrói a sociedade. Precisamos de revolução e não de contenção, de atos pudicos! F***-se o cristianismo! Tomemos a rua para exigir direitos. Não quero que nenhum hipócrita homofóbico venha a me amar. Amor está ligado ao privado. Uma nação não garante direitos aos seus cidadãos por amor. 14 anos de luta pra isso? Dessa Parada, eu estou fora!"
Leo Mendes – Secretário Executivo de comunicação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (ABGLT)
"Vários olhares vesgos entenderam que o tema pede clemência à religião, quando na verdade querem polemizar no movimento LGBT e na sociedade em geral a farsa religiosa que prega o amor e constrói o ódio e a violência.
Com esse tema, a APOGLBT que fazer toda a sociedade refletir sobre a moral religiosa que permeia os lares, bares, bancos, escolas… As leis dos homens não são as leis de Deus, mas os homens que fazem as leis têm se pautado por uma educação cristã e de outras espiritualidades que têm atentado contra o capital social e cultural e até mesmo contra a vida dos LGBT. Parabéns APOGLBT!"
Regina Facchini – Antropóloga (Pagu/Unicamp)
"O tema escolhido retoma mais uma vez a temática da homofobia e, nesse sentido, faz algo muito importante. Em pesquisa que temos conduzido no Núcleo de Estudos de Gênero Pagu/Unicamp, com apoio da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, com participantes da Parada de 2009 moradores da Grande São Paulo, não só os percentuais de relato de discriminação e agressões motivados pela sexualidade são maiores dos que os encontrados nas pesquisa anteriores (de 2005 e de 2006), quanto o combate à homofobia é a principal demanda dos participantes entrevistados (os dados da pesquisa serão divulgados em junho deste ano, assim que finalizarmos a análise da etapa qualitativa).
Quanto a trazer a temática religiosa ao tema da Parada, penso que é uma grande responsabilidade. Sabemos que o sucesso de um tema de Parada na sensibilização da população depende de como ele é trabalhado desde seu lançamento até a data de realização da manifestação. Nesse sentido, a Associação da Parada chama para si uma grande tarefa, dado o impacto que questões religiosas tiveram na última eleição presidencial e que tem tido nas dificuldades de aprovação de legislação que reconheça direitos para LGBT. Trata-se de uma questão politicamente delicada que exigirá grande empenho da Associação da Parada no que diz respeito à educação e comunicação, mas potencialmente interessante."
Gui Tronolone – Jornalista e integrante do Diversidade Tucana (PSDB)
"A pesquisa realizada pelo Senado diz que 80% das pessoas evangélicas eram a favor da criminalização da homofobia, já mostrou o quanto essa rivalidade entre igrejas e LGBT é fictícia. Acho que esse tema tem a importante missão de lembrar as pessoas de que não têm como falar de Deus sem falar de humanismo, solidariedade e compreensão. Mas, por outro lado, precisamos lembrar também que não são os fanáticos religiosos que nos agridem na rua, então, a Parada não pode se prender nessa disputa política e se calar sobre os últimos acontecimentos de violência. E por último, não podemos esquecer que não são apenas os cristãos os homofóbicos."
Na foto, em sentido horário, Regina Facchini, Gui Tronolone, Leo Mendes e Julian Rodrigues.